10 Fevereiro 2018
“Em um post de algumas semanas atrás – escreve o teólogo italiano Andrea Grillo, em seu blog Come Se Non, 17-01-2018 –, eu identificava uma série de limites na linguagem teológica da tradição católica, ligada a uma compreensão estática e abstrata da presença do Senhor Jesus Cristo, do seu corpo e do seu sangue, na Ceia Eucarística. Em seguida, pensei em abrir uma coluna intitulada “Nova teologia eucarística”, para hospedar uma série de contribuições, que possam delinear os caminhos novos aos quais se abriram a pesquisa teológica e a experiência eclesial das últimas décadas. Para renovar uma antiga tradição teológica, que precisa, hoje como sempre, de muita paciência e igualmente de muita coragem.
“O primeiro texto – continua Grillo – que eu gostaria de apresentar é o de Manuel Belli, professor de teologia sacramental no Seminário de Bérgamo e formador da comunidade do seminário. Naquele texto, eu já recordava seu importante doutorado sobre a recepção da fenomenologia francesa na teologia sacramental contemporânea.” A tradução é de Moisés Sbardelotto.
por Manuel Belli
Acho que se pode dizer com uma boa aproximação que o Concílio de Trento representou durante meio milênio o esqueleto de todo discurso cristão sobre a Eucaristia. De fato, Trento elaborou dois documentos de temática eucarística: um sobre a presença de Cristo e um sobre o sacrifício eucarístico (ao qual se deve acrescentar um sobre a comunhão eucarística). Tudo isso com boas razões históricas e factuais.
Do ponto de vista histórico, o Concílio responde às três contestações dos reformadores, repropondo com equilíbrio a doutrina tradicional sobre a Eucaristia. Os temas da presença real e do sacrifício, além disso, não são casuais: de fato, pode-se dizer que, nos 15 séculos anteriores, a transformação do pão e do vinho e a realização do sacrifício de Cristo catalisaram diversos interesses reflexivos.
A época manualística da teologia transformou os dois decretos tridentinos no índice dos tratados teológicos sobre a Eucaristia. Com resultados interessantes, mas com o risco de chegar a uma espécie de “extenuação” da reflexão. No início do século XX, as reivindicações do movimento litúrgico indicam à teologia a urgência de discutir outros temas que a reflexão havia pressuposto (e, às vezes, removido), inerentes ao fato de que a Eucaristia não é apenas o “fruto” de uma celebração, mas, essencialmente, é um rito.
A Sacrosanctum Concilium nos lembra que as categorias de interpretação teológica não são o único lugar para a compreensão da Eucaristia, que essencialmente pode ser considerada “nos seus ritos e nas suas orações”.
Então, não é uma questão de “dizer diferente” ou até “contra” em relação aos conteúdos clássicos do tratado da Eucaristia, mas de começar a dizer “outra coisa”. A doutrina da transubstanciação e do sacrifício eucarístico nos dão respostas válidas à questão sobre “o que é” a Eucaristia. Permanece sem resposta a questão sobre “o que acontece” na Eucaristia. Se temos palavras para compreender a identidade da Eucaristia, nem sempre temos estruturas de pensamento para adequar as dinâmicas eucarísticas.
Em uma imagem: a história do tratado eucarístico é comparável a uma máquina fotográfica (atenta a restituir as imagens estáticas), enquanto as exigências evidenciadas pelo Movimento Litúrgico pedem para usar também a filmadora.
Obviamente, as reflexões que se seguem não têm um caráter definitivo e sistemático: a partir da leitura de um precioso livro de Emmanuel Falque (Les Noces de l’Agneau), a tentativa é de refletir sobre três palavras, de alto peso filosófico e antropológico, que possam ajudar na captura de dinâmicas eucarísticas. Não são reflexões “contra” alguma doutrina clássica... No máximo, são “contra uma teologia do contra”, que, quando tenta se aventurar em terrenos inéditos, imediatamente lê polêmicas e heterodoxia.
