13 Agosto 2017
“O padre Tucho”, natural de Alcira Gigena, que hoje é assessor do Papa Francisco, fala sobre o Pontífice, o celibato e as mudanças que a Igreja pode fazer.
Toma lentamente o seu chá na praça de alimentação do Shopping de Río Cuarto. Olha e cumprimenta as pessoas com a mesma simplicidade de 20 anos atrás, quando era padre da Paróquia Santa Teresinha e sua palavra atraía tantos fiéis que eram obrigados a fechar a Rua San Martín, uma via principal, para celebrar a missa.
Embora agora seja arcebispo de Tiburnia, tenha publicado muitos livros e artigos (cerca de 300 ao todo), seja reitor da UCA (Universidade Católica da Argentina) e “mão direita” do papa, viaja com frequência para Río Cuarto para passar alguns momentos com sua mãe, que tem 92 anos.
Víctor Manuel Fernández não deixou de ser “o padre Tucho”. Natural de Alcira Gigena, vários moradores o reconhecem e pedem para tirar uma foto com ele.
“Pergunte a ele porque o Papa Francisco não vem à Argentina”, sugerem. Fernández aceita de bom grado a conversa franca, mas se recusa a comentar publicamente as críticas políticas a Jorge Bergoglio, formuladas alguns dias atrás no programa de TV de Jorge Lanata.
Ele deixa entrever que o Papa procura não se envolver plenamente no clima interno, não apenas porque, historicamente, a Igreja perdeu fiéis quando tomou partido, mas porque qualquer polêmica o colocaria como alvo dos mais ferrenhos interesses internacionais, que já o têm na mira por causa das reformas que tem em mente.
A entrevista é de Denise Audrito, publicada por La Voz, 12-08-2017. A tradução é de André Langer.
Por que o Papa não vem à Argentina, sendo que é o seu país natal?
É que algumas coisas que ele disse, algumas de suas preocupações, são mal interpretadas. A Argentina está passando por um momento de excessiva polarização e de tensionamento, e teme-se que sua presença possa ser utilizada para exacerbar ainda mais esta divisão.
Que mudanças a Igreja vai fazer diante das necessidades espirituais de hoje?
A sede de Deus e de espiritualidade foi crescendo em vez daquilo que anunciavam, que se tratava do desaparecimento das religiões, porque alguns as consideravam algo irracional que iria morrer com o progresso. Aconteceu o contrário. No vazio da época muito consumista e muito ansiosa, onde a vida é uma correria sem fim, as pessoas se perguntam para que estão vivendo, e começam a buscar outro tipo de experiência. Isso despertou a espiritualidade que alguns declaravam morta.
A Igreja está à altura das circunstâncias para dar respostas?
Sim, mas deve estar sempre atenta à evolução dos acontecimentos; às vezes, as pessoas têm necessidade de determinadas coisas, às vezes de outras, às vezes de um estilo ou outro, conforme as pessoas vão evoluindo, para responder ao que buscam. Agora, por exemplo, as pessoas se contentam menos com um rito fixo e buscam coisas que as ajudem a sentir-se melhor interiormente. Não se satisfazem apenas com um rito, salvo quando descobrem que esse rito tem um sentido profundo. Acontece também que as pessoas rejeitam os ritos, o terço, por exemplo, porque é repetitivo, mas repetem um mantra do budismo centenas de vezes. Há uma certa contradição, mas é porque não encontraram o sentido profundo do terço; caso contrário, encontrariam nele a mesma satisfação.
É possível mudar a exigência do celibato dos sacerdotes?
O celibato não é uma norma de fé, de modo que é possível discutir se convém ou não convém. A Igreja acredita que convém, mas não se fecha às mudanças. Não que ela vá dizer que o celibato é inútil, porque há pessoas que vivem muito felizes, e todas as energias que poderiam usar no matrimônio usam-nas para um serviço generoso. Há cientistas, médicos, monges budistas que são celibatários. As energias que alguns diriam que estão reprimindo, na verdade, estão canalizando de outra maneira e de uma forma até muito eficiente. O que se pode discutir é se deve ser obrigatório, mas não o valor do celibato em si.
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“O Papa não vem à Argentina para não exacerbar divisões”. Entrevista com Víctor Fernández - Instituto Humanitas Unisinos - IHU