Por: Wagner Fernandes de Azevedo | 28 Abril 2018
Na última semana foi anunciado o desmonte da União das Nações Sul-Americanas — UNASUL com a suspensão da participação de seis países. A saída em conjunto de Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, Paraguai e Peru não foi pré anunciada, tampouco fora especulada pela mídia. A decisão partiu dos próprios Estados pela vacância no cargo da Secretaria-Geral há um ano e meio. Os seis países anunciaram a decisão como momentânea, porém a decisão deixa ainda mais incerto o futuro da organização que visava o desenvolvimento de uma cidadania regional. Na opinião da professora Graciela de Conti Pagliari, em entrevista, por email, ao IHU On-Line, a proposta visava “criar uma identidade sul-americana entre os países da região”, entretanto com o desmonte causa um impacto “de retrocesso em termos de consenso regional no que diz respeito à construção de uma identidade sul-americana, no que diz respeito à própria inserção internacional da região”, aponta.
A política de integração da UNASUL construiu o Conselho de Defesa Sul-Americano — CDS que visa instituir ações conjuntas na estabilidade democrática do continente, criar uma identidade sul-americana e fortalecer a cooperação em matérias de defesa. O órgão é o primeiro construído por autonomia entre os países sul-americanos no tema. A cooperação entre os países envolve entre troca de informações, quanto ações integradas. A compreensão de identidade sul-americana constitui a ideia de interesses comuns entre os países da região. Assim, um Conselho de Defesa institui para a América do Sul a participação e protagonismo pleno dos países da região. Para Graciela “sem a dimensão política da UNASUL, a dimensão de defesa sofre os reflexos da perda dos laços de busca de uma identidade regional. O que refletirá, certamente, na decisão acerca dos necessários consensos regionais”.
Nesse sentido o debate da UNASUL necessita ser evidenciado. Graciela afirma “o enfraquecimento da UNASUL é o enfraquecimento do Brasil e da construção de uma regionalidade compartida e mirando mais espaço para sua inserção internacional”. A destruição do organismo reflete as mudanças de rumo das políticas domésticas dos países sul-americanos. A dificuldade de instituir um órgão autônomo reafirma as fragilidades da soberania da América do Sul ante os polos de poder, sobretudo no momento de acirramento das tensões.
Pela atual conjuntura, a dinâmica externa dos países da região torna-se incerta. O projeto de soberania e autonomia construído em 2008 contava com outra perspectiva nas governanças. A instabilidade da organização é também causada por uma “predileção por empreender políticas de governo, então mudanças no perfil do governo já são suficientes para frear e esvaziar a organização”, argumenta Graciela.
Graciela de Conti Pagliari
Graciela De Conti Pagliari é professora de Relações Internacionais da Universidade Federal de Santa Catarina — UFSC. Fez doutorado em Relações Internacionais na Universidade de Brasília — UNB, graduação em Direito na Universidade do Vale do Rio dos Sinos — Unisinos, especialização em Integração e Mercosul, em Direito Internacional e mestrado em Relações Internacionais, na Universidade Federal do Rio Grande do Sul — UFRGS. Sua pesquisa é na área atuando principalmente nos seguintes temas: Segurança Internacional (regional e comparada) e Defesa, Política Internacional e Política Externa Brasileira.
IHU On-Line — Qual foi o principal objetivo na criação da União das Nações Sul-Americanas?
Graciela de Conti Pagliari — A criação da UNASUL pode ser vista como um projeto político capitaneado pelo Brasil e que tinha como principal objetivo criar uma identidade sul-americana entre os países da região.
Sua constituição em 2008, durante a III Cúpula de Chefes de Estado e de Governo, em Brasília, resulta de um processo de aproximação que passa a ocorrer desde 2000 quando do primeiro encontro de presidentes da região, promovido por Fernando Henrique Cardoso.
Esta conformação se dá em um momento de fortalecimento regional, e de busca de um diálogo político para concertar a integração sul-americana. Percebe-se que o fortalecimento regional proporcionará melhores condições para a inserção no cenário internacional.
IHU On-Line — Quais foram as variáveis de sustentação da UNASUL?
