26 Novembro 2017
O irmão marista Eugenio Sanz vive há anos em Bangladesh, onde se dedica ao cuidado de crianças, jovens e adultos que, em regime de semi-escravidão, se dedicam à coleta de chá. Ele acredita que a próxima visita do Papa colocará o país no mapa, construirá pontes com o Islã e poderia inclusive alcançar uma maior abertura do governo em relação aos católicos. Para estes últimos, a presença de Francisco é uma “honra e um reconhecimento da vivência de sua fé em meio a um oceano muçulmano”.
A entrevista é de José Manuel Vidal, publicada por Religión Digital, 25-11-2017. A tradução é de André Langer.
O que significa a visita do Papa a um país como Bangladesh?
Eu acredito que a visita do Papa colocará Bangladesh no mapa, em muitos casos “literalmente”, já que muitas pessoas nem sabem onde está. Tenho certeza de que ao ler as notícias desses dias, virão à tona não apenas a crise dos rohingyas, mas também coisas como que Bangladesh é o país mais densamente povoado do mundo, o grande número de fábricas têxteis e as más condições de seus trabalhadores, a frequência com que é atingida por catástrofes naturais (inundações, terremotos, ciclones a cada ano), o caos na capital Daca que a torna a pior cidade para se viver no mundo, as tensões políticas que convulsionam o país cada vez que há eleições, o crescimento industrial e econômico apesar do governo, a corrupção desenfreada e aberta em todos os setores da administração, etc., etc. Por outro lado, não acredito que as situações desumanas que ocorrem em grupos específicos, tais como trabalhadores do chá, os operários do desmanche de navios, os pescadores de mariscos, as crianças trabalhadoras... todas elas poderiam ser descritas como semi-escravidão, ou escravidão moderna.
E para a minoria católica?
Para os católicos é uma honra. Um reconhecimento de que eles existem e permanecem fiéis à sua fé em meio a um oceano muçulmano que domina tudo.
O que os bengaleses sabem sobre o Papa Francisco?
Os bengaleses não sabem quase nada sobre o papa. Os mais intelectuais, aqueles que veem canais internacionais de televisão, ouviram falar do Papa como um líder a favor dos pobres. Sua encíclica Laudato Si’ foi lida e comentada em alguma universidade. Na verdade, muitas pessoas acreditam que o chefe dos cristãos no mundo é o presidente dos Estados Unidos. Em Bangladesh, o governo e as pessoas não fazem nenhuma distinção entre católicos e protestantes; da mesma forma como no Ocidente não sabemos nada da diferença entre sunitas e xiitas.
Você espera que o Papa construa pontes, mesmo com gestos concretos, com a maioria muçulmana do país?
Penso que sim, que ele tentará. Haverá um ato inter-religioso em Daca. Talvez haja alguma concessão do governo em matéria de vistos a missionários e para facilitar o envio de fundos para projetos liderados por organizações cristãs, que agora encontram dificuldades para recebê-los.
Você acha que o Papa vai denunciar a situação do rohingya e agradecerá a Bangladesh pela recepção desses pobres refugiados?
Sim, acho que ele vai fazer isso. Na verdade, um país que este ano bateu todos os recordes de chuva e inundações, com um terço da terra debaixo d'água e com uma densidade populacional de mil habitantes por km2, a última coisa que necessitava eram 600 mil refugiados. No entanto, eles foram acolhidos, embora em condições difíceis. Eu acredito que o Papa reconhecerá esse esforço e defenderá um retorno digno dos rohingyas à sua terra original em Mianmar.
O que os maristas fazem em Bangladesh?
Os Irmãos Maristas em Bangladesh optaram por contribuir para a dignificação das pessoas das plantações de chá no nordeste do país através da educação. Estamos construindo um centro educacional voltado principalmente para as crianças e os jovens desta minoria convencidos de que a educação de qualidade é a única saída para o buraco negro em que nasceram. Nas plantações de chá, os salários são equivalentes a 1 dólar por dia por longas horas de trabalho sem proteção e sem direitos. Pessoas que vivem amontoadas em casas de péssima qualidade que nem lhes pertencem. Sem acesso a água potável, sem instalações sanitárias, sem atenção médica digna desse nome. Com 25% de alfabetização entre as pessoas maiores de 25 anos.
Nós, os maristas, entramos nesta confusão, confiando na misericórdia e na providência de Deus. Nosso centro educacional é multi-religioso (muçulmanos, cristãos e hindus), multiétnico (22 grupos étnicos estão representados) e inter-congregacional (Irmãos Maristas, Irmãs Missionárias Maristas, Sacerdotes da Santa Cruz, Irmãs de uma congregação local). Tentamos ser um símbolo de diálogo e unidade nesta sociedade. Nós evangelizamos como nosso trabalho, com a nossa amável presença que mostra o rosto de um Deus misericordioso. E somos evangelizados todos os dias pelos pobres que atendemos.
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Papa em Bangladesh. Missionário marista acredita que Francisco “vai colocar Bangladesh no mapa” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU