21 Março 2017
"Essa "cidade visível", em sua complexidade, foi objeto de estudos que trouxeram à luz as formas de deterioração interna: a desintegração do tecido social, com a ascensão do individualismo e competitividade; a situação de anonimato e perda de vínculos sociais, com a ausência de identificações simbólicas entre habitantes e habitats; a destruição do espaço público e o nascimento do espaço funcional. Na cidade moderna, o local de habitação é reduzido a atender a função residencial; não é mais o lugar que serve de base para a estruturação e a sintetização das várias atividades humanas", escreve Antonio Mastantuomo, professor de teologia pastoral na Pontifícia Universidade Lateranense. O texto aqui reproduzido é um dos ensaios que compõem a obra Chiesa tra le case (Igreja entre as casas, trad. livre). Bologna: EDB, 2017, em artigo publicado por Settimana News, 18-03-2017. A tradução é de Luisa Rabolini.
Eis o artigo.
Era uma vez ... a praça, a fonte e a torre do sino. Locais de encontro, de vida e de fé. Os centros históricos menos antigos têm, no mínimo, mil anos. Tudo que está ao seu redor foi construído por nós. Esses são os lugares onde foram formadas as identidades e as culturas, porque o modo de ser de uma população tem muito a ver com a forma dos lugares onde vive. Construíram o espaço em que homens e mulheres aprenderam a conhecer-se uns aos outros, a medir-se com si próprios e com os outros.
Hoje, no entanto ... nossas cidades tornaram-se, por um lado, as áreas onde se concentram os recursos financeiros e humanos mais qualificados e consistentes, e, por outro, o ímã que atrai um número crescente de pessoas à procura de qualquer possibilidade de vida: migrantes, exilados, excluídos. Essa é a dinâmica subjacente que torna as cidades contemporâneas tão ambivalentes: em uma distância geográfica muito limitada sobrepõem-se as esferas financeiras, econômicas, tecnológicas mais avançadas, e as massas dos deserdados afundados na miséria, não só econômica. Isso é o que descreve o Papa Francisco no Evangelii gaudium: "A cidade dá origem a uma espécie de ambivalência permanente... oferece aos seus habitantes infinitas possibilidades... (interpõe também numerosas dificuldades ao pleno desenvolvimento da vida de muitos)" [1], de modo que, ao lado dos "citadinos", existem também os "não-citadinos", os "meio-citadinos" e os "resíduos urbanos." [2]
Cada assentamento humano é composto de duas entidades diferentes. Uma, fácil de descrever, é a cidade que vemos, a cidade física, um objeto sempre imponente, mesmo quando não é de dimensões grandiosas. Poderíamos chamá-la de cidade visível, ou melhor, a cidade observável, aquela que é feita de edifícios e estruturas construídas, mas também de pessoas físicas, animais e todos os objetos que são ali colocados.
Intimamente ligada a essa cidade, há outra que não pode ser observada com nenhum tipo de comprimento de onda física, mas que produz, causa e constrói a cidade visível. É a sociedade urbana, com todas as suas características demográficas, econômicas, políticos e culturais, sem as quais a cidade não seria como é, porque a cidade não é um fato natural, uma montanha de pedra sobre a qual o "musgo humano" espalha-se e acomoda-se, mas um artefato, produzido como resultado de determinados processos sociais, nem sempre transparentes e nem sempre reconstruíveis no seu percurso de realização, mas, de qualquer forma, existentes.
Essa "cidade visível", em sua complexidade, foi objeto de estudos que trouxeram à luz as formas de deterioração interna: a desintegração do tecido social, com a ascensão do individualismo e competitividade; a situação de anonimato e perda de vínculos sociais, com a ausência de identificações simbólicas entre habitantes e habitats; a destruição do espaço público e o nascimento do espaço funcional. Na cidade moderna, o local de habitação é reduzido a atender a função residencial; não é mais o lugar que serve de base para a estruturação e a sintetização das várias atividades humanas. [3]
É possível abordar tais mudanças focalizando três palavras-chave: mobilidade, deslocamentos e heterotopia.