Tentar sondar com cognição algumas possibilidades é uma maneira de honrar o patrimônio que herdamos e impulsionar-se para as perguntas dos homens e das mulheres do nosso tempo. Além disso, se a Eucaristia é o que nos é dado para nos acompanhar “enquanto esperamos a Sua vinda”, não é assim para as diversas teologias: a teologia, se deixasse de dar razão das perguntas dos homens e das mulheres do tempo presente, não teria sentido de existir.
Assim fez Tomás, que teve a coragem de se voltar a pensamentos filosóficos até mesmo ousados para os contemporâneos. Assim deveremos sempre fazer, para honrar a grande tradição que nos precede e para continuar tornando-a eloquente.
Quando celebramos a Eucaristia, é preciso levar a sério a palavra “este é o meu corpo”. A tradição católica usa a noção de “transubstanciação” para expressar que aquele pão e aquele vinho não são mais tais, mas se tornaram o corpo e o sangue do Senhor. Este certamente não é o lugar para nos lançarmos em improváveis dissertações sobre a noção de transubstanciação. Mas gostaríamos de nos ater a um nível de constatação: não é difícil afundar em considerações semimágicas: “O padre diz ‘este é o meu corpo’; eu não vejo e não toco nenhum corpo, mas apenas pão e vinho; vamos fingir que acreditamos!”.
Não devemos escondê-lo: muitas vezes, na tradição, corremos o risco de colocar tanta ênfase na ideia de que aquele pão e aquele vinho não são mais tais, mas corpo e sangue de Jesus, e no fato de que os sentidos não devem enganar mesmo que vejam apenas pão e vinho, que corremos o risco de pensar de um modo um pouco mágico na realidade da presença do corpo de Cristo.
A doutrina clássica distinguia entre “substâncias” e “acidentes”, exaltando a primeira e colocando um pouco na surdina os segundos. Mas temos tanta certeza de que a reabilitação dos “acidentes” eucarísticos deve necessariamente desonrar a doutrina eucarística?
Tentemos fazer uma reflexão: o que significa ver um corpo? Levantemos a hipótese de nos transferirmos para um departamento de obstetrícia. Uma enfermeira que olha para aqueles corpinhos poderia ter um justificado olhar preocupado: é lícito pensar que ela vê 20 fraldas para trocar, lençóis para lavar e remédios para dar! Do outro lado do vidro, estão as mães que veem os mesmos corpinhos, mas com um visual totalmente diferente: veem filhos! Nós nunca vemos um corpo como um conjunto de células: sempre temos um olhar simbólico sobre os corpos.
Uma história um pouco triste poderia nos ajudar a compreender melhor. Um pai tinha sido deportado para um campo de concentração com a filha, que, porém, não sobreviveu à terrível viagem. O pai, antes de se separar do corpo da filha, arrancou um botão do seu casaco e o trouxe consigo. Quando teve que se despir, por sua vez, e os guardas lhe intimaram a abrir a mão que segurava o botão, ele se recusou e pagou com a vida por essa recusa. O guarda tirou o botão da sua mão e o jogou fora com desprezo. Ora, o que era aquele botão para aquele pai, senão o corpo da filha?
Talvez, sem evocar um caso tão dramático, todos temos nas nossas gavetas ou nos nossos diários aquela passagem de ônibus, aquele objeto, aquela carta que nos lembra aquela pessoa a que somos afeiçoados. Não é um pouco seu corpo, aquilo que nos liga a ela, na espera de um encontro?
Nessa perspectiva, a celebração da missa não é apenas uma espécie de magia inexplicável na qual se faz presente o corpo da divindade. Tudo depende de como olhamos para aquele pão: com o olho do amor, pode acontecer pelo menos aquilo que aconteceu com aquele pai e o botão da filha. É tudo o que temos do corpo de Jesus, e não é pouco. Apenas um intelectualismo vazio poderia pensar que um símbolo é apenas uma realidade de segunda categoria. Nós vivemos de símbolos. E o corpo de Jesus não é outra coisa em relação a um bom pão partido.
