15 Novembro 2016
Reações à impressionante vitória de Donald Trump na eleição vieram dos EUA e de várias partes do mundo. Isso inclui Marrakech, no Marrocos, onde a comunidade global está reunida para a mais recente Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas, o COP 22.
A reportagem é de Brian Roewe, publicada por National Catholic Reporter, 11-11-2016. A tradução é de Luísa Flores Somavilla.
Em um comunicado de 9 de novembro, Patricia Espinosa, Secretária-Executiva da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima desde maio deste ano, parabenizou o novo presidente eleito.
"Esperamos cooperar com seu governo para fazer a agenda da ação climática avançar, em benefício dos povos do mundo", disse Espinosa, uma ex-diplomata mexicana.
Em seu comunicado, o Secretário-Geral Ban Ki-moon disse que a ONU "contará com este novo governo para fortalecer os laços de cooperação internacional enquanto reúnem-se esforços para defender os ideais compartilhados, combater as mudanças climáticas, desenvolver na área de direitos humanos, promover a compreensão mútua e implementar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável para alcançar paz, prosperidade e dignidade para todos".
A eleição de Trump, no entanto, abalou os principais envolvidos com as questões ambientais e climáticas. Antes e durante a sua campanha, o empresário de Nova York várias vezes sugeriu que a mudança climática era uma farsa e prometeu "romper", ou "pelo menos" renegociar, o Acordo de Paris - firmado por 195 países na COP21, em dezembro passado. O Acordo de Paris delineia o plano internacional para enfrentar a mudança climática e manter o aumento médio da temperatura global em 1,5 a 2,2 graus Celsius (3,6 graus Fahrenheit), em relação aos níveis pré-industriais. Caso as temperaturas excedam esse limite, segundo os cientistas, o planeta pode entrar em um período de impactos climáticos irreversíveis, incluindo secas mais prolongadas, ondas de calor e incêndios florestais mais intensos e inundações das zonas costeiras devido ao aumento do nível do mar.
Como o COP 22 começou no dia 07 de novembro, 103 nações já haviam firmado o Acordo de Paris, o que representa mais de 70 por cento das emissões de gases de efeito estufa.
"A questão das alterações climáticas diz respeito à preservação da nossa subsistência, de nossa dignidade e do único planeta em que vivemos", disse o Presidente da COP 22, Salaheddine Mezouar, do Marrocos, ao felicitar Trump. "Estamos convencidos de que todas as partes vão respeitar os seus compromissos e manter este esforço coletivo."
Quatro dias antes da eleição dos EUA, o acordo entrou formalmente em vigor, o que significa que agora os países que aderiram ao acordo estão juridicamente vinculados a ele. O acordo bloqueia a saída das partes por três anos, seguidos por um período de espera de um ano.
Ainda assim, o acordo carece de medidas coercitivas, além da pressão internacional, para manter os países firmes em seus planos de ação climática. Alguns temem que se os EUA desistirem de suas promessas, outras nações podem fazer o mesmo, incluindo a Índia, terceiro país que mais polui no mundo
O 2º país que mais polui no mundo, os EUA, aderiu ao Acordo de Paris em setembro, junto com o maior poluidor, a China, e comprometeu-se a reduzir as emissões de gases de efeito estufa em 26 a 28 por cento abaixo dos níveis de 2005, até 2025. Essa promessa representa sozinha cerca de um quinto das reduções de emissões de carbono no acordo, segundo a organização Climate Interactive.
Mais de 97 por cento dos cientistas do clima concordam que o planeta está se aquecendo e que isso se dá, em grande parte, devido à atividade humana. Da mesma forma, o Departamento de Defesa dos Estados Unidos "reconhece a realidade do aquecimento global e o risco significativo que representa para os interesses dos EUA em todo o mundo", afirmando, em um relatório de segurança nacional de junho de 2015, que:
... A mudança climática é uma ameaça urgente e crescente para a segurança nacional, pois contribui para o aumento de desastres naturais, fluxos de refugiados e conflitos sobre os recursos básicos, tais como comida e água. Esses impactos já estão ocorrendo, e seus sentidos, escalas e intensidades devem aumentar ao longo do tempo. ... A mudança climática global terá implicações para os interesses de segurança nacional de grande abrangência em um futuro próximo, pois agravará os problemas já existentes que ameaçam a estabilidade de vários países - como a pobreza, as tensões sociais, a degradação ambiental, as lideranças ineficazes e a fragilidade das instituições políticas.
