07 Janeiro 2017
"O término dos contratos de concessão dos serviços públicos de telecomunicações se deu em 2015, momento em que todo o patrimônio de infraestrutura utilizado pelas concessionárias, de propriedade da União, é dizer, do povo brasileiro, a ela deveria ser revertido (torres, dutos, condutos, postes, servidões, prédios, terrenos, bens móveis etc)", escreve Amadeu Roberto Garrido de Paula, advogado e membro da Academia Latino-Americana de Ciências Humanas, em artigo publicado por EcoDebate, 06-01-2017.
Eis o artigo.
A contundente violação do princípio constitucional da moralidade administrativa (CF, art. 37, cabeça) e da igualdade (art. 5º, I) e da livre concorrência (170, IV), estremeceram nossa vida política no crepúsculo deste ano, para arrematá-lo.
Vejamos:
1. Os serviços de telefonia móvel no Brasil foram outorgados, em seu início, pela União a empresas privadas, por meio de concessão.
2. No direito administrativo, a principal distinção entre concessão e autorização está no caráter contratual da concessão e de ato unilateral da Administração, não oneroso, na autorização;
3. Em síntese jurídica doutrinária, “concedem-se serviços públicos, autorizam-se serviços privados”.
4. O término dos contratos de concessão dos serviços públicos de telecomunicações se deu em 2015, momento em que todo o patrimônio de infraestrutura utilizado pelas concessionárias, de propriedade da União, é dizer, do povo brasileiro, a ela deveria ser revertido (torres, dutos, condutos, postes, servidões, prédios, terrenos, bens móveis etc).
5. No entanto, o prazo foi adiado por duas vezes, estendendo-se até o fim de 2017 (Jornal Valor, 26/12, B5) o que, por si, já representou chapada inconstitucionalidade (STF RE 422591, Relator Ministro Dias Toffoli). Motivo: ao final do contrato, este se extingue, impondo-se aquela devolução e nova licitação em novo concurso de empresas, ficando, no descumprimento, violados os princípios da legalidade e da moralidade.
6. Agora, aproximando-se novamente a hora de a onça beber água, em plenas festividades natalinas, em que interessados remotos e diretos estão desmobilizados e merecidamente desligados de seus interesses políticos e econômicos, bate às portas do Senado Federal um Projeto de Lei Complementar, aprovado não no Plenário da Câmara dos Deputados, mas de sua Comissão de Constituição e Justiça, que leva o nº 79/2016, para votação às vésperas do Natal.
7. Somente não se tornou lei porquanto uma decisão do Ministro Teori Zavascki admitiu um mandado de segurança impetrado por uma dezena de senadores, o qual, embora não tenha deferido de plano a liminar requerida, determinou ao Presidente do Senado a prestação de informações.
8. O PLC “adapta” o regime de concessão em autorização. A primeira observação: se os contratos de concessão estavam extintos, por decurso de prazo, como adaptá-los a outro regime de outorga?
9. Por meio dessa estranhíssima garatuja jurídica, que altera a Lei 9.472, de 16 de julho de 1997, as concessionárias ficam dispensadas de restituir o referido acervo à União, assumindo, em contrapartida, um etéreo compromisso de compensação mediante novos investimentos no setor.
10. Segundo o § 2º do art. 68-B, sob a nova redação imprimida pelo PLC, o processo de adaptação dar-se-á de forma “não onerosa”.
11. Não sendo contratual a autorização, não há mais prazo final.
12. É a infinitude em favor das empresas monopolistas de telefonia móvel no Brasil, controladas por empresas estrangeiras, com a utilização gratuita do patrimônio dos brasileiros.
13. Esse patrimônio foi orçado pelo Tribunal de Contas da União, em 2013, no montante de 105 bilhões de reais. A Anatel apontou 17,7 bilhões. Essa diferença, corrigida, permanece até hoje. Afinal, quem está com a verdade? O TCU se pronunciou no sentido de que “foram identificadas inconsistências nas RBR (bens reversíveis) e no tratamento dado pela Anatel a esses valores depreciados, as quais podem comprometer a confiabilidade, a atualidade e a fidedignidade desses números” (idem, Valor, pg. B1).
14. A diferença, se procedente, pode “colocar o Brasil nos trilhos”. É necessário apurar.
15. O mandado de segurança impetrado pelos Senadores só questiona aspectos formais da tramitação congressual do PLC.
16. O monopólio e o domínio de mercados é vedado pela CF (art. 170, IV, c/c art. 173, § 4º). Este último diz: “A lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros”. O PLC analisado incorre em todas as vedações: o abuso do poder econômico foi politicamente institucionalizado, a supressão de nova concorrência está manifesta na ausência de nova licitação e o aumento arbitrário dos lucros é inerente ao que se propõe.
17. Esclareça-se que temos cerca de 1.000 empresas tecnologicamente capazes de exercer o serviço de telecomunicações, se contarem, em regime de concessão, com a infraestrutura estatal posta a serviço das gigantes que se contam nos dedos. Reunidas, têm pouco mais de 5% do mercado, nas “zonas brancas”, onde estas não revelam interesse. Ao longo desses anos, todas elas foram estranguladas por atos da Anatel.
18. Enfim, monopólios controlados por multinacionais, garantidos pela não licitação e pelo uso gratuito de nossos bens por tempo indeterminado. Desencontro dos números com o TCU e defesa intransigente dos interesses empresariais, e não do Brasil, pelo Presidente da Anatel, Sr. Juarez Quadros. A verificar-se suas condutas e de outros à frente dessa importantíssima agência.
É óbvio que falta ética ao se propor política de austeridade sobre salários dos trabalhadores e benefícios previdenciários, enquanto uma operação política, no mínimo suspeita, poderá corroer significativamente a riqueza nacional.
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Telecomunicações e o Projeto de Lei das Teles - Instituto Humanitas Unisinos - IHU