É difícil imaginar o que veremos quando pudermos realmente contemplar o corpo do Senhor, mas talvez não veremos algo muito diferente de um pão partido e de um bom cálice de vinho. Talvez não veremos quantas rugas Jesus tinha ou o número de sapatos que ele calçava, mas o que isso importa? Seria como ver o corpinho de um recém-nascido e parar no olhar da enfermeira que quantifica remédios e fraldas. Certamente, veremos um corpo completamente transformado e transfigurado no amor, que no pão partido está perfeitamente compendiado.
Uma última reflexão: dizíamos antes que, para Paulo, em virtude da ação do Espírito Santo, nós nos tornamos o corpo de Cristo. Santo Agostinho, com sua grande profundidade, dizia que, durante a Eucaristia, nós “recebemos aquilo que somos”. Quem nos vê, a que se aproximaria? Qual símbolo nos expressaria? Somos semelhantes a um bom bocado de pão e a um bom gole de vinho? Porque o amor assimila, e ser assimilado a Jesus significa que o nosso corpo também é chamado a se transfigurar.
Há olhos, mãos, rugas e posturas de pessoas que encontramos que são completamente transformadas por uma vida de dedicação e de amor, e olhares, ao contrário, apagados por histórias de dor e de tristeza. O nosso corpo traz escrita a nossa história. Um olhar como o da Madre Teresa de Calcutá, de João Paulo II ou do Irmão Roger de Taizé não se desfiguram ao lado da Eucaristia. E o nosso olhar?
A missa é uma refeição ritualizada. Verdade: podemos fazer muito melhor na celebração para que essa dimensão se torne particularmente evidente. Somos confortados pela tradição: São Paulo fala do “reunir-se” da comunidade como linguagem “técnica” para aludir à celebração eucarística. “Encontrar-se para partir o pão” era o modo como os antigos expressavam aquilo que nós dizemos com “missa”.
Na missa, acima de tudo, se come. E o ser humano não é apenas um ser que se nutre. O comer humano é muito mais rico: não existe vínculo com a nutrição que não envolva a questão do sentido. Escolher se sentar à mesa ou desertar o tempo da refeição, comer sozinho em um fast-food ou se sentar com pessoas amadas em um restaurante refinado, escolher não comer e não conseguir mais escolher comer, cozinhar e desfrutar da cozinha de outros, sentir o aborrecimento da fome e o desejo de saciá-la ou sentir um perigoso prazer no desfrutar ao extremo da fome: são todos atos que não envolvem apenas o sistema digestivo, mas também põem em jogo pensamentos implícitas, não ditos, não dizíveis, sensações.
Quando comemos ou quando não comemos, estamos de uma forma ou de outra dizendo a nós mesmos, a nossa vida, o significado que vemos na comida ou que custamos a ver. Na missa, não se come tanto, mas aquilo que se come deveria ter um poder nutritivo. A que damos o poder de saciar a nossa existência? Sentar-se à mesa da Eucaristia requer responder com honestidade à pergunta sobre o que estamos realmente buscando na nossa existência.
Na Idade Média, foram codificados os preceitos fundamentais da Igreja, incluindo o ato de ir missa pelo menos no domingo. A ideia dos preceitos era a de assinalar um mínimo abaixo do qual a fé estava seriamente em perigo. O risco é de que, na história, eles se tornaram “aquilo que precisa ser feito” para dizer que se tem fé, até mesmo algo a oferecer a Deus.
A inversão estaria consumada: do convite a se sentar à mesa onde Deus se oferece, a Eucaristia se tornaria aquilo que devemos a Deus. A linguagem dos preceitos está passando por uma crise, no sentido de que sua transgressão não é mais percebida como um ato “grave”. Mas a substância ainda corre o risco de infestar a nossa vida de fé, de modo que ir à missa é um “dever” em relação a Deus.