Desde o início dos registros, em 1880, 15 dos 16 anos mais quentes ocorreram a partir de 2001. Já com o status de primeiro semestre mais quente, 2016 está prestes a se tornar o ano mais quente dos registros, superando 2015.
Se Trump, que também criticou a ONU, cuja sede fica a poucas quadras da Trump Tower, em Nova York, permanecerá fiel ao seu passado de desconfiança sobre as mudanças climáticas e de propostas ambientalmente ameaçadoras ou se isso tudo não passou de uma estratégia de campanha, não há como saber. Um sinal nada animador veio em sua nomeação de Myron Ebell, do Competitive Enterprise Institute, um cético quanto a mudanças climáticas, para liderar sua equipe de transição nacional da Agência de Proteção Ambiental.
"A ciência não pode esperar nenhuma ação positiva a respeito do clima advinda dele", disse Hans Joachim Schellnhuber, diretor do Instituto Potsdam de Pesquisas sobre o Impacto Climático, na Alemanha, e membro da Pontifícia Academia de Ciências, um dia depois da eleição de Trump.
"Agora o mundo tem que avançar rumo à redução dos riscos climáticos e à inovação em tecnologias limpas sem os EUA", disse ele.
O Movimento Católico Global pelo Clima pediu que seus membros confiassem na capacidade de Deus e em sua própria criatividade para levar o novo presidente dos EUA a desistir dessas promessas de campanha. Eles também pediram orações, citando o Papa Francisco, "para que [Trump] ouvisse 'o grito da Terra e o grito dos pobres' e participasse da comunidade internacional, tomando as medidas necessárias para salvaguardar a nossa comunidade da Terra para os seus e os nossos filhos e netos".
Protestos de centenas de jovens da COP 22 em oposição à eleição do populista republicano começaram na quarta-feira. Eles seguravam uma faixa com uma "lista de tarefas do povo" - com o título "do presidente" riscado -, começando com o trabalho pela justiça climática e fazendo eco ao pedido de zero emissões carbono no mundo até 2050.
"Nesta manhã horrível, a juventude norte-americana presta solidariedade global às comunidades do mundo todo que foram afetadas pela injustiça climática e pelo imperialismo dos EUA", disse Ryan Camero, de Stockton, na Califórnia, e delegado da SustainUS, que ajudou na organização da manifestação.
Em uma conferência de imprensa na COP 22 em 10 de novembro, líderes religiosos no movimento pelo clima dos EUA comprometeram-se em manter seus esforços perante a eleição de Trump.
"Independentemente da política norte-americana, as alterações climáticas continuarão a impactar a vida das famílias e das comunidades com as quais nossa igreja está em contato todos os dias", disse o Rev. Jenny Phillips, pastor da Igreja Metodista Unida.
Outras reações de líderes do clima no Marrocos utilizaram argumentos econômicos para Trump não abandonar completamente os esforços em direção a energias renováveis, em uma tentativa de reduzir o aquecimento global e seus impactos desastrosos para os norte-americanos e para todo o mundo.
"O Acordo de Paris do ano passado mostrou que o mundo estava unido em sua preocupação com as mudanças climáticas e seu compromisso com a descarbonização da economia global. O resto do mundo não correrá o risco de uma catástrofe global do clima por causa da oposição de um só homem", disse Mohamed Adow, da Christian Aid do Reino Unido, acrescentando, mais tarde, que a agência está de portas abertas à União Europeia para ser "a cola que une o mundo" na continuidade da ação climática como a principal prioridade.
Tina Johnson, diretora de políticas públicas da Climate Action Network dos EUA, disse que Trump "tem a oportunidade de catalisar novas medidas sobre o clima", o que sinaliza para os investidores a transição "para uma economia baseada em energias renováveis".
"China, Índia e outros concorrentes econômicos estão na corrida para ser a superpotência global de energia limpa, e os EUA não querem ficar para trás", disse ela.
"Não importa o que aconteça, Donald Trump não pode mudar o fato de que as energias eólica e solar estão rapidamente tornando-se mais baratas e acessíveis do que os combustíveis fósseis sujos", disse Michael Brune, diretor executivo do Sierra Club. "Com o mercado e os grupos de base de defesa ambiental nos movendo em direção a formas de energia limpa, ainda há um longo caminho a percorrer para reduzir a poluição do clima, mesmo sob a presidência de Trump."
