05 Agosto 2017
O processo de colonização brasileira envolveu o controle da sexualidade indígena. A tentativa de coibir relações homossexuais nas aldeias, vistas pela Coroa portuguesa como “um espaço amplo para a ação do demônio”, foi pretexto para a violência que reforça até hoje a exclusão de índios gays.
A reportagem é de Folha de São Paulo, 03-08-2017.
Pesquisa feita pelos antropólogos Estevão Fernandes e Barbara Arisi e publicada neste ano levou a discussão sobre gênero e sexualidade para a realidade dos índios gays no Brasil.
Segundo Fernandes, desde o século 16 há registros de práticas homossexuais entre diversas etnias indígenas. “Os relatos não eram do próprio indígena, mas do não indígena tentando salvá-lo. O papel fundamental da colonização é salvar o colonizado de ser quem é.”
Fernandes diz que os índios eram considerados sodomitas, o que serviu como justificativa para as ações dos jesuítas, que teriam utilizado violência física com “requintes de crueldade”.
Ainda que os próprios portugueses também fossem vítimas da Inquisição, o antropólogo defende que os índios sofriam antes por serem indígenas e depois por serem gays.
“O português tinha direito à defesa, sabia se comunicar na própria língua. O indígena não.
Era uma perseguição mais ostensiva pelo tipo de controle que se exercia sobre a vida cotidiana.”
Arisi concorda que os indígenas sofrem um preconceito “somado”. “Eles vão ser atacados por serem considerados sodomitas, mas isso se soma ao lugar da subalternidade por serem índios.”
Para os pesquisadores, a consequência disso foi um vácuo de pertencimento que permanece hoje. “O cara que é indígena e LGBT não tem espaço em nenhum dos dois grupos. Qual o lugar reservado para o homossexual historicamente? Nenhum. Agora, imagina o indígena.”
“O colonialismo não acabou e, em larga medida, o discurso homofóbico e racista permanece. A cura gay não é coisa de cinco séculos atrás, é coisa de hoje. A retórica é a mesma. Vemos pastores super bem intencionados tentando salvar a alma das pessoas”, afirma Fernandes. “Nossa conclusão é dizer que isso molda o Brasil.”
Não somente a homossexualidade era punida. A pesquisa também mostra relatos condenando a amamentação prolongada, comportamentos que fugissem dos papéis historicamente encarregados ao homem e à mulher e o excesso de bebida alcoólica. O estupro das indígenas, entretanto, era prática usual e permitida entre os europeus.
A pesquisa conta, inclusive, com o relato de um estupro perpetrado por um navegador italiano, amigo de Cristóvão Colombo, em carta enviada em 1495. “Tendo capturado uma indígena muito bonita, nua como de costume, tive desejo de satisfazer meu prazer […] ela se recusou e me arranhou […] peguei uma corda e lhe dei uma surra tão boa […] Finalmente, chegamos a um acordo e posso te dizer que ela parecia ter sido educada em uma escola de prostitutas.”
Arisi defende que o controle dos corpos indígenas teve a finalidade de compor a “construção nacional” de um Brasil imaginado pelos que estavam no poder. Como diz a pesquisa, a Coroa queria que o índio fizesse parte do sistema econômico como um homem civilizado, católico, heterossexual e monogâmico.
Segundo Arisi, o processo colonial segue em prática “tentando aniquilar os indígenas para virarem essa ideia imaginada do que é uma nação brasileira”. Para ela, há um investimento do governo –”e nos governos de esquerda não foi diferente”– de transformar o índio em um brasileiro.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Estudo relata repressão a índios gays no Brasil - Instituto Humanitas Unisinos - IHU