Diz o filósofo Jean-Luc Nancy que "a cidade é antes de tudo um movimento, um transporte, uma correria, uma mobilidade, uma oscilação, uma vibração. De qualquer lugar ela remete a qualquer outro e para fora di si mesma: mas o seu fora é, cada vez menos, o campo [...]; é mais o fora indefinido da própria cidade, que se afasta e se reurbaniza cada vez mais longe. [...]
Cada local urbano remete a outros lugares e não existe ou não consiste em nada além desse remeter". [4]
Desde sempre é na cidade que ocorrem as trocas, encontramo-nos, movimentamo-nos. E justamente por isso, a cidade é o lugar onde o indivíduo sente que pode respirar mais profundamente o sentido da liberdade e de movimento que ele constantemente procura.
Mas, na cidade contemporânea, as trocas e os encontros são definidos pela capacidade de determinar de forma nova a distância e a proximidade, graças aos recursos tecnológicos, institucionais e infra-estruturais hoje disponíveis. Nesse sentido, escreve novamente Nancy, a cidade é cada vez mais uma expressão do desdobramento da técnica na nossa de vida diária:
"Aliás, é como se a cidade recolhesse e expressasse a essência da técnica. Como se substituísse a natureza com um outro espaço-tempo [...]. Tudo na cidade é tomado por uma concatenação diferente [...]. Esta é a verdade técnica: abrir passagens em todas as direções e sem qualquer vocação final, idas e vindas, eventos em vez de adventos "[5]
"A cidade contemporânea não é mais capaz - e talvez nem sequer aspire - a ser o lugar onde a experiência comum é filtrada e sedimentada. Já não tem mais nem o tempo nem a forma. Seu ideal não é mais o de ser o "lugar da vivência", mas, sim, o de tornar-se o "local do vivente", sistema de oportunidades, recipiente de possibilidades, desistindo de qualquer identidade e consistência preordenadas, vistas como impedimentos objetivos às dinâmicas do possível. Isso, concretamente, significa que, na cidade contemporânea, o lugar não tem mais valor a não ser pelo viés instrumental, sempre provisório e contingente, como ponto de apoio para a ação e a realização, através das quais se torna possível a sua própria superação". [6]
Isso comporta a dificuldade de estabelecer com um mínimo de sentido e de precisão os limites da cidade; e ainda mais difícil é estabelecer seu lado de dentro e de fora: quem vive a cidade não necessariamente coincide com quem habita a cidade. E, por outro lado, o fato de nascer em um local é sempre menos frequentemente o elemento que prevê o habitar em num determinado local.
Isso significa que a cidade contemporânea tende a desenvolver-se em todas as direções, dentro e fora de si própria. Para existir, ela precisa ser totalidade espalhada atravessada por pessoas, fluxos e funções que vão a outros lugares e fazem algo diferente do que ser a vida e a consciência da cidade.
Devemos a Michel Foucault a elaboração do conceito de deslocamento para a organização espacial da vida social. [7] No início da modernidade, a organização da vida social era caracterizada pela localização: cada lugar, estável e bem delimitado, é colocado dentro de uma hierarquia espacial que envolve não só a esfera terrestre, mas também a celeste, simbolicamente encarnadas na figura de monge e do agricultor.
Com a modernidade, afirma-se a lógica da extensão. As grandes descobertas geográficas, as revisões dos conhecimentos astronômicos, o advento de novos meios de transporte, a difusão da inovação econômica e social abalam as velhas hierarquias e abrem novas possibilidades. Emergem novas figuras exemplares, como o explorador, o viajante, o comerciante, o inovador.
Mas, embora dinâmico, na era da extensão, o movimento permanece caracterizado pela aspiração de criar uma homogeneidade. A ampliação é mais quantitativa do que qualitativa, e a inovação, assim como a descoberta, avança ao longo de uma diretriz bem precisa, de acordo com uma lógica de tipo linear.
