23 Novembro 2016
“O papa fez um gesto colossal.” A atriz italiana Beatrice Fazi lê as palavras de Francisco e se comove. Quando, aos 20 anos, foi ela quem abortou, no confessionário, não havia um sacerdote que pudesse absolvê-la. “Foi eliminado uma passagem burocrática que criava sofrimento”, comenta.
A reportagem é de Giacomo Galeazzi, publicada no jornal La Stampa, 22-11-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
“Eu me vi grávida e sem orientação. O homem de quem eu estava esperando um filho me abandonou: não queria assumir a responsabilidade de criar uma criança”, conta. “Eu tinha acabado de chegar em Roma, vinda do sul da Itália, onde é difícil confessar aos próprios pais uma coisa dessas, em um contexto em que dar à luz antes do casamento equivale à infâmia e à exclusão social.”
O que significa não receber a absolvição do padre a quem se confessa o aborto?
Uma dor profunda, uma desaceleração no processo interior mais delicada. No domingo, eu assisti ao fechamento da Porta Santa. Durante o Jubileu da Misericórdia, os sacerdotes podiam absolver as mulheres. Eu me perguntei: “E agora que terminou o Ano Santo?”. A decisão de Francisco é a resposta.
Por que era um problema o fato de ter que se dirigir ao bispo?
A mulher ferida consegue com sofrimento confessar o aborto. Até hoje, as leis canônicas impediam que o sacerdote a absolvesse, e era como encontrar uma porta fechada. Éramos encaminhadas pelo sacerdote ao bispo. E, em um momento de fragilidade, isso faz muitas mulheres cair no desespero.
O que muda para uma mulher?
Ao arrependimento, até agora, se respondia com um procedimento: o pedido ao bispo. E era como frear o sopro do Espírito. Ser forçada a parar no próprio percurso, ter que marcar um horário com um bispo acentuava a condição de fraqueza. Muitos se perderam nessa passagem, se sentiram imperdoáveis, acabando por se curvarem sobre si mesmas. É muito mais fácil encontrar um padre do que um bispo.
Você não foi absolvida?
Eu estava sozinha, sentia vergonha e não tinha ninguém para me indicar uma alternativa à interrupção da gravidez. Desde então, a escolha de abortar permaneceu como uma ferida impossível de cicatrizar. Anos depois, eu decidi ir ir me confessar por superstição e medo de que um Deus vingativo e juiz me punisse ou reivindicasse qualquer coisa. O sacerdote não me deu a absolvição, mas me disse que, embora excomungada, eu era chamada à santidade. Uma pedra. O aborto como segredo guardado na gaveta porque eu não conseguia falar a respeito. A angústia de não me sentir perdoada por causa da criança a quem eu impedi de vir ao mundo e que não pôde se defender.
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Perdão do aborto: "Um gesto colossal". Entrevista com Beatrice Fazi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU