04 Setembro 2018
Para manter a segurança externa e dissuadir ataques especulativos, o Brasil precisa conservar as suas reservas internacionais.
O artigo é de Paulo Nogueira Batista Jr., economista, publicado por CartaCapital, 03-09-2018.
Ciro Gomes foi o primeiro candidato, salvo engano, a levantar o tema da utilização das reservas internacionais (Foto: Carta Capital)
Todo escritor, mesmo de modestos artigos, deve fazer o possível e o impossível para evitar homenagens ao ilustre Conselheiro Acácio, aquele personagem de Eça de Queirós que se dedicava a proclamar o óbvio ululante. Bem sei que a sombra do Conselheiro nos persegue, mas, convenhamos, quem quer ver um articulista desfilar trivialidades?
Por isso, temos de estar em permanente vigília contra tal influência. Tanto mais que o Conselheiro – fato pouco conhecido – era economista e, além do mais, autor de um tratado de economia política!
A exortação que serve de título ao artigo de hoje tem, reconheço, certo sabor acaciano. Parece realmente uma homenagem ao Conselheiro. Só que não. Na campanha eleitoral deste ano, alguns candidatos à Presidência da República têm cogitado utilizar parte das reservas internacionais.
O surgimento dessa discussão preocupa. As reservas internacionais são um dos principais trunfos de que dispõe o País. Foram elas que nos permitiram atravessar sem crises cambiais episódios de intensa turbulência. O Brasil demorou a tirar a lição da experiência internacional, mas a partir de 2006 acumulou reservas substanciais.
Graças a elas, a aguda crise financeira nos EUA e na Europa em 2008-2009 teve efeitos relativamente modestos e de curta duração sobre a economia brasileira. Graças a elas, as turbulências de 2018 vêm sendo enfrentadas sem grandes estragos até agora, mesmo com trapalhadas ocasionais do presidente do Banco Central.
Ciro Gomes foi o primeiro candidato, salvo engano, a levantar o tema da utilização das reservas internacionais. Em entrevista recente a CartaCapital, ele voltou ao assunto dizendo: “Temos reservas de 370 bilhões de dólares. Desse montante, só precisamos manter uns 200 bilhões, o suficiente para garantir um ano e meio de importação. O restante pode ser usado para abater a dívida interna”.
O candidato do PDT tem o mérito de ser o único que se arriscou a fazer diversas propostas específicas na área econômica, valendo-se para tal da sua extensa experiência de homem público. Muitas das ideias que apresentou – na área tributária, por exemplo – são inteligentes e foram até copiadas por outros candidatos. Mas a sua proposta para as reservas merece alguns reparos.
Não há como estimar, de forma convincente, que o “nível ótimo” das reservas seja de cerca de 200 bilhões. É verdade que, como muita coisa em economia, a aplicação prática do conceito de “nível ótimo” é sempre nebulosa. Diferentes indicadores e métricas são utilizados para tentar estimar o montante apropriado de reservas, sem que se possa dizer que um ou outro indicador seja claramente preferível.
Feita essa ressalva, já vai longe o tempo em que se podia calcular o nível ótimo com referência às importações do País, como faz Ciro. A relação reservas/importação era mais usada quando as transações internacionais dos países eram dominadas pelo comércio exterior de bens e serviços.
Há várias décadas, o balanço de pagamentos de países como o Brasil – e até de países menos desenvolvidos – são dominados por fluxos financeiros e movimentos de capital.
Isso forçou a reavaliação do que constitui um nível de reservas apropriado e das métricas para tentar estimá-lo. Passou a ser necessário, por exemplo, considerar a composição da conta de capitais e o tamanho da dívida externa de curto prazo. A presença de investidores estrangeiros voláteis e capitais especulativos é um dos fatores que recomendam manter reservas elevadas.
A crescente integração da economia aos mercados financeiros internacionais é outro fator que requer manutenção de reservas altas. No Brasil, desde os anos 1990, houve liberalização dos movimentos de capital e os residentes no País passaram a poder remeter recursos para o exterior com facilidade.
Como a maior parte dos ativos financeiros domésticos apresenta alto grau de liquidez, há que levar em conta o risco de uma volumosa saída de capitais, inclusive de residentes, em momentos de turbulência e incerteza. Nesse ambiente, reduzir as reservas brasileiras para 200 bilhões seria muito arriscado.
Devagar com o andor, portanto. Para manter sua segurança externa e dissuadir ataques especulativos, o Brasil terá de continuar com reservas altas, em nível próximo ao observado nos anos recentes.
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Devagar com o andor, candidatos! - Instituto Humanitas Unisinos - IHU