23 Dezembro 2016
O religioso de origem sarda vive hoje na enfermaria da Cúria dos jesuítas em Roma. “Ele tinha um olhar especial até mesmo para nós, colaboradores temporários”.
Hoje está obrigado a viver em uma cadeira de rodas na enfermaria da Cúria dos Jesuítas em Roma, mas nunca esquece, sempre com o terço nas mãos, de rezar pelo seu antigo superior na época em que vivia na Argentina, “padre Jorge Mario Bergoglio alçado ao trono de Pedro com o nome de Francisco”, como ele gosta de recordar.
A reportagem é de Filippo Rizzi, publicada por Avvenire, 17-12-2016. A tradução é de Luisa Rabolini.
É a rotina diária, cadenciada por alguma visita inesperada, do irmão Salvatore Mura, o jesuíta argentino nascido em 1933, de origem sarda, que acompanhou na função de colaborador e motorista durante seis anos (1973-1979) Bergoglio, que na época era provincial dos jesuítas da Argentina.
“A relação entre nós, desde que se tornou papa, não mudou em nada – confidencia – ele continua sendo a mesma pessoa que eu conheci, com o mesmo jeito de ser humano e de simplicidade que sempre o distinguiram”. O estilo de manifestação e de coragem apostólica de Francisco, aos olhos do Irmão Mura, encontra seu fundamento e a sua raiz de sentido na pregação quase cotidiana desde que ele e tornou bispo de Roma: “Aprendi a orar com ele e com suas catequeses ordinárias, até mesmo ouvindo suas homílias na Casa Santa Marta, isso mostra quais são seus sonhos e as suas expectativas para a Igreja do futuro”.
Pérolas de sabedoria, essas do antigo provincial, que explicam seu “programa” pastoral. “Cada vez que leio e ouço as suas Missas matutinas – acredita o idoso jesuíta – entendo onde ele quer realmente conduzir seu rebanho e quais intuições proféticas estejam indicando o caminho da Igreja...”. Irmão Mura, em seu quarto, está rodeado de fotografias que mostram o sentido da vida e dos seus encontros de sabor especial: aparecem, aqui a ali, até mesmo fotos recentes com o Pontífice, algumas com Pedro Arrupe (o historiador geral da Companhia de Jesus na época do Bergoglio ‘simples jesuíta’); também há imagens do irmão Mura com o cardeal jesuíta Paolo Dezza (confessor de Paulo XI e João Paulo I), de quem esse idoso religioso, agora com 83 anos, foi colaborador próximo até sua morte em 1999.
“A minha vida sempre foi à insígnia do serviço humilde dentro da Companhia e sempre percebi em figuras como o padre Bergoglio um dos jesuítas mais capacitados para entender a função, muitas vezes simples e pouco visível, de nós, irmãos colaboradores temporários”, conta emocionado. No dia do 80º aniversário do seu “superior de longa data” que se tornou bispo de Roma, irmão Mura sente-se à vontade para expressar um desejo: “que o Senhor o conserve em suas mãos como vem fazendo até agora. Que continue a abençoá-lo como agora, que é o sucessor do primeiro entre os apóstolos”.
Irmão Mura na cadeira de roda com o Papa Francisco (Foto: www.avvenire.it)
Irmão Mura – na sua rica coleção de lembranças de impressões sobre seu provincial – não fica nada espantado com uma coisa: “Ainda conversamos ao telefone. São breves conversas, sinais de afeto, a distância, mas profundo. Representam um pequeno gesto de proximidade de padre Jorge com seu irmão colaborador...”. A esse propósito revela um detalhe: “Imagine que Francisco, em setembro de 2013, queria levar-me com ele em sua viagem apostólica na Sardenha. O motivo? Sabia que a minha família era originária de Alghero e eu sempre fui devoto de Nossa Senhora de Bonaria. Recusei o convite por causa das dificuldades da idade. Mas acrescentei: ‘Mesmo assim serei peregrino com minha oração ao seu lado na Sardenha...’”.
O jesuíta vive com gratidão especial à dádiva dessa amizade de caráter especial com o 265º sucessor de São Pedro. “Nunca teria imaginado a eleição a Pontífice – revela – mas muito me consola ver que o papel público não o mudou. É sempre aquele ‘simples padre’, o mesmo que conheci há tantos anos na Argentina”. E observa: “Ambos estudamos com os salesianos e o que sempre chamou minha atenção é sua grande admiração por Dom Bosco e pelas suas intuições no campo da educação”.
Irmão Mura volta com o pensamento aos anos difíceis que atravessou a Companhia de Jesus na Argentina, ao respeito “depositado em padre Jorge por um homem do calibre de Pedro Arrupe”, “à ternura das ligações – que eu intermediava – com as quais a mãe Regina Sivori procurava seu filho, então jovem provincial...”, mas também aquele traço de confidência e estima presente entre ele, simples religioso idoso, e seu superior de tantos anos atrás.
Toda vez que visitava Roma, mesmo quando já era cardeal arcebispo de Buenos Aires, nos separávamos com essa solicitação por parte de Borgoglio: “Irmão Salvatore, assim que puderes faça uma visita a Nossa Senhora na Basílica de Santa Maria Maggiore por mim, e lembre-se de rezar em minha intenção e pela Argentina”. Enquanto as forças e autossuficiência, inclusive motora, assim o permitiram, mantive minha promessa: um pequeno voto de obediência para o meu antigo provincial”.