21 Novembro 2017
Imagine que todas as suas atividades e comportamentos são monitorados e pontuados em uma grande base de dados nacional: desde sua informação fiscal, até o tempo que você passa jogando videogame.
O cenário acima poderia ter saído do romance clássico de George Orwell, 1984, em que os cidadãos estão sempre sob vigilância de uma entidade chamada de "o grande irmão". Lembra também um episódio da série de TV Black Mirror, no qual cada atividade dos personagens rende "pontos" em um futuro distópico.
Mas não é ficção. Esta é uma política de Estado em planejamento na China.
A reportagem é publicada por BBC Brasil, 20-11-2017.
O governo chinês está construindo um onipresente "sistema de crédito social", através do qual o comportamento de cada um dos seus 1,3 bilhão de cidadãos será pontuado em uma espécie de ranking de confiança.
Por enquanto, trata-se de um projeto piloto do qual participam oito companhias chinesas. Com a autorização do estado, elas emitem suas próprias pontuações de "crédito social".
Mas até o ano de 2020, todos os chineses estarão obrigatoriamente inclusos nesta enorme base de dados, e receberão pontuação de acordo com sua conduta.
Em um longo documento de 2014, o Conselho de Estado chinês explica que o plano do crédito social visa "forjar um ambiente na opinião pública em que a confiança será valorizada", acrescentando que "o sistema recompensará aqueles que reportarem atos de abuso de confiança".
A base de dados nacional concentrará uma ampla variedade de informações sobre cada cidadão. Será possível saber se uma pessoa paga seus impostos e multas em dia, se seus títulos acadêmicos são legítimos, etc.
Haverá também um grande grupo de pessoas que passará por um escrutínio ainda mais pesado, dependendo da profissão que exercem. A lista inclui professores, contadores, jornalistas, médicos e guias turísticos.
Críticos do projeto classificam o sistema de crédito social como "um pesadelo" e "orwelliano".
Mas há quem acredite que um sistema como este é necessário na China.
Os sistemas de crédito constroem confiança entre os cidadãos, defende Wen Quan, uma blogueira que escreve sobre temas de tecnologia e finanças.
"Sem um sistema, um estelionatário pode cometer um crime em um lugar e logo depois fazer o mesmo em outra região do país. Os sistemas de crédito tornam público o histórico de uma pessoa. (O sistema) construirá uma sociedade melhor e mais justa", diz ela.
Uma das empresas que participa do projeto piloto é a Sesame Credit, a ala financeira do site de vendas online Alibaba, o maior do mundo hoje.
A empresa usa sua gigantesca base de dados de consumidores para criar rankings de "crédito social". A escala é alimentada pelas transações financeiras feitas com o sistema de pagamentos do Alibaba.
A companhia não divulga exatamente como calcula a pontuação de cada cliente, dizendo que se trata de um "algoritmo complexo".
De toda forma, a Sesame deixa claro que leva em conta que tipo de produtos seus consumidores compram online.
"Alguém que joga videogame durante dez horas por dia, por exemplo, seria considerado uma pessoa ociosa. Alguém que compra fraldas com frequência, por outro lado, deve ser pai (ou mãe) e seria considerado uma pessoa com um sentido de responsabilidade", disse Li Yingyun, diretor de Tecnologia da Sesame à revista chinesa Caixin, em 2015.
As autoridades chinesas monitoram o andamento do projeto piloto de forma muito cuidadosa. O sistema do governo não funcionará exatamente como o das empresas privadas, mas adotará características dos algoritmos desenvolvidos pelas empresas privadas.
Por enquanto, a participação no projeto é voluntária, mas a Sesame divulga o cadastro enfatizando os benefícios de obter um bom "crédito social". A empresa incentiva seus clientes a compartilhar a boa pontuação com os amigos e inclusive com potenciais pares românticos.
Pontuar bem no programa dá acesso a uma série de benefícios, desde descontos em hotéis ou aluguel de carros até acesso a apólices de seguro ou a obtenção mais célere de vistos.
Esta é a parte "preocupante", segundo Rachel Botsman, autora do livro "Who Can You Trust" (algo como "Em quem você pode confiar", em uma tradução livre). A obra trata do sistema de crédito social da China.
"Se a sua pontuação de confiança cai abaixo de certo nível, toda a sua vida pode ser impactada. Desde a escola que seus filhos poderão frequentar até os empregos que você poderá escolher e o tipo de empréstimo bancário que você poderá obter", disse Botsman em um programa televisivo co-produzido pela BBC.
"As transgressões podem ter ocorrido na sua vida, mas o seu comportamento poderia ter impacto em seus filhos ou netos durante décadas", diz Botsman.
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O plano chinês para monitorar – e premiar – o comportamento de seus cidadãos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU