28 Outubro 2016
"Em Lund, o papado de Francisco retoma o fio da busca pela unidade a partir de uma dimensão do Corpo de Cristo, que é o Corpo do pobre. Onde tinha sido máxima para Roma a assimetria entre a relação com o Oriente e a relação com os protestantes, Francisco reinventa um ecumenismo no corpo do pobre e do refugiado."
A opinião é de Alberto Melloni, historiador da Igreja italiano, professor da Universidade de Modena-Reggio Emilia e diretor da Fundação de Ciências Religiosas João XXIII de Bolonha. O artigo foi publicado no jornal La Repubblica, 27-10-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O vento é uma grande figura bíblica. É o Sopro que acaricia o mundo vazio, a Voz do silêncio impalpável que fala aos profetas, o impetuoso Respiro que divide o mar da libertação. E é um vento desse calibre bíblico que irá percorrer a Europa e levará o papa de Roma a Lund, na Suécia, lugar de fundação da Federação Mundial das Igrejas Evangélicas – aquelas que o jargão chama de protestantes ou luteranas.
Francisco, de fato, participará de um jubileu não seu: aquele que prepara o 500º aniversário do início da reforma de Lutero (quando, conta-se, foram afixadas as 95 teses na porta da catedral de Wittenberg), com a qual ele manifestava o que é a sede cristã de salvação e a impaciência diante do abuso na Igreja. O gesto de Francisco será "sem precedentes", repetirão todos enfaticamente. Mesmo sabendo que ver um papa fazer algo nunca feito antes já não surpreende mais ninguém. E, de fato, querendo ir até o fim, se poderia dizer que mesmo essa busca usual do inusual poderia parecer uma analogia escorregadia com o registro da política e da sua fome de exploits, e poderia fazer com que o magistério corresse o risco de ser escutado quando faz coisas estranhas e ser ignorado – como acontece, por exemplo, diante da tragédia de Aleppo ou de Mosul – quando anuncia o evangelho da paz.
Na realidade, o que há de histórico no gesto de Lund não está em fazer como favor para a câmera algo de "novo", mas em demonstrar que, no fim do mundo latino-americano, onde a teologia europeia muitas vezes viu amadorismos e perigos, uma Igreja tinha conservado as grandes sementes do Concílio e do século XX, vivas e vitais.
E, entre essas sementes, está o ecumenismo. Um movimento que, no Ocidente, murchou tanto entre cortesias de chefes e negociações entre teólogos que o termo acabou sendo utilizado por muitos charlatães para indicar a relação entre cristianismo e religiões. Mas a semente ecumênica que Francisco traz para o centro do palco foi e é outra: não compromissos mantidos à sombra das relações de força, mas o desejo de experimentar que a Igreja também pode viver uma unidade como tensão que continuamente a reforma e a reúne. Para os católicos, tinha sido uma gigantesca conversão da utopia do "retorno" dos irmãos separados à Igreja do papa em busca. Na qual a maior ou menos proximidade ritual e doutrinal constituía um banco de provas: Roma pararia no diálogo aparentemente mais "fácil" com a Ortodoxia ou buscaria a unidade também com as Igrejas da e depois da reforma?
Essa pergunta marcou a primavera ecumênica do catolicismo romano: e teve um grande peso no diálogo católico-luterano. O centenário do nascimento de Lutero, em 1983, foi a oportunidade para um primeiro grande passo: graças a um trabalho histórico intenso, a intensidade cristã de Lutero recomeçava a falar a ambas as Igrejas. Libertava Lutero dos mitos e dos antimitos, e entregava a todas as Igrejas a paixão de um homem que, depois de um século em que a reforma esperada por todos tinha sido adiada, a alimentava a seu próprio risco e perigo, considerando como todo compromisso impossível em vista da salvação.
Esse testemunho luminoso e impetuoso, porém, não levou a passos de comunhão entre as Igrejas: nem mesmo o fundamental acordo sobre a Doutrina da Justificação de 1999, que reconhecia que as duas doutrinas sobre as quais os cristãos tinham se dividido e matado eram compatíveis e convergentes, tinha sido seguido por gestos de comunhão efetiva. Fornecendo argumentos não pequenos àqueles que consideravam que o ecumenismo tinha chegado ao fim: ou porque tinha conseguido o enorme resultado de desarmar cristãos que tinham se odiado e que aprendiam a se estimar; ou porque tinha fracassado a unidade do altar, celebrando ainda e sempre eucaristias divididas.
Em Lund, portanto, o papado de Francisco retoma o fio dessa busca: a partir de uma dimensão do Corpo de Cristo, que é o Corpo do pobre. Onde tinha sido máxima para Roma a assimetria entre a relação com o Oriente e a relação com os protestantes, Francisco reinventa um ecumenismo no corpo do pobre e do refugiado.
Esse fato, que será um dos conteúdos da declaração de Lund assinada pelo papa de Roma e pelo presidente da Federação Luterana Mundial, pode ter dois significados: encontrar mais uma vez uma forma de evitar o problema de fundo – ou seja, quanta unidade doutrinal é necessária para poder celebrar a mesma Eucaristia; ou um modo de abrir esse capítulo a partir de um corpo no qual há uma presença real de Cristo. À espera de que, a partir dessa submissão à verdade cristã, sopre outro Vento que vai dar à Igreja aquela unidade que não serve para levantar pretensões mais violentas, mas para mostrar ao mundo que é o sopro do perdão que impede o seu colapso sob o peso da crueldade e da indiferença humana.
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No sinal dos pobres e refugiados: a viagem luterana de Francisco. Artigo de Alberto Melloni - Instituto Humanitas Unisinos - IHU