01 Mai 2017
A ojeriza à greve no Brasil, como se ela constituísse anomalia, retrata o nosso atraso cultural e político, escreve o Mário Magalhães, jornalista, em artigo publicado por Uol, 28-04-2017.
Eis o artigo.
Se eu fosse antropólogo, estudaria um fenômeno curioso e obscuro: por que muitos brasileiros que viajam ao exterior são tolerantes com conflitos sociais no estrangeiro e intolerantes aqui?
Mais pontualmente, por que encaram ou aparentam encarar as greves de lá como episódios do cotidiano democrático e as do Brasil como aberração extremista?
É frustrante ir ao Louvre e dar com a cara na porta, em mais uma paralisação dos funcionários do museu parisiense. Mas ninguém, ou quase, corre às redes (antis)sociais para insultar os trabalhadores franceses. Não os achincalham como vagabundos.
Ao contrário do que se observa nas nossas bandas neste 28 de abril de xingamentos cabeludos.
Não faltam motivos para irritação em viagem. Suponhamos que uma família se hospede em San Sebastián e planeje o passeio de um ou dois dias em Biarritz. Vai de trem. Entre as duas cidades bascas finca-se a fronteira Espanha-França. Naquela manhã, os ferroviários franceses acabam de começar uma greve. Como gostam de fazer greve os ferroviários franceses! Passeio interrompido, no meio do caminho. Mas não se assiste a surto de ódio.
Já, por aqui, multiplicam-se os discursos demonizando a greve geral e os protestos de hoje.
Lá longe, sobretudo na Europa, costumamos aceitar as greves como lances do jogo. Mesmo quando nos contrariam ou atrapalham em incursões a trabalho ou turismo.
É assim também que os cidadãos locais se comportam. Muitos podem não simpatizar com greves e grevistas, porém não têm acessos de cólera. As sociedades aprenderam a conviver com greves, inclusive gerais.
A ojeriza à greve no Brasil, como se ela constituísse anomalia, retrata o nosso atraso cultural e político.
É como se o direito constitucional à greve fosse abuso.
Quando abuso é impedir greves legítimas e legais.
Chilique por causa de greve é atitude autoritária.
E, às vezes, ridícula.
Leia mais
- CUT: paralisação é a maior da história; 35 milhões de brasileiros deixam de trabalhar
- Movimentos tradicionais, autonomistas e um novo ciclo de lutas no Brasil. Entrevista especial com Alana Moraes
- Greve geral mobiliza o País contra reformas de Temer
- Mensagem da CNBB aos trabalhadores (as) do Brasil: “Encorajamos a organização democrática e mobilizações pacíficas”
- Seis mitos da reforma trabalhista
- 1ª greve geral do país, há 100 anos, foi iniciada por mulheres e durou 30 dias
- Brasil. Aproximadamente 100 bispos pediram adesão à greve geral
- Brasil e Argentina. Bispos em rota de colisão com Temer e Macri
- O indigesto e ruidoso recado das ruas para Temer e o Congresso
- Ódio contra greve retrata atraso do Brasil
- 'Greve foi menor do que organizadores esperavam, mas maior do que governo gostaria', diz cientista político
- Flagrantes da greve geral pelo Brasil no twitter
- Por que sindicatos que queriam abolir CLT nos anos 80 agora reclamam de sua 'destruição'
- Reforma trabalhista impõe mais empecilhos para trabalhadores entrarem na Justiça
- Não temos nada a ajustar, mas tudo a inventar. Parte I: Não temos nada a defender
- Para CNBB, Reforma da Previdência “escolhe o caminho da exclusão social”
- Reforma da Previdência ignora 426 bilhões devidos por empresas ao INSS
FECHAR
Comunicar erro.
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Ódio contra greve retrata atraso do Brasil - Instituto Humanitas Unisinos - IHU