O nosso tempo, no entanto, é caracterizado pela capacidade de estabelecer relações entre pontos diferentes e distantes: nenhum lugar existe por si próprio, mas sempre em relação a outro; cada lugar é continuamente deslocado, aberto, interligado. A pessoa que vai e vem diariamente para trabalhar, o turista, o homem de negócio são as figuras arquetípicas dessa fase e são caracterizadas por movimentos repetitivos, iterativos e fragmentados.
Mas tudo isso não apaga o desejo de encontrar lugares ou espaços onde seja possível encontrar-se a si mesmo: daí o conceito de "heterotopia" para significar lugares reais, posicionamentos efetivos, mas que, contudo, "constituem contra-posicionamentos, espécies de utopias efetivamente realizadas, nas quais os posicionamentos reais estão ao mesmo tempo representados, contestados e invertidos. "[8]
Nesse sequência infinita de eventos e acontecimentos em que está inserida e da qual é simplesmente teatro, a cidade contemporânea sofre um processo contínuo de deslocamento, fazendo com que os diferentes locais tendam a adquirir significados diversificados e funções mais e mais específicas.
Essa situação decorre da tendência para a especialização dos âmbitos espaciais com base em determinadas funções: a área industrial aparelhada, as grandes estações ferroviárias, os aeroportos, os campi universitários, as áreas comerciais, os serviços públicos, os centro comerciais.
A cidade contemporânea tende a coincidir cada vez mais com o seu sistema de funções, ao mesmo tempo em que reduz significativamente o valor integrador do lugar. Isso implica em um enfraquecimento do tecido que agrega essas diferentes funções, cada uma das quais tende a ser a expressão de um código técnico específico, o qual, justamente por tal característica, é mais intensamente ligado a outros locais semelhantes espalhados em todo o mundo do que com aquilo que existe fisicamente ao seu redor.
Isso também acontece nos planos que dizem respeito mais diretamente à produção cultural e às formas de socialidade contemporânea. Os parques de diversões, as ilhas para pedestres, as praças aparelhadas, mas também as capelas, os centros de atendimento e os centros sociais, tendem a ser lugares especializados e dotados com o seu próprio código, que só é válido no seu interior e cuja finalidade é apoiar uma socialidade que tem dificuldade para acontecer de forma autônoma.
O cidadão da cidade do novo século estrutura sua socialidade imaginando um mapa de lugares e tempos dentro e fora da cidade em que vive. Uma socialidade que cada vez menos ocorre espontaneamente, simplesmente como expressão do contexto local, mas, ao contrário, cada vez mais tem a ver com o entrelaçamento das heterotopias: para as crianças de hoje, ir para a escola é antes de tudo uma oportunidade para socializar com seus pares; perder o emprego significa ser excluídos dos circuitos relacionais; passar a tarde em um centro comercial é uma maneira de encontrar alguém com quem trocar algumas palavras.
Mas, as heterotopias acabam também se formando como lugares onde se concentram todos aqueles que estão inadaptados à vida contemporânea. Cada cidade tem suas áreas de "dejetos", onde são colocadas essas "vidas descartadas" [9] que não queremos ver e que não sabemos como integrar: centros de permanência temporária, prisões superlotadas, guetos urbanos, acampamentos provisórios, prédios irregulares.
Tudo isso constitui uma situação nova, em que nos encontramos tendo que lidar com uma dupla diferenciação: além das funções, a dos lugares. Uma vez fragmentados os papéis desempenhados pelo indivíduo humano (pai, trabalhador, consumidor, devoto, etc.), a diferenciação agora se estende à organização espacial do mundo social, aos lugares em que conduzimos nossas vidas cotidianas. A cidade torna-se um aglomerado de funções e populações diferentes que correm o risco de não saber exatamente o que as mantêm unidas.
A cidade já não vive mais para si mesma, mas vive - através das suas funções - em relação a outros lugares, outras populações, outros interesses, outras redes: a sua vitalidade depende dessas conexões. E a própria socialidade permanece significativa enquanto segue esses processos, porém, quando se afasta, torna-se uma espécie de resíduo. O centro de gravidade da cidade contemporânea não é mais a socialidade interior, aquela entre os habitantes. Seu centro de gravidade está mais em se tornar um conjunto de funções, de lugares capazes de produzir eventos, de controlar as populações, de gerar fluxos (materiais e imateriais) que a atravessam e que, pelo menos em parte, estão fora de seu controle.
