19 Outubro 2016
Os sites tradicionalistas desencadeiam uma espécie de "ciberguerra" contra as ações do Papa Francisco. Quais são os sites e quem são esses superintegralistas "católicos"? Conversamos a respeito com Giacomo Galeazzi, vaticanista do jornal La Stampa, autor, junto com Andrea Tornielli, de uma investigação sobre aquela área eclesial que vive de ressentimentos nostálgicos contra o Vaticano II e a modernidade.
A reportagem é de Pierluigi Mele, publicada no sítio Rainews, 18-10-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Galeazzi, você e Andrea Tornielli foram autores de uma bela investigação jornalística sobre a resistência (ou a dissidência) ao Papa Francisco, publicada nos últimos dias no Vatican Insider, queremos aprofundar alguns dos pontos da sua investigação. Comecemos fazendo um pequeno mapa: onde se situa mais a área da dissidência?
