15 Janeiro 2018
Jorge Bergoglio estará novamente em um país limítrofe e não pisará em solo argentino. Suas palavras e ações serão lidas pelos olhos da política. Mauricio Macri não foi convidado por Michelle Bachelet a estar presente durante a visita.
O comentário é de Washington Uranga, jornalista, publicada por Página/12, 14-01-2018. A tradução é de Henrique Denis Lucas.
O Papa Francisco visitará o Chile e o Peru a partir de amanhã, mas os ecos da viagem já começaram a ser escutados e certamente irão repercutir na Argentina. Em primeiro lugar, porque Jorge Bergoglio estará mais uma vez em um país vizinho e não pisará em terras argentinas, país ao qual não regressou desde que dirigiu-se à Roma, em fevereiro de 2013, para participar do conclave que finalmente o elegeu Papa. Mas também porque as palavras e ações de Francisco, do outro lado dos Andes, serão lidas pelos olhos da política argentina. Sabe-se que o Papa fala para a comunidade universal, mas isso é válido para quase todo o mundo... Exceto para os argentinos, que estão sempre convencidos de não serem apenas os únicos, mas os principais destinatários de suas mensagens.
A isso somam-se as polêmicas geradas em torno do Papa, nas últimas semanas, com diversas acusações jornalísticas sobre o suposto posicionamento político de Bergoglio, que mereceu um contundente comunicado da Comissão Executiva da Conferência Episcopal, tentando pôr fim a esta situação.
Mas, ao mesmo tempo, os círculos do oficialismo argentino não escondem seu incômodo, porque o presidente Mauricio Macri não foi convidado por Michelle Bachelet para viajar ao Chile, por ocasião da visita do pontífice. Extraoficialmente, a chancelaria chilena manifestou sua explicação: nenhum mandatário estrangeiro foi convidado. E o argumento é válido, considerando que, nesse caso, o presidente boliviano Evo Morales deveria ter sido incluído na lista. Teria sido uma visita inadequada dado a situação da disputa entre Chile e Bolívia acerca da reclamação deste último por uma saída ao mar. Compreensível, mas não o suficiente para o macrismo que, além das óbvias diferenças com Francisco, sempre ansiou por uma foto de seu mandatário, Mauricio Macri, com o Papa, talvez o argentino mais influente no cenário mundial.
Mas, independentemente dos esclarecimentos feitos pelos chilenos, na Casa Rosada ninguém deixa de pensar que foi o próprio Bergoglio que pediu que o encontro com Macri fosse evitado, pelo menos desta vez. O Papa, que se manifesta com gestos, não deixa de expressar seu desconforto com assuntos que não são do seu apreço, sobre o que acontece no atual momento da Argentina.
A respeito do capítulo chileno, pode-se dizer estritamente que não é uma escalada fácil para Francisco. Não porque o Papa não tenha a mesma popularidade que recebe em cada uma de suas incursões no mundo. Mas porque é a Igreja chilena que não tem colhido aplausos na sociedade, principalmente devido ao fraco desempenho de sua hierarquia. Foram-se os tempos em que o Cardeal Raúl Silva Henriquez (1907-1999) tornou-se uma figura de primeiro nível nacionalmente e símbolo da luta pelos direitos humanos contra a ditadura de Augusto Pinochet. Nenhum dos cardeais atuais (Ricardo Ezzati, Arcebispo de Santiago; Francisco Errázuriz, ex-arcebispo da capital; e Jorge Medina, um ex-capelão militar) reúne prestígio, pelo contrário, são alvo de constantes críticas nos meios de comunicação.
Salvo exceções, hoje a Igreja chilena tem uma hierarquia com pouca relevância na sociedade e esse fato também influencia nos objetivos da visita do Papa. Não obstante, alguns setores dos laicado chileno responsabilizam o Vaticano pela política de nomeação dos bispos. Inclusive, foi dessa forma que próprio Francisco soube da situação, através de uma carta enviada com a assinatura de muitos católicos. Mas, além disso, o episcopado chileno se desgastou muito frente a opinião pública pela existência de casos de pedofilia encobertos ou descobertos pelos próprios bispos.
Há aqueles que entendem que a visita papal pode dar nova vida a uma Igreja chilena que tem se demonstrado alheia e distante - ainda que não seja oposta - aos ensinamentos e à perspectiva que Jorge Bergoglio vem dando ao catolicismo universal através de seus documentos. Tais contribuições tiveram pouco eco entre os católicos chilenos, por mais que tampouco foram conhecidas manifestações contra o alinhamento pastoral de Francisco.
Mas, para além da imagem do episcopado, parte da sociedade chilena também reclama ao governo o alto custo que a visita do Papa gerará, segundo afirmam. Adicione a isso a enorme segurança montada para a visita papal, reforçada nos últimos dias depois de alguns ataques a templos católicos, que têm todas as características de atos de propaganda, mas que no entanto chamaram a atenção dos serviços de segurança.
