Por: Márcia Junges | 30 Setembro 2017
O que é um castigo justo? Que atributos devem compor o castigo para assim o considerarmos? Em última instância, aponta Daniel Schwartz, da Hebrew University of Jerusalem, Israel, uma das problemáticas centrais para Francisco Suárez (1548-1617) é a justiça e o castigo, que pode ser tomado em várias acepções. Nesse sentido, há duas obras de Suárez que são emblemáticas: Disputatio ultima de bello, de 1584, e Varia Opuscula Theologica, de 1599. A justiça vindicativa é de centralidade indiscutível no conjunto suareziano.
A temática esteve em debate no VIII Colóquio Internacional IHU e XX Colóquio Filosofia UNISINOS – Metafísica e Filosofia Prática. A atualidade do pensamento de Francisco Suárez, 400 anos depois, na manhã de 27-09-2017, na Sala Ignacio Ellacuría e Companheiros, no Instituto Humanitas Unisinos – IHU.
“Para se ter uma adequada compreensão da justiça vindicativa é preciso pensá-la de modo abstrato, em si mesma.” O marco referencial de Suárez é Aristóteles, filósofo que lança as categorias dos tipos fundamentais de justiça, e é dentro desse contexto que surge tal discussão. Para Aristóteles, a justiça se constitui em particular e geral. Dentro da particular há a justiça comutativa e a distributiva; na geral há apenas a justiça legal. A pergunta que Suárez articula é onde encaixar a justiça dos castigos, nomeada de vindicativa, para a qual o modelo aristotélico se mostrava insuficiente.
A justiça de Deus que emana de sua retidão, a partir de Duns Scotus, é a expressão do atributo da vontade divina. A justiça vindicativa, a vindicatio, tem sua origem latina, na vingança, na exigência que as cortes apliquem penas sobre as ações que ferem direitos.
Santo Tomás de Aquino fala que a vindicatio pode tomar lugar na pessoa pública e privada. O teólogo acredita que se alguém usa a violência de modo privado, esse ato de vingança tem certo valor moral. Suárez, por sua vez, pensa que essa ação carece de valor moral. O ato justo tem que ser aquele em que dou algo para o outro, não apenas para mim. Assim, o jesuíta ibérico evoca o vocabulário scotista, porque a motivação psicológica não tem a ver com a justiça, mas como um ato negativo que não excede a proporcionalidade. Não se pode amar o mal honestamente, posto que não pode haver um sentimento positivo quando se deseja o mal para os outros. Em apenas alguns casos a vindicação é correta e adequada.
Daniel Schwartz| Foto: Larissa Schimidt / IHU
Nas obras de Suárez em 1598 e de Vásquez, de 1593, se apresenta uma controvérsia fundamental que marcou o debate filosófico daquele tempo. Suárez procura conceber a justiça de modo completamente não aristotélico. A igualdade é algo secundário, porquanto a justiça tem a ver com direitos. Os direitos do outro cumpridos representam a justiça de igualdade.
Suárez procura um outro lugar para inserir a justiça vindicativa, e o faz na justiça legal, a justiça do cidadão a respeito da comunidade. Esse tipo de justiça tem forma estrita àquela de forma laxa, a providencial, ou governativa, mediante a qual o governador, que pode ser Deus ou um representante humano, promove o bem comum dando aos seres em medida proporcional aos seus atos. É como uma emanação de sabedoria, e não de justiça pura e simples.
Castigar seria uma atividade que o governante humano deve à humanidade. Isso pode ser exigido pela comunidade. “O bem do coletivo deve sempre estar no horizonte”, frisou Schwartz.
As intenções de Suárez são resgatar a justiça divina e sua redefinição da doutrina de direitos. A doutrina de castigo não é aquilo que ele deseja. Entretanto é colocada a questão da justiça dos castigos, questionando se acaso há uma obrigação de aplica-los, e se seria injusto não castigar um transgressor.
Daniel Schwartz é natural de Montevidéu (Uruguai). Licenciado em Ciências Políticas pela Universidade Hebraica de Jerusalém e doutor pelo departamento de Estudos Políticos da Universidade de Oxford. Leciona e pesquisa no Departamento de Ciências Políticas e Relações Internacionais da Universidade Hebraica de Jerusalém. Autor de Aquinas on Friendship (Oxford University Press, 2007) e organizador de Interpreting Suarez: Critical Essays (Cambridge University Press, 2011).