17 Janeiro 2017
A crise no sistema carcerário, que explodiu neste ano de 2017, deixou, em 15 dias, mais de 130 mortos. Em dez episódios diferentes ocorridos em oito estados (Alagoas, Amazonas, Paraíba, Paraná, Santa Catarina, São Paulo, Rio Grande do Norte e Roraima), muitos deles ligados à guerra de facções que ocorre nos presídios, 133 pessoas morreram.
A reportagem foi publicada por Deutsche Welle, 17-01-2017.
Os casos escancaram o problema do encarceramento em massa, que faz o Brasil, segundo país que mais prendeu em 15 anos, ter a quarta maior população carcerária do mundo. Na reportagem a seguir, Jean-Philip Struck, da agência de notícias Deutsche Welle, elenca seis medidas indispensáveis para reverter esse cenário, na avaliação de diferentes especialistas. Confira:
Cerca de 40% dos mais de 600 mil presos no Brasil ainda não foram julgados. Segundo a ONG Conectas, muitos desses presos têm acesso restrito à Justiça e cometeram crimes sem gravidade e poderiam aguardar o julgamento fora da prisão. Em milhares de casos, quando a pena finalmente saí, ela é inferior ao tempo em que o preso esperou pelo julgamento. Milhares de outros acabam sendo absolvidos.
Hoje o sistema prisional tem um deficit de cerca de 250 mil vagas. A saída de uma quantidade significativa de presos provisórios poderia diminuir a superlotação nos presídios, um fator que favorece conflitos. A Justiça já realizou mutirões nos últimos anos para promover audiências de custódia e tentar liberar pessoas, mas a iniciativa tem sido inconstante.
O governo Temer propôs a sua retomada. Só que especialistas afirmam que os mutirões teriam um efeito apenas paliativo. "Apesar de útil, é também uma admissão do fracasso do sistema penal. Eles não seriam necessários se não ocorressem tantas distorções", afirmou o presidente da Comissão de Direitos Humanos da Ordem da OAB em São Paulo, Martim Sampaio.
Segundo analistas ouvidos pela DW, é necessário reformar o sistema de Justiça para combater a lentidão da Justiça e permitir que os presos tenham acesso a formas adequadas de defesa, como a defensoria pública – nem todos os Estados contam com essa estrutura, que é ainda mais rara em presídios. Segundo um levantamento da Anadep (Associação Nacional de Defensores Públicos), faltam defensores públicos em 72% das comarcas do país.
Outro fator para diminuir a superlotação seria aumentar a aplicação de penas alternativas ao encarceramento. Hoje elas são apenas previstas para penas de até quatro anos e raramente são aplicadas para casos envolvendo tráfico de drogas. O aumento da aplicação teria o efeito de evitar que muitos criminosos de baixa periculosidade entrassem em contato com facções criminosas nos presídios.
"Veja o caso da Alemanha, onde 80% das sentenças não implicam em perda de liberdade. Isso já evita jogar uma quantidade imensa de pessoas num ambiente com uma subcultura criminosa própria", afirma o especialista alemão em assuntos carcerários Jörg Stippel.
Segundo a ONG Conectas, se as penas alternativas pudessem ser aplicadas para substituir penas de prisão de até oito anos por medidas alternativas, seria possível reduzir a população carcerária brasileira em 53%. "Uma parte dos juízes ainda remonta a entender que a prisão é como se fosse uma obrigação, quando, na verdade, deveria ser a última alternativa", afirma o advogado Daniel Bialski.
A Lei de Drogas de 2006 (11.343) é uma das principais responsáveis pelo inchaço dos presídios no país. Desde que começou a ser aplicada, o número de pessoas presas por tráfico de drogas cresceu 348%. Segundo dados divulgados pelo Ministério da Justiça em 2014, 64% das mulheres e 25% dos homens presos no Brasil respondem a crimes relacionados às drogas. Antes da lei, os índices eram, respectivamente, de 24,7% e 10,3%.
Especialistas afirmam que, do jeito que está, a lei endurece as penas para pequenos traficantes (muitas vezes dependentes químicos que comercializam drogas) que nem sempre representam perigo para a sociedade. Para reduzir essas distorções, os especialistas pedem ajustes na lei.
Alguns deles vão além e defendem a descriminalização das drogas como uma solução para frear a avalanche de prisões que provoca a superlotação do sistema. "Simplesmente descriminalizando o uso e o consumo você tira 30% das pessoas das cadeias do país", afirma o assessor jurídico da Pastoral Carcerária, Paulo Cesar Malvezzi Filho.
Especialistas apontam que políticas eficientes de acesso ao trabalho e educação nos presídios são uma forma eficaz de combater a reincidência no crime. Mas faltam investimentos nessa área. No Brasil, a percentagem de presos que atendem atividades educacionais é de apenas 11%. E só 25% dos presos brasileiros realizam algum tipo de trabalho interno ou externo.
Para o presidente da Comissão de Defesa dos Direitos Humanos da OAB do Amazonas, Epitácio Almeida, sem a criação de espaços para oficinas técnicas e cursos profissionalizantes nos presídios, que ofereçam perspectivas de um futuro fora da criminalidade, a possibilidade de ressocialização é zero.
Um dos modelos elogiados é o da Apac (Associação de Proteção e Amparo aos Condenados), que funciona em três dezenas de unidades prisionais de Minas Gerais e no Espírito Santo. Na Apac, os presos ficam em contato constante com suas famílias e comunidade e aprendem novas profissões.
Apesar de encararem a construção de novos presídios como uma solução enganosa, especialistas afirmam que as atuais unidades precisam passar por reformas e ter seu gigantismo reduzido para que um controle mais efetivo seja exercido. As Nações Unidas recomendam que um presídio deve ter no máximo 500 vagas. Mas muitos presídios do Brasil extrapolam esse número. O Complexo do Curado, No Recife, por exemplo, abriga mais de 7 mil presos.
Para especialistas, a atual configuração dos presídios brasileiros escancara a ausência do Estado no interior das unidades. Como o Estado falha em prover os presos com proteção e produtos básicos, as facções acabam assumindo esse papel. "A União Europeia, por exemplo, impõe uma série de princípios para as prisões dos seus estados-membros. Os presos têm seu próprio espaço e chuveiro. Têm privacidade. As condições são muito similares às que se têm na vida exterior. Isso é importante para ressocializar e combater a subcultura criminosa nas cadeias", afirma Stippel.
A separação dos presos provisórios dos condenados, e, entre os condenados, a separação por periculosidade ou gravidade do crime cometido está prevista na lei de execuções penais. Na prática, não é o que acontece por causa do sucateamento dos presídios e a superlotação. Segundo especialistas, tais medidas evitariam que réus primários convivessem com criminosos veteranos, diminuindo a entrada de novos membros nas "escolas internas do crime".
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Seis medidas para solucionar o caos carcerário - Instituto Humanitas Unisinos - IHU