11 Agosto 2017
Hoje trabalhar para a comunidade significa principalmente trabalhar com a comunidade. Trabalhar para as pessoas significa trabalhar com as pessoas.
Essa atitude básica abre as portas para um imaginário e uma ação profundamente diversos de como, no século passado, desenvolvíamos os diferentes trabalhos de proximidade e os serviços de welfare.
Diante dos três grandes fenômenos que nas últimas três décadas atravessam a passos largos a nossa sociedade, trata-se de tentar interpretar este nosso tempo através de circuitos virtuosos renovados e não através da continuação de hábitos aparentemente consolidados, que hoje podem ser considerados decadentes.
Os três fenômenos radicais que estão mudando o panorama cotidiano de nossa convivência, do nosso estar em relação com nós mesmos, com os outros e com o mundo são: as conformações demográficas, os fluxos migratórios e a tecnocracia.
O comentário é de Johnny Dotti, publicado por Avvenire, 10-08-2017. A tradução é de Luisa Rabolini.
Estes três fenômenos têm entre si um evidente entrelaçamento, em seu proceder no tempo e no espaço, o que cria mais situações e subfenômenos relevantes.
Nos últimos trinta anos, temos assistido a um ingresso maciço de “profissões sociais” nos nossos contextos de vida.
Na esteira das diversas especializações derivadas de disciplina médica, entraram em cena uma infinidade de profissionais no âmbito sócio-educativo-assistencial. Se contarmos “o exército” dos cuidadores (o último degrau hierárquico da escada de reconhecimento social), podemos tranquilamente afirmar que foram criados mais de dois milhões de postos de trabalho. Também assistimos o surgimento de novas formas organizacionais e econômicos que hoje também encontram sua total legitimidade dentro da lei de enquadramento no terceiro setor.
Devemos ainda acrescentar que, em especial no lado 'privado', está aumentando a área de intervenção e, portanto, de mercado e de investimento sobre tudo que abrange os serviços focados na pessoa. Nesse caso, é a tecnologia digital que constitui a ferramenta de penetração (basta pensar, por exemplo, nas diferentes plataformas de welfare corporativo que estão se somando aos diversos contratos). O paradigma tem se orientado até o momento sobre uma ideia de prestação e de especialização, distributiva e individualizada. De um lado, os usuários, do outro, os especialistas. Ou seja, até mesmo os serviços focados na pessoa seguiram (para além das retóricas políticas de toda orientação) o poderoso destino da sociedade de consumo.
A cada necessidade individual, a resposta especializada de um profissional capacitado (singular ou plural) com o seu aparato específico de técnicas e instrumentos. Tanto o público, como o privado e o terceiro setor seguiram preferencialmente esse caminho, com poucas exceções.
Esta é a interpretação da realidade que produziu os postos de trabalho nesse âmbito, sustentados pelo aumento das despesas no lado público e por um uso cada vez mais consistente de gastos diretos e indiretos dos indivíduos e famílias. Um exemplo é a forma como são pagos os cuidadores (aposentadoria, cheque de acompanhamento, poupança) ou como se financia o welfare corporativo. Ao permanecer nesse paradigma (consumo individual de serviços de welfare), é claro que a eficiência que cada mercado requer vai introduzir doses maciças de tecnologia no sistema.
Muitas máquinas irão substituir muitos homens e mulheres, tendo condições de assegurar, dentro de determinado padrão, uma maior quantidade de prestações e, portanto, maior produtividade a um custo menor.
A inovação nesse caso será apenas tecnológica instrumental. É e será inevitavelmente assim? Esse é o nosso inexorável destino? Pessoalmente, acredito que não. Os três fenômenos que eu mencionei atingem hoje visceralmente cada um de nós. Eles nos forçam a nos questionarmos, não nos deixam satisfeitos com meras respostas imediatas que geralmente desembocam em soluções simplórias e superficiais.
A propósito de superficialidade, basta pensar em como são frequentemente geridos os serviços de “acolhimento” aos migrantes. A situação atual nos convida urgentemente a propor de novo a questão do significado e nos defronta com a questão de nossa relação com os outros. Ou seja, ressurge o tema da comunidade, das formas de convivência entre as pessoas, da ajuda recíproca, da justiça, da solidariedade que nasce do reflexo da fragilidade generalizada. É tendo a coragem de pisar na fronteira dessa realidade que pode tomar forma o nosso ser “com” os outros como primeira resposta elementar de sentido.
Aqui se entra em outro paradigma, que não nega o que de bom nos foi legado pelo passado, mas que regenera as formas e não teme o desafio deste tempo, aliás, o reinterpreta de maneira mais profunda. Como diria o papa Francisco, tem a coragem de estar no tempo não só de ocupar os espaços que foram conquistados.
O tema do “com” então nos conduz à busca de novas formas de capacitação difusa para as pessoas, nos leva a imaginar novas formas de convivência habitacional, permite que experimentemos processos participativos e alianças inéditas. Coloca todos em condição de contribuir para o bem-estar.
Porque estar com os outros significa transformar-se, mudar. O paradoxo é que, hoje, teríamos muitos instrumentos e aparatos legislativos modernos, mas também uma grande tradição de séculos que só precisa ser reinterpretada.
Escolher o paradigma do “com” exige não fugir do “porquê” das coisas e questionar-se sobre o valor do “que”, sem imediatamente ceder à ansiedade do “como fazer”. É preciso uma certa liberdade e um sonho de plenitude. Estou certo de que esta inovação traria mais trabalho por ser, como diria Hanna Arendt, gerada pelo engenho da obra e pela profundidade da ação. Em condições, portanto, de constituir um patrimônio, não um simples fluxo entre “usuários” e “profissionais”.
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O novo trabalho será "com" - Instituto Humanitas Unisinos - IHU