Ao mesmo tempo, Brune disse que "este é um momento de escolhas difíceis", e caso Trump opte por ignorar a mudança climática e os que defendem novos progressos, “nós garantimos que ele terá a luta mais difícil de sua vida a cada passo do caminho". Desde a noite da eleição, o Sierra Club intensificou drasticamente seus esforços de mobilização e captação de recursos.
Em seu blog Dot Earth para o The New York Times, Andrew Revkin, um grande jornalista ambiental que vem trabalhando com o assunto por mais de três décadas, tentou amenizar a ansiedade dos ambientalistas:
Seria este o fim dos tempos para o progresso ambiental ou, mais especificamente, climático?
Não.
A má notícia sobre a mudança climática é, de certa forma, uma boa notícia:
As principais forças que determinam os níveis de emissão de dióxido de carbono com efeito estufa estarão tão fora do controle do Presidente Trump quanto estavam fora do controle do Presidente Obama. O declínio nos Estados Unidos tem sido principalmente devido ao deslocamento das forças do mercado em direção à geração de eletricidade do carvão para o gás natural, mais abundante e mais barato, juntamente com as normas ambientais sobre os poluentes tradicionais, que até mesmo os conservadores concordaram que precisavam ser restringidos. (Padrões de eficiência e de consumo, assim como outros fatores, têm contribuído também, é claro.)
O Acordo de Paris vai continuar progredindo, acrescentou, em parte devido a uma crescente classe média na China e na Índia que exige que o ar seja mais limpo e o transporte, sustentável. Revkin também observou o comentário de Trump para o ScienceDebate.org de que talvez os EUA devessem se concentrar no desenvolvimento de fontes de energia que possam diminuir a dependência de combustíveis fósseis. (Na mesma resposta, no entanto, ele afirmou: "Ainda há muito a ser investigado no campo da "mudança climática".)
De volta aos EUA, a Catholic Climate Covenant prometeu "trabalhar duro para ser um espaço onde as questões de proteção ao nosso bem comum podem ser discutidas".
"Os fiéis podem e devem estar acima das divisões partidárias pelo bem comum, pelo clima e pela cura da nossa nação. ... Que a comunidade católica seja a instituição - seguindo o exemplo do Papa Francisco - que representa um lugar seguro para discutir as preocupações comuns e onde todos sejam bem-vindos", disse Dan Misleh, diretor executivo, em um comunicado.
A Catholic Climate Covenant, junto com os bispos norte-americanos, tem sido uma voz de apoio ao Clean Power Plan (ou Plano de Energia Limpa), o conjunto de regras para usinas de energia movidas a carvão, criado na administração de Obama pela Agência de Proteção Ambiental dos EUA.
Trump disse que diminuiria tanto o plano quanto os poderes da agência, se eleito - posição essa que foi endossada pela liderança do Partido Republicano no Congresso. Além disso, ele afirmou que, em seus primeiros 100 dias de governo, aumentaria as restrições para permitir que projetos de infraestrutura de energia, como o adormecido gasoduto Keystone XL, fossem retomados, e "cancelaria bilhões de dólares em pagamentos a programas da ONU pelas mudanças climáticas, para que o dinheiro fosse usado no conserto da infraestrutura de água e ambiental dos EUA".
Respondendo à promessa de ressuscitar a Keystone, Jane Kleeb, presidente da Bold Alliance, que ajudou a reunir esforços de resistência, prometeu que o grupo vai parar o gasoduto novamente, acrescentando que numerosos desafios legais e uma diminuição no consumo de petróleo impediria qualquer licença para sua continuidade.
Antes da eleição, Misleh disse ao NCR que os rumos da eleição teriam graves repercussões sobre a sua defesa e trabalho em relação ao Clean Power Plan e às obrigações dos EUA segundo o Acordo de Paris.
"Se o governo estiver em mãos republicanas, eu acho que será necessário defender muito mais essas questões do que se tivermos um governo democrata", disse ele em meados de outubro.
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COP22 começa com declarações cautelosas sobre ideias de Trump a respeito do clima - Instituto Humanitas Unisinos - IHU