01 Dezembro 2017
Um pequeno livro (L’amicizia e la Shoah. Corrispondenza con Leni Yahil, EDB, 2017) traz 15 cartas trocadas entre duas mulheres judias, a filósofa Hannah Arendt e a historiadora estudiosa da Shoá, Leni Yahil.
A reportagem é de Roberto Mela, publicada no sítio Settimana News, 24-11-2017. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Arendt acompanhou o processo contra Eichmann em Jerusalém, com início em maio de 1961, depois de ter sido sequestrado pelo Mossad e levado para Israel. A sentença que condenaria Eichmann à pena de morte seria emitida em dezembro de 1961. A corte israelense se viu julgando um caso jurídico de um crime nunca cometido antes, no marco de uma mentalidade criminosa que era abraçada e legalizada pelo próprio Estado. Qual era a responsabilidade pessoal em um Estado “criminoso”?
Para Arendt, o burocrata Eichmann, que se limitou a não pensar e a obedecer, tem uma responsabilidade pessoal mesmo dentro de uma ditadura. Não é uma “roda da engrenagem”.
Arendt fez uma reportagem do processo que foi publicada em fevereiro-março de 1963 em cinco artigos na New Yorker. Quatorze cartas relatadas no volume são de 5 de maio de 1961 a 30 de abril de 1963. A 15ª e última, de Yahil a Arendt, é de 27 de outubro de 1971. Depois de dois anos de conhecimento e de amizade, a relação se interrompeu bruscamente em 1963 e nunca mais foi retomada.
Como recorda Ilaria Possente na sua louvável introdução (pp. 5-36), Arendt, que em 1963 escreveu em inglês “A banalidade do mal”, não havia aderido ao sionismo, era favorável a um entendimento árabe-judeu e tinha suspeitas sobre as degenerações das democracias massificadas, enquanto, ao contrário, era favorável a experiências e projetos de tipo democrático e federativo.
Ela não estava convencida da linha progressiva da história dos povos, que, em vez disso, conheceu interrupções e reviravoltas violentas, nem da necessidade de um Estado para expressar e proteger a identidade judaica de um povo.
Yahil, ao contrário, estava convencida da continuidade do povo israelense, no marco institucional de um Estado, bem enraizado nos valores do povo judeu do passado, que fluía em continuidade progressiva nas experiências atuais.
Para Arendt, por sua vez, “o horror totalitário marca uma descontinuidade e uma cesura em relação ao passado: o que aconteceu torna impossível que se conceba a história como um ‘processo’ e revela a urgência, para a política judaica, de repensar o sionismo em uma perspectiva inédita, que abandone o paradigma do Estado nacional” (cf. pp. 12-13).
O espaço político é “como o lugar do nascimento, do imprevisto, dos novos inícios (…). Trata-se (…) de ter em mente a arte benjaminiana do ‘pescador de pérolas’: quando o mundo vacila, e todas as referências parecem perdidas, podemos colher cacos de uma tradição aos pedaços e reinventar o seu uso em contextos inéditos” (cf. pp. 13-14).
Arendt teme que o povo judeu comece a acreditar apenas em si mesmo, e isso seria a verdadeira idolatria. Ela insiste na separação entre religião e Estado, e na necessidade de nutrir o pensamento crítico, sem se enrijecer na lógica do “nós” e do “eles”, da inclusão e da exclusão. Arendt teme fortemente a fé na nação. Como se vê, trata-se de considerações muito atuais.
O livreto expressa bem as dissonâncias (assim afirma Possenti no subtítulo da sua introdução) entre duas grandes estudiosas, judias, a primeira das quais fugiu em 1933 da Alemanha para os Estados Unidos, a segundo, refugiou-se na Palestina em 1934. Uma troca de cartas interessante, que já contém os germes das ideias expressadas por Arendt em “A banalidade do mal”.
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Arendt e Yahil: cartas entre duas mulheres judias - Instituto Humanitas Unisinos - IHU