Na agenda do debate político social, a hierarquia católica chilena também sofreu desgastes em relação a assuntos como a reforma da educação, a descriminalização do aborto, os direitos civis e, especialmente, a questão indígena, vinculada principalmente com a comunidade Mapuche.
Francisco passará quatro dias no Chile, celebrará três missas de massa (em Santiago, Temuco e Iquique) e terá várias reuniões com a presidente Bachelet. Dom Fernando Ramos, coordenador nacional da visita, expressou o desejo de que "sejam missas em que possam participar a maior quantidade de pessoas", e para isso "os locais escolhidos contaram com esse critério, para que sejam amplos, acessíveis e que atendam às diferentes necessidades logísticas e de acesso, para que possam receber o maior número de peregrinos possível". Sabe-se que, além de chilenos, muitos católicos virão de países vizinhos, especialmente da Argentina.
Antes de iniciar a viagem, o porta-voz do Vaticano, Greg Burke, informou na quinta-feira, dia 18 de janeiro, em Iquique, que Francisco irá se reunir com duas pessoas que foram vítimas da ditadura de Augusto Pinochet. Não confirmou, no entanto, que o Papa também se reúna com vítimas de abuso, mas admitiu que "isso não significa que seja impossível", dado que se trata de "um assunto claramente importante" no Chile, onde a questão do abuso sexual por parte do clero prejudicou a imagem e a credibilidade da Igreja Católica.
Em Temuco, na quarta-feira, dia 17, haverá uma agenda especial. Lá, Francisco realizará uma missa para uma multidão, nas proximidades do Aeroporto Maquehue. O título da missa é "Pelo progresso dos povos" e nesta oportunidade espera-se uma mensagem de Francisco que aborde temas de ordem social e não se descarta que haja alguma alusão à disputa entre o estado chileno e as comunidades indígenas, que tem um nível político transcendente. Mas além disso, a presumível referência às questões sociais parece motivar a mobilização de uma grande peregrinação nutrida por fiéis argentinos organizados em movimentos sociais, que afirmam publicamente a sua adesão aos princípios de Francisco.
Para adicionar mais um ingrediente, uma vez finalizada a missa, o Papa terá um almoço privado com representantes de comunidades aborígenes, especialmente os Mapuche. O próprio diretor-executivo da Comissão Nacional da visita, Javier Peralta, admitiu esta semana que Francisco "buscará aproximar os índios Mapuches e o estado chileno, sobre o conflito por reivindicação de terras". Sabe-se que o Papa pediu "para se reunir com pessoas comuns e representantes da comunidade de Araucanía", como confirmado pela agência de notícias Fides. De acordo com o que foi assinalado por este órgão vaticano, Francisco "quer conhecer a realidade local diretamente de fontes", no âmbito de uma disputa de terras ainda não resolvida, entre o estado chileno e os Mapuche, que se estende desde o século XVI. Em relação à Igreja, há posições conflitantes. Enquanto alguns representantes dos povos indígenas a veem como possível mediadora, outros a acusam de ser aliada do estado na disputa.
A passagem de Bergoglio pelo Chile também tem um lado político difícil relacionado com a controvérsia chileno-boliviana sobre o acesso ao Pacífico pelo planalto do país.
O governo de Evo Morales expôs o processo no Tribunal de Haia e o Chile concordou. No entanto, e especialmente em função da proximidade amistosa amplamente demonstrada entre o presidente boliviano e o Papa Francisco, no Chile instalou-se a ideia de que Bergoglio é pró-boliviano nesta querela.
O próprio Evo Morales encarregou-se de varrer sua sujeira para debaixo do tapete e de projetar a imagem de que Francisco está mais inclinado à posição boliviana.
Por essa razão, surgiram no Chile críticas públicas ao Papa, agigantadas em razão da nacionalidade argentina do Papa que, segundo algumas pessoas, também o colocam no caminho oposto dos interesses chilenos.
À margem das especulações, sabe-se que a diplomacia vaticana de Francisco atua em todas as situações de conflitos internacionais em que acredita que possa contribuir para a aproximação das partes. Às vezes com êxito - como no caso de Cuba e EUA - e em outros casos não, como vem acontecendo com os esforços para a aproximação entre Israel e Palestina.
Também na reclamação boliviana por um acesso ao Pacífico através do Chile, o Vaticano vem trabalhando em silêncio, como faz em todos os casos. Nada será divulgado a respeito disso, mas não é de se duvidar que o tema esteja na agenda de suas conversas reservadas, dando continuidade a outros diálogos sobre o mesmo assunto que foram celebrados nos últimos tempos.
Do Chile o Papa seguirá ao Peru, país que também o receberá em meio a uma realidade política alterada pela crise de governabilidade do Presidente Pedro Pablo Kuczynski, agravada pela decisão de indultar o ex-presidente Alberto Fujimori.
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