Migrantes. ''O dever da esquerda é reagir a todas as mentiras da direita.'' Entrevista com Massimo Cacciari

Mais Lidos

Revista ihu on-line

O veneno automático e infinito do ódio e suas atualizações no século XXI

Edição: 557

Leia mais

Um caleidoscópio chamado Rio Grande do Sul

Edição: 556

Leia mais

Entre códigos e consciência: desafios da IA

Edição: 555

Leia mais

02 Setembro 2017

O que a esquerda faz diante da explosão da violência verbal, de certas pulsões xenófobas e racistas da direita? Perguntar isso a Massimo Cacciari significa receber respostas afiadas, como esta: “Eu percebo um desvio extremamente perigoso. A esquerda, chamemo-la assim, não reage mais às mentiras dos adversários. Ao contrário, no máximo, busca comportamentos que possam satisfazê-los. E, desse modo, não irá detê-los. Assim, perderemos as eleições”.

A reportagem é de Alessandra Longo, publicada por La Repubblica, 01-09-2017. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis a entrevista.

Cacciari, a questão da imigração avança como um incêndio que devora todo raciocínio...

É verdade. Passamos de uma fase de compreensível temor diante do evidente agravamento do problema, com uma Europa impotente e o novo protagonista da direita xenófoba a uma fase – a de agora – em que sofremos passivamente os tiros que são disparados do outro lado. Não há reação, nem tentativa de contra-atacar e racionalizar. Ao contrário, tenta-se traduzir em “moderadês” aquilo que uma certa direita grita freneticamente.

Um clima feio...

Prevalecem palavras de ódio e violência. E é típico das grandes crises de regime. Os ouvidos se fecham, a escuta torna-se impossível. Infiltra-se a lógica do amigo/inimigo. A crise não está mais nas mãos de quem governa. Não subestimo a situação. Estamos em uma época de transformações radicais que geram medos e desconfortos. Mas eu digo que a chamada esquerda não faz nada para combater esse clima.

O que deveria fazer?

Deve mudar a comunicação. É preciso representar a questão dos imigrantes de modo racional, evidenciar os pontos fracos na gestão, os seus tempos longos, fornecer dados econômicos, explicar que não há uma invasão que tira o pão das pessoas. Existe um fenômeno epocal que deve ser governado, com um grande planejamento, com os planos de ajuda aos países de origem, com a Europa que assume as suas responsabilidades. Eu gostei do vídeo de [Roberto] Saviano no jornal La Repubblica. Eu nem sempre gosto do homem, mas, neste caso, ele desmontou eficazmente as mentiras da direita, os lugares comuns. Não é uma tragédia se Sesto San Giovanni deverá acolher 100 imigrantes. A tragédia de verdade é daquelas pobres pessoas que vão ao mar e são recapturados para os campos de concentração da Líbia. Inverteu-se totalmente a escala de valores.

O ministro [Marco] Minniti diz ter temido pela força do sistema democrático no momento de máxima crise migratória.

É uma piada... Se assim fosse, isso significaria que o atual sistema democrático está podre e, então, merece acabar! Não é preciso temer perder votos e criar um clima paroxístico. Assim, a direita ganha. É preciso representar bem a questão. A política deve ser racional. Ela não foi feita para dizer às pessoas: “Você tem razão”, ela não deve ouvir as perguntas e repeti-las. Ela deve dar respostas e indicar perspectivas.

Mas também é preciso respeitar a sensação de inquietação da coletividade.

É claro. Para isso, é preciso uma boa comunicação da política. É preciso desmontar as mentiras que semeiam o pânico. A percepção de insegurança não é criada apenas pelo problema da imigração. Somos um país com 35% de jovens desempregados, com milhões de indivíduos na miséria, com o Sul nas mãos do crime organizado. Se o PIB atingisse 15%, as reações das pessoas aos migrantes seriam muito diferentes. Mas a realidade é outra. E, então, ganha quem grita mais.

Leia mais