O desacoplamento entre funções, fluxos, redes e relações intersubjetivas da sociedade humana tende a tornar estas irrelevantes, quase supérfluas. Mesmo nos bairros "residuais", a socialidade – de rua ou de bairro - tende a encolher e a existir cada vez menos como evento difuso e espontâneo. Até mesmo nessas áreas, vemos o surgimento de locais protegidos e especiais, onde se procura criar as condições para tornar a socialidade ainda experienciável - os centros de escuta, o centro família, os centros comunitários.
Então, se já com a segunda fase - a da extensão - a cidade, entendida como polis, estava desaparecendo – a ponto de ser necessário criar uma referência política maior com o estado nacional - com a fase do deslocamento a cidade também deixa de ser o recipiente em que a vida social pode e, de fato, tem lugar. A sociabilidade tem cada vez mais dificuldade de reproduzir-se de forma autônoma porque ela existe mais e mais apenas em relação às funções que organizam a vida da cidade, exigindo quase uma atenção específica, um trabalho ad hoc para que os seres humanos continuem a ter a capacidade de manter relações entre si.
Essas profundas mudanças desafiam a própria configuração eclesial: "Na cidade temos necessidade de outros ‘mapas’, de outros paradigmas que nos ajudem a reposicionar os nossos pensamentos e as nossas atitudes. Não podemos permanecer desorientados, porque esse desconcerto leva-nos a enganarmo-nos no caminho...". [10]
Se, de fato, a preocupação essencial da segunda metade do século passado parecia ser a construção de locais de culto nos bairros em expansão nas várias cidades [11], não igual atenção era destinada para a necessidade de encaminhar uma pastoral diferente que levasse em conta as rápidas mudanças que estavam ocorrendo na sociedade. Tanto é assim, que se pode afirmar que, enquanto cada distrito foi aparelhado com uma nova igreja, "a pastoral da paróquia está apegada às configurações da igreja rural, e não parece ter tomado totalmente a sério, pelo menos até hoje, a cidade como tal. Para Comblin, a pastoral urbana não existe em sentido próprio e verdadeiro: o que está sendo feito na cidade nada mais é que a transposição do que é feito e foi feito (mesmo com êxito) no campo. A cidade foi considerada como um agregado de vilarejos, cada um com sua própria paróquia, não como uma realidade única e orgânica. As consequências estão aí, para que todos as vejam. Corre-se para os reparos com o estabelecimento de organismos de ligação, que, contudo, têm uma vida difícil e raramente atingem efeitos palpáveis. É o aparato subjacente que deveria ser reconsiderado". [12]
Então é inevitável, sabe-se agora, que a própria instituição paroquial esteja passando por uma profunda crise: uma crise de identidade, que é muitas vezes vista como o legado de um mundo que não existe mais; uma crise de representação, pois agora está desprovida de seu papel simbólico na sociedade e uma crise de sentido, já que não parece responder às novas necessidades religiosas [13].
No Evangelii gaudium, o Papa Francisco, ao mesmo tempo em que reconhece que “a paróquia não é uma estrutura caduca; porque possui uma grande plasticidade, pode assumir formas muito diferentes que requerem a docilidade e a criatividade missionária do Pastor e da comunidade”, não deixa de sublinhar que "devemos reconhecer que o apelo à revisão e renovação das paróquias ainda não deu suficientemente fruto, tornando-se ainda mais próximas das pessoas, sendo âmbitos de viva comunhão e participação, e são orientando-se completamente para a missão". [14]
Algumas tentativas de reflexão [15] foram realizadas, e algumas experiências [16] estão ocorrendo, mas o tema de ser uma paróquia, hoje, em uma cidade, ainda não está, totalmente, presente na agenda pastoral das igrejas locais italianas.
