03 Fevereiro 2018
O redemoinho “nem de esquerda e nem de direita” do presidente Emmanuel Macron absorveu quase tudo o que se encontrava em seu entorno ideológico. Esse centro de gravidade engoliu a direita moderada e arrastou a ala mais social-democrata do Partido Socialista. O socialismo francês está em uma fase agônica. Ninguém se anima a conjecturar se ressurgirá das divisões e as derrotas eleitorais ou deixará de existir como força de governo para se tornar apenas um eixo testemunhal. Sua crise é política, eleitoral e financeira.
A reportagem é de Eduardo Febbro, publicada por Página|12, 02-02-2018. A tradução é do Cepat.
O Partido Socialista ficou como essas famílias ricas que vão empobrecendo e precisam vender suas joias. Uma delas é a sua sede adquirida há 38 anos pelo falecido presidente socialista François Mitterrand, na Rue de Solférino, localizada no distrito VII, um dos bairros mais excelentes de Paris. Eram tempos de triunfos e mar aberto para a vitória que, em maio de 1981, conduziu Mitterrand à presidência (1981-1995). O edifício simboliza toda a grandeza passada e a decadência atual. A venda deste aristocrático palácio de 3000 metros quadrados servirá para assumir o custo econômico das sucessivas derrotas eleitorais nas eleições presidenciais de abril e maio de 2017 e nas legislativas de junho. A isso se soma um ajuste interno que deixará sem trabalho, aproximadamente, metade dos empregados do Partido Socialista.
Entre 1905, data do congresso onde se constituiu o partido, e 2017, passou mais de um século ao longo do qual o socialismo atravessou muitas vicissitudes. No entanto, o último mandato do socialista François Hollande e, sobretudo, a nomeação como primeiro-ministro do então também socialista Manuel Valls cumpriram com os prognósticos da imprensa, durante a presidência de Hollande (2012-2017): Hollande e Valls apareciam como os sepultadores do Partido Socialista.
A disputa interna entre os partidários da já famosa terceira via, teorizada em 1998 pelo ex-presidente norte-americano Bill Clinton e o ex-primeiro-ministro britânico Tony Blair, e o socialismo mais genuíno derivou em um naufrágio perfeitamente ilustrado nas eleições presidenciais de 2017. A esquerda reformista, autoproclamada moderna, contra a outra “esquerda inviável”, presa “ao passado”, segundo os epítetos de Manuel Valls. Não venceu nem uma e nem outra, mas, ao contrário, todas perderam. O eleitorado de sensibilidade tipo The Third Way se foi com Macron e o outro se dispersou entre um punhado de fiéis ao Partido Socialista e o restante, espantado diante do ridículo público dos líderes de seu partido, se uniu à França Insubmissa de Jean-Luc Mélenchon.
Em 2017, os dois representantes destas correntes saíram do Partido Socialista. Manuel Valls se uniu aos parlamentares do partido presidencial A República em Marcha e o candidato do Partido Socialista às eleições presidenciais, Benoît Hamon, seguiu os seus passos, mas à esquerda: deixou o Partido Socialista e fundou o Movimento Primeiro de Julho. Desde então, sem dinheiro, com poucos parlamentares e um crédito político hipotecado, o Partido Socialista da França sobrevive em busca de uma fórmula para voltar a ser. Já não muito ou pouco, simplesmente existir na corda bamba onde ainda existe um núcleo de devotos.
O ocaso foi estrondoso. Diante da surpresa geral, Benoît Hamon venceu as primárias socialistas, onde derrotou Valls. Este, durante a campanha, não fez mais que bombardear sua candidatura. Em seguida, nas eleições presidenciais, Hamon não conseguiu nem sequer passar para o segundo turno (6,21%). Mais tarde, nas eleições legislativas de junho, o Partido Socialista ficou com um grupo de deputados confidencial, apenas 30, quando em 2012 havia obtido 284. Daí ao desastre financeiro que o forçou a vender sua sede. Segundo revelou seu tesoureiro, Jean-François Debat, dos 27 milhões de euros que o partido recebia por ano do Estado, agora, só recebe sete. Perderá 20 milhões anuais, o que, durante os cinco anos que dura a legislatura, equivale a 100 milhões de euros a menos nos cofres.
A venda do edifício, entre 50 e 70 milhões de euros, só será suficiente para sobreviver até a próxima parada eleitoral. Para sair do poço, a palavra em moda é “refundação”. O projeto é, se não ambicioso, ao menos instável. O tão mencionado “extremo centro de Macron, herdeiro direto do “centro radical” da Terceira Via tal e como surgiu das conferências que foram realizadas em Washington e Florença (1999), com o lema The Third Way Progressive Governance for the 21st Century, e depois em Berlim (junho de 2000, com o nome de “cúpula dos modernizadores”, que contava com a presença do ex-presidente Fernando de la Rúa), não oferece muito espaço ao Partido Socialista nesses territórios de moderação.
Por sua vez, a persistência de uma esquerda radical liderada por Jean-Luc Mélenchon diminui ainda mais os espaços. A ferida socialista é central. A vergonhosa e desleal guerra pública entre genuínos e reformistas, ou caso se queira, entre socialismo puro e liberalismo social, deixou marcas inesquecíveis nesse momento. Final de uma história política e social sem precedentes? Ou apenas um acidente grave, mas não mortal? As apostas circulam em toda a França. Existem aquelas que levam a um final categórico, sem ressurreição possível. E outras que optam por uma visão menos dramática. Essa é a observação de Henri Weber, um membro do Partido Socialista, diretor de estudos europeus e ex-parlamentar. Weber argumenta que, no passado, o partido forjado por Jean Jaurès já foi dado como morto e enterrado três vezes (1920, 1940, 1969). Agora, entrou na quarta dimensão. O especialista francês admite que um setor do Partido Socialista irá com Macron, outro se unirá a Mélenchon, ao passo que um terceiro grupo, “levado por uma nova geração, se esforçará em construir uma social-democracia do Século XXI”.
De qualquer modo, a sociedade se inclina a uma longa travessia no deserto. Uma pesquisa realizada por Opinion Way indica que 74% das pessoas pensam que o Partido Socialista vive “uma crise duradoura”.
O Partido está hoje em plena fase de eleição de um novo Primeiro Secretário com quatro opções distintas: Luc Carvounas, Olivier Faure, Stéphane Le Foll e Emmanuel Maurel. Faure, atual presidente do grupo socialista na Assembleia Nacional e considerado de “centro-esquerda”, é no momento o favorito do voto que se dará em março. Stéphane Le Foll é próximo a François Hollande e de sua linha, Luc Carvounas é uma espécie de discreto herdeiro do liberalismo social de Manuel Valls e Emmanuel Maurel é da ala esquerda. Em abril deste ano, será realizado o Congresso da “refundação” com o duplo objetivo de empreender uma ressurreição e sair de uma crise de caráter histórico. Seu pior inimigo já não é interno, mas externo. O macronismo e o melanchonismo seguem com todo o vento a favor. O socialismo francês caminha ainda às apalpadelas, atordoado pela derrota e uma sucessão inimaginável de traições. Daí a voltar a despertar ilusões talvez passe muito tempo.
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O socialismo francês entrou em crise terminal - Instituto Humanitas Unisinos - IHU