Não é possível sair dessa questão senão levando os nossos desejos a sério: o que o corpo de Cristo tem a ver com o meu desejo? O que eu quero que aconteça quando me sento à mesa da Eucaristia? Se desejamos o encontro com Deus, então essa mesa terá um poder saciador. Se desejamos menos do que ele e nos contentamos com uma boa pregação divertida, ou com um canto emotivamente envolvente, ou com um gesto particularmente extravagante, mais cedo ou mais tarde participaremos da Eucaristia famintos e será uma prática que não nos dirá muito. É preciso ser um pouco místico para viver a Eucaristia em plenitude.
Mas não podemos esquecer que, na missa, nos sentamos à mesa com outros. A dimensão comunitária também tem a sua importância. A primeira coisa que acontece quando participamos da Eucaristia é que nos encontramos: a celebração começa justamente com o ato de se reunir. E não é algo tão simples!
Uma das maiores dificuldades dos celebrantes é a de presidir uma missa quando os fiéis se sentam um por banco, ocupando tendencialmente os bancos no fundo da igreja, expondo na deslocação uma grande dificuldade para se encontrar perto uns dos outros. Uma das provas mais evidentes das dificuldades que temos com as proximidades físicas ocorre na escolha dos assentos como passageiros nos trens: primeiro, sentamo-nos onde há quatro lugares livres, depois, no limite, sentamo-nos na frente de quem já ocupava um assento, e apenas no terceiro nível se enfrenta o desconforto de se sentar perto de alguém (diga a verdade: não é assim?). A proximidade física não é fácil. No entanto, estar cercado de irmãos e irmãs não é mais bonito do que se aventurar entre inimigos?
A Eucaristia como mesa também nos pede que verifiquemos a nossa qualidade relacional como Igreja.
“Tome, este é o meu corpo” é uma frase que, sem qualquer dificuldade, poderia ser contextualizada naquilo que um homem diz à sua mulher, ou vice-versa. T. Radcliffe escreve: “Eu gostaria de falar da última ceia e da sexualidade. Pode parecer um pouco estranho, mas pensem nisso por um momento. As palavras centrais da Última Ceia foram: ‘Este é o meu corpo, oferecido por vocês’. A Eucaristia, como o sexo, está centrada no dom do corpo. Vocês já notaram que a primeira carta de São Paulo aos Coríntios se move entre dois temas, a sexualidade e a Eucaristia? E é assim porque Paulo sabe que precisamos entender uma à luz da outra. Compreendemos a Eucaristia à luz da sexualidade, e a sexualidade à luz da Eucaristia”.
Existe, portanto, um componente erótico da Eucaristia, que não deve ser negligenciado. Entre dois amantes, existe um código do corpo que excede a ordem das palavras. Doar o corpo significa confiar na outra pessoa, que poderá contar com uma fidelidade que as palavras nem sempre são capazes de expressar. Há tempos e momentos em que até as palavras poderiam ser fonte de incompreensão: o dom recíproco do corpo expressa que o outro para mim está além da compreensão que eu agora poderia ter do ponto de vista verbal ou intelectual.
Essa regra também vale para a fé. O Senhor Jesus não é uma teoria a ser compreendida, e às vezes a aventura com ele não é imediatamente compreensível. Há tempos em que se experimenta a natureza abissal da existência. O próprio Cristo viveu o abismo da solidão e da angústia. A entrega do corpo é a experiência de uma confiabilidade que excede a compreensão do momento. Acontece uma vez, ou talvez mais, na vida que experimentamos na Eucaristia uma promessa de confiabilidade e de proximidade que excede todas as palavras. Deus é eternamente confiável não por ser imediatamente compreensível, mas por ser infinitamente amante.
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Nova teologia eucarística: corpo, refeição e eros. Artigo de Manuel Belli - Instituto Humanitas Unisinos - IHU