A conversão pastoral, premissa inevitável para a pastoral em uma cidade grande, passa pela superação de duas posições opostas, mas igualmente discutíveis. A primeira é a acomodação ao espírito do tempo, que termina em um relativismo sem ideias nem coração que, argumenta o Papa Francisco, "deixa o homem confiado a si mesmo e emancipado da mão de Deus"[17]; a segunda, é o fechamento institucional, típico de uma cultura sub-eclesiástica, de caráter clerical, que orienta-se somente pelas certezas e tenta se defender, porque vê no mundo uma ameaça e, basicamente, ignora a realidade. O clericalismo é uma dificuldade objetiva que afeta muitas escolhas pastorais, mesmo quando se alimenta de verbalismo e declara sua intenção de mudar para que... tudo permaneça como antes!
A mobilidade, o acesso e utilização dos serviços, o local de trabalho, a própria procura de lugares de socialização produzem uma nova relação com o território, e questionam de forma específica aquele mundo paroquial baseado, por definição, no território de residência dos seus fiéis. Hoje, o bairro não é mais a unidade básica da vida.
Enquanto a paróquia se limitar a uma abordagem territorial, vai continuar a ter entre os seus "usuários" os idosos e as crianças.
Ela pode, e deve, continuar a fornecer um precioso ponto de referência para a cidade; a mera presença física do edifício "igreja paroquial", lembra à cidade o "porquê" do viver e o mantém vivo.
Sua presença diz "ninguém é excluído da Igreja, e até mesmo o membro mais pobre e isolado pertence a uma comunidade cristã pelo simples fato de estar em algum lugar". [18]
Pede-se a ela, no entanto, a capacidade de estar com as "portas abertas" para todos os que se aproximam, de se colocar ao serviço da humanização da cidade e de romper com um comportamento exclusivamente territorial e monocelular. Permanece como a "contestação da solidão" que marca a vida da cidade e a "gramática básica" da vida eclesiástica, mas não é "a moldura para o entendimento da cidade", tem necessidade de estar aberta às outras realidades eclesiais presentes no território.
Permitir o questionamento da cidade e das suas mutações tem dado origem a uma série de respostas, variáveis em suas formulações e estruturações, mas assemelhadas pelo desejo de "alastrar-se" fisicamente da "paróquia-estrutura" com os seus serviços relacionados, e ir além dos costumes que caracterizam a vida paroquial: horários, celebrações...
Arnaud Join-Lambert em “Verso parrocchie liquide?” (trad. livre ‘Rumo a paróquias líquidas?’) apresenta algumas experiências. [19]
As citykirchen, presentes principalmente na área alemã, são locais abertos a todos, descritas como "oásis de silêncio", "lugares para o amadurecimento da fé", "lugares de pausa" presentes no centro da cidade, caracterizado, por sua natureza, por uma concentração de serviços, pela densidade de edifícios destinados aos serviços, poucas casas particulares; uma região dinâmica, atrativa, onde se misturam empregados e transeuntes, turistas e clientes. Dependendo do serviço que elas oferecem, assumem diferentes nomes: kulturkirche, jugendkirche, angebotskirche ... [20] "... esses lugares de encontro são marcados pelo belo (exposições, concertos, criações artísticas e culturais, etc.), pelo bem (suporte aos migrantes, às pessoas em situação de desamparo, etc.) e pela verdade (formação, conferências, intercâmbios, etc.). "[21]
O autor cita ainda uma série de experiências definidas como "incubadoras" ou startup. As primeiras são projetos de certa escala, que visam não só a abordagem espiritual, mas acima de tudo o encontro de pessoas em torno de temas comuns. A experiência de Notre Dame de Pentecôte, no adro da Défense, oferece oportunidades de encontro para associações de categorias, com o intuito de facilitar o encontro entre a experiência da fé e da vida profissional. As outras, são lugares onde a atividade econômica (café, albergues...) torna-se uma oportunidade para experimentar a hospitalidade como experiência de encontro e acolhimento.
"Tanto para as incubadoras, como para as startup, o que está em jogo parece ser, principalmente, propiciar e cuidar do encontro. O contato direto e físico com todos, homens e mulheres, que estão longe das paróquias é o objetivo comum dessas iniciativas". [22]
A presença dessas iniciativas exige que a paróquia se reestruture em forma de "rede" e em "comunhão de comunidades" [23]. As mudanças só serão possíveis a partir da aquisição de reais convicções sobre a necessidade de mudar de rumo e adotar atitudes interiores condizentes.