Graciela de Conti Pagliari — A UNASUL tem o grande resultado de ser uma organização multilateral sul-americana e que representa o esforço político da criação de um fórum regional de consenso, alicerçado em temas como integração energética, infraestrutura para a conectividade regional, integração financeira, dos recursos hídricos, de redução de assimetrias, e, sobretudo, de consolidação de uma identidade sul-americana. O grande alicerce da UNASUL, portanto, consolida-se em uma vertente de projeto político regional de integração sul-americana.
IHU On-Line — Quais variáveis seriam necessárias para sua sustentabilidade atual?
Graciela de Conti Pagliari — A mudança em alguns governos da região foi crucial para que a UNASUL perdesse proeminência política. O seu processo decisório por consenso – ao mesmo tempo que poderia se mostrar uma fortaleza por dar aos países um espaço mais plural de decisão pois para serem adotadas as mesmas deveriam ser consensuadas; demonstra uma certa fragilidade pois os resultados tendem a ser mais superficiais. Aliado ao fato de que temos uma predileção por empreender políticas de governo, então mudanças no perfil do governo já são suficientes para frear e esvaziar a organização.
IHU On-Line — Quais são os motivos conjunturais e estruturais para a saída de seis países da organização?
Graciela de Conti Pagliari — A estruturação da organização no processo decisório por consenso demonstra uma dificuldade estrutural para responder às mudanças de governos regionais. Por outro lado, uma conjuntura regional na qual vários países tiveram mudanças de governos e estão enfrentando críticas severas internas por seus programas ou políticas em implementação ou mesmo enfrentando crises de governabilidade, reduz a possibilidade de um olhar regional e, mais ainda, pensar consensos e políticas de mais longo prazo. Sem uma forte vontade política os motivos conjunturais afetam sobremaneira o processo. Se sua estrutura fosse mais sólida, as consequências das alterações pontuais na conjuntura tenderiam a ter menos impactos do ponto de vista da própria manutenção da organização.
IHU On-Line — Qual o impacto do enfraquecimento da UNASUL na constituição da política integracionista sul-americana?
Graciela de Conti Pagliari — O impacto é muito significativo. Diria até de retrocesso em termos de consenso regional no que diz respeito à construção de uma identidade sul-americana, no que diz respeito à própria inserção internacional da região, no que se refere, inclusive e talvez, sobretudo, à inserção internacional do Brasil, na medida em que sua liderança regional se mostra enfraquecida. Novamente o país volta-se para dentro, para seus próprios problemas de governabilidade, enfraquecendo o seu papel regional, dando menos espaço na sua política para a América do Sul e, portanto, para a processo de integração em si.
IHU On-Line — Qual o impacto do desmonte da UNASUL no Conselho de Defesa Sul-Americano?
Graciela de Conti Pagliari — Até agora tem havido mais vontade ou pelo menos mais linearidade nas ações de consulta e cooperação em defesa no CDS do que vontade política de manter a UNASUL como o interlocutor sul-americano para a inserção internacional da região.
A concertação e consulta em defesa pode seguir avançando na região, mesmo que bilateralmente, pois a não condução política não impede a aproximação em defesa. Já há processos de construção de confiança, de exercícios militares conjuntos, que foram ali instaurados ou consolidados e aproximaram a região em termos de defesa. Agora, por outro lado, sem a dimensão política da UNASUL, a dimensão de defesa sofre os reflexos da perda dos laços de busca de uma identidade regional. O que refletirá, certamente, na decisão acerca dos necessários consensos regionais.
IHU On-Line — Qual o impacto do enfraquecimento da UNASUL na atual ordem internacional? A América do Sul ainda é um continente de relevância na disputa dos polos?
Graciela de Conti Pagliari — O enfraquecimento da UNASUL é o enfraquecimento do Brasil e da construção de uma regionalidade compartida e mirando mais espaço para sua inserção internacional. O apequenamento da política externa brasileira nos últimos anos e a perda de espaço do país como potência regional, demonstra a ausência de uma política ativa de inserção internacional. A formação da UNASUL, sem confrontar os Estados Unidos, mas, por outro lado, construindo um espaço mais autônomo de inserção, resultou de um período de proatividade brasileira, mas que não mais se percebe nos últimos anos. A América do Sul, carente de consensos, é um subcontinente que se perde na suas próprias idiossincrasias e dessemelhanças.
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UNASUL e o desmonte do projeto de integração regional. Entrevista especial com Graciela Pagliari - Instituto Humanitas Unisinos - IHU