12 Março 2018
Embora avalie que o governo Michel Temer decidiu intervir na segurança do Rio de Janeiro em busca de ganhos políticos, o historiador José Murilo de Carvalho diz que a motivação não significa o fracasso da operação.
Especialista na história das Forças Armadas, Carvalho afirma que a intervenção "disfarça a incapacidade de passar a reforma da Previdência, fortalece o MDB (partido de Michel Temer) e dá alguma popularidade a um presidente que não tem nenhuma".
Mas ele diz que a operação pode ser bem sucedida "se tiver os recursos necessários para ir à origem do problema: o tráfico de armas e drogas e a corrupção policial".
A reportagem é de João Fellet, publicada por BBC Brasil, 11-03-2018.
Professor titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) com pós-doutorado nas universidades de Londres e Stanford (EUA), Carvalho é autor de 21 livros, entre os quais Forças Armadas e Política no Brasil, obra referência nos estudos sobre a instituição.
Em entrevista à BBC Brasil, o professor - membro da Academia Brasileira de Letras - defendeu que militares empreguem no Rio fórmula semelhante à adotada pelas forças brasileiras no Haiti.
Carvalho avalia como positiva a experiência das tropas no país caribenho, onde o Brasil chefiou o braço militar de uma missão da ONU entre 2004 e 2017. No Haiti, diz o historiador, os militares brasileiros "combinaram de forma criativa hardpower e softpower" - em outras palavras, força bruta e diplomacia com a população.
"As tropas tentaram conquistar a simpatia dos haitianos com futebol, música, aulas etc. Oficiais iam até a cultos de vodu", afirma Carvalho.
Para ele, não houve uso exagerado da força no país caribenho, pois "a fiscalização da ONU era grande". Ele diz acreditar que a visibilidade da operação no Rio imporá limites à violência das tropas.
Afirma, porém, que será uma "operação de risco" para os militares. Se a intervenção fracassar, diz ele, "corre-se o risco de desmoralizar as Forças Armadas e corromper a tropa".
Carvalho afirma que as Forças Armadas - hoje requisitadas por governadores para tapar buracos deixados pelas polícias estaduais - contribuíram, num passado não muito distante, para que os Estados perdessem o controle sobre seus órgãos de segurança.
Segundo o historiador, quando estiveram sob o comando das Forças Armadas durante a ditadura militar (1964-1985), as polícias estaduais ganharam "uma musculatura que agora usam contra os enfraquecidos governadores".
"Ironicamente, são os governadores que agora recorrem ao governo central para pedir a ajuda que suas polícias não lhes dão", afirma.
Nos últimos anos, polícias militares de vários Estados cruzaram os braços em protesto contra salários baixos ou atrasados, ainda que a legislação proíba que a categoria entre em greve.
Para Carvalho, embora a Constituição de 1988 tenha devolvido aos Estados o comando das polícias militares, as corporações jamais se submeteram inteiramente ao controle civil. Em Cidadania no Brasil: O Longo Caminho, ele afirma que os Estados não têm conseguido sanar atos de indisciplina, denúncias de corrupção e de abusos de força entre os policiais.
Segundo Carvalho, as polícias estaduais ganharam importância após o fim do período imperial (1822-1889), quando passaram a ser empregadas pelos governadores dos Estados mais poderosos como "pequenos exércitos" na disputa pela Presidência.
Naquela época, houve ocasiões em que forças estaduais se enfrentaram umas às outras, caso da Revolução Farroupilha, em 1838, e do golpe que levou Getúlio Vargas à Presidência, em 1930.
Postas sob a jurisdição do governo federal no Estado Novo, em 1937, e transformadas em forças auxiliares e reservas do Exército a partir de 1946, as corporações completaram seu processo de militarização com o golpe de 1964.
Então comandadas por militares do Exército, formaram órgãos de inteligência e repressão que atuavam junto das Forças Armadas. Paralelamente, diz Carvalho, os Estados perderam poder e se tornaram financeiramente dependentes do governo central.
Mesmo após voltarem à tutela dos Estados, em 1988, as polícias militares mantiveram o perfil militarizado e continuaram como forças auxiliares e reservas do Exército.
Desde então, segundo o professor, voltaram a se comportar como "pequenos exércitos, que às vezes escapam ao controle dos governadores".
Ele afirma à BBC Brasil que a crise econômica que golpeia os Estados intensificou o descontrole - processo que culminou com o pedido do Rio de Janeiro por uma intervenção federal em seus órgãos de segurança.
Não é a primeira vez que o Exército brasileiro é convocado para aplacar conflitos localizados. Desde o fim do século 19, o governo federal decretou várias intervenções para combater movimentos populares que considerava ameaçadores, como em 1896 em Canudos, na Bahia, e em 1912 no Contestado, divisa do Paraná com Santa Catarina.
Carvalho afirma que o contexto atual é diferente. "Tratava-se de revoltas populares em regiões afastadas, extirpadas com uma extrema violência que ficou impune. Agora o combate é contra criminosos, e na ex-capital, com plena visibilidade. A violência terá limites, e os resultados (serão) mais incertos."
O professor diz que, até o surgimento de facções como o Comando Vermelho (CV) e o Primeiro Comando da Capital (PCC), o principal adversário das forças de segurança no Brasil "era ideológico, o comunismo, que em sua modalidade de guerrilha foi exterminado".
Ele afirma que "o narcotráfico de hoje é muito mais difícil de combater", pois disseminado por amplas áreas, financiado por uma atividade lucrativa e mais mesclado à população civil.
A Presidência da República diz ter autorizado o emprego das Forças Armadas em 29 operações de segurança pública entre 2010 e 2017 - entre outras ocasiões, na Copa do Mundo, na Olimpíada e na visita do papa Francisco.
Para Carvalho, o uso constitucional das Forças Armadas para manter a ordem não ameaça as demais instituições e não deve alimentar tendências intervencionistas entre os militares.
Segundo ele, hoje são minoritários os militares na ativa favoráveis à intervenção na política, e "pela primeira vez na República, há um crescimento do profissionalismo em detrimento do intervencionismo, sobretudo na Marinha e na Aeronáutica".
Carvalho afirma, porém, que a ascensão do deputado federal ex-capitão do Exército Jair Bolsonaro pode mudar o jogo de forças. Em segundo nas pesquisas sobre a eleição para a Presidência, o deputado defende que as Forças Armadas ocupem mais espaço na vida pública brasileira.
Segundo o historiador, "a pregação de Bolsonaro pode animar os [militares] intervencionistas e influenciar setores da população desencantados com a política e os políticos".
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Motivação política não impede sucesso de operação no Rio, diz historiador - Instituto Humanitas Unisinos - IHU