Mais do que essas suas novas estruturações, gostaríamos aqui de indicar o estilo que deveria caracterizar a presença da Igreja e, mais especificamente, da paróquia na cidade.
A presença acolhedora: se a instituição paroquial já não é mais suficiente para comunicar o evangelho no espaço urbano, ela continua a ser, em virtude da sua visibilidade, um lugar onde "qualquer um" pode se abrigar quando quiser. Acolhimento significa atenção às pessoas, abertura autêntica para com os outros, um interesse genuíno pelo que se é, com espírito de generosidade, com um desejo de receber dessas pessoas algo de sua jornada de vida ou de sua experiência de fé. Essa disposição para acolher é cada vez mais necessária quando consideramos o individualismo moderno focado na emergência do sujeito e na terceirização de vida. Os nossos contemporâneos merecem ser acolhidos naquilo que eles vivem, naquilo que eles se tornam, naquilo que eles são. É o primeiro sinal de respeito que eles podem receber da comunidade. "Esse acolhimento de cada indivíduo faz com que sejam reconhecidos como sujeitos; é exatamente o que o indivíduo urbano reivindica como sua essência. Reconhecê-lo, em seguida, como um ator; aquele que aprende a criar sua própria identidade pessoal com os outros. E, finalmente, reconhecê-lo como parceiro; porque está envolvido em um compromisso com os outros". [24]
Uma presença solidária. Inserida no tecido urbano, a paróquia deve obrigatoriamente ser partícipe de seus problemas e dos seus desafios. É dever da comunidade "cultivar a cidade" para que se torne habitável para todos e que cada um possa encontrar seu próprio lugar, especialmente aquelas pessoas que vivem em condições de precariedade. A opção preferencial pelos mais pobres é "a primeira morada de caridade". "Como são belas as cidades - diz o Papa Francisco - que superam a desconfiança doentia e integram os que são diferentes, fazendo desta integração de um novo fator de progresso! Como são encantadoras as cidades que, já no seu projeto arquitetônico, estão cheias de espaços que unem, relacionam, favorecem o reconhecimento do outro!". [25]
Finalmente, uma presença humilde. Um estar presente que escapa aos critérios da eficácia técnica e de viabilidade econômica que domina a vida urbana. É a presença de escuta das pessoas sozinhas na cidade, das pessoas feridas no coração e também no corpo. É respeito consciente e confiante para com os nossos pares, em relação a suas procuras e suas perguntas. É fazer companhia um ao outro ao longo das avenidas movimentadas da cidade, no conhecimento que, ao partilhar o caminho, cada um comunica algo do evangelho em uma "conversa amigável" (Paulo VI) .
Notas
[1] Francisco, Evangelii gaudium, n. 74.
[2] Ivi.
[3] Entre os especialistas que abordam a reflexão sobre as características e as mudanças introduzidas pela cidade, um lugar especial cabe a Z. Bauman; especificamente citamos: Z. Bauman, La società individualizzata. Come cambia la nostra esperienza. Bologna: Il Mulino, 2001; Id., Fiducia e paura nella città. Milano: Bruno Mondadori, 2005; Id., Individualmente insieme. Milano: Diabasis, 2008; além de: L. Migliorini; L. Venini, Città e legami sociali. Roma: Carocci, 2002; M. Colucci, La città solidale. Elementi per una nuova dinamica della qualità urbana. Milano: Franco Angeli, 2001; P. Ceri, La società vulnerabile. Quale sicurezza, quale libertà. Roma-Bari: Laterza, 2003; C. Giaccardi; M. Magatti, L’Io globale. Dinamiche della socialità contemporanea. Roma-Bari: Laterza, 2005.
[4] J.-L. Nancy, La città lontana. Verona: Ombre Corte, 2002, p. 43-48.
[5] Ivi, 47-48.
[6] M. Magatti, “Sulla nuova questione urbana. Dalle periferie ai quartieri sensibili”, in Caritas Italiana (org.), La città abbandonata. Dove sono e come cambiano le periferie italiane. Bologna: Il Mulino, 2007, 22.
[7] Cf. M. Foucault, Eterotopia. Luoghi e non luoghi metropolitani. Milano: Mimesis, 1994.
[8] Ivi, 13.
[9] Cf. Z. Bauman, Vite di scarto. Roma-Bari: Laterza, 2004. Relembramos aqui a cultura do desperdício e a luta contra a mesma como um dos eixos de sustentação do magistério do Papa Francisco.
[10] Francisco, “Discorso ai partecipanti al I Congresso della pastorale delle grandi città”, in L.M. Sistach (org.), La pastorale delle grandi città. Atti del I Congresso internazionale. Cidade do Vaticano: LEV, 2015, 319.
[11] Lembramos o projeto Ventidue chiese per ventidue concili proposto pelo Cardeal Montini, em Milano, no ano de 1961, para responder à necessidade de novas igrejas devida ao crescimento imobiliário e demográfico da cidade, ou a iniciativa promovida pela diocese de Roma, em 1990, 50 chiese per Roma 2000. Cf. C. Gnech (org.), Ventidue chiese per ventidue concili, Comitato per le nuove chiese, Milano, 1969; C. De Carli (org.), Le nuove chiese della diocesi di Milano 1945-1993. Milano: Vita e Pensiero, 1994.
[12] G. Frosini, Babele o Gerusalemme? Teologia delle realtà terrestri, 1: La città. Bologna: EDB, 2007, 11-12.
[13] Cf. L. Bressan, La parrocchia oggi. Identità, trasformazioni, sfide. Bologna: EDB, 2004, 77s.
[14] Francisco, Evangelii gaudium, n. 28.
[15] Cf. Dieu en ville. Évangile et Églises dans l’espace urbain. Textes du Congrès de la Sociéte internationale de théologie pratique. Outremont (Québec): Novalis, 1998; G. Routhier – A. Borras (org.), Paroisses et ministère. Métamophorses du paysage paroissial et avenir de la mission. Montréal: Médiaspaul, 2001; “Défis actuel de la pastorale urbaine. Arriver en ville”, in Lumen vitae 56(2011), 362-447; L.M. Sistach (org.), La pastorale delle grandi città. Atti del I Congresso internazionale. Cidade do Vaticano: LEV, 2015.
[16] Cf. A. Join-Lambert, “Verso parrocchie ‘liquide’? Nuovi sentieri di un cristianesimo per tutti’, in La rivista del clero italiano 96(2015), 209-223.
[17] Francisco, Discorso ai partecipanti al I Congresso della pastorale delle grandi città, 319.
[18] F. Moog, “La conversion missionnaire des communautés paroissales. Un défi pour la nuovelle évangélisation”, in Lumen vitae 67(2012), 206.
[19] Cf. Join-Lambert, Verso parrocchie ‘liquide’?, 212-214. A categoria de “líquidez” – formulada por Z. Bauman para descrever a sociedade contemporânea – utilizada pelo autor para interpretar as relações sociais, torna-se uma premissa fundamental para “propor algumas hipóteses para que o Evangelho possa continuar a ser anunciado a todos, nos menores recantos da sociedade ocidental, segundo as modalidades de socialização e as expressões culturais dos nossos tempos” (Ivi, 221).
[20] Cf. citykirchenprojekte
[21] Join-Lambert, Verso parrocchie ‘liquide’?, 213.
[22] Ivi, 214.
[23] A essas novas formas é dedicado o artigo de A. Bonora “La parrocchia come rete”, in Orientamenti pastorali 6(2016), 49-58.
[24] A. Borras, “La comunicazione del vangelo nella grande città: spazi, agenti, condizioni”, in Sistach (org.), La pastorale delle grandi città, 198.
[25] Francisco, Evangelii gaudium, n. 210.
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Paróquia e cidade, uma contestação à solidão - Instituto Humanitas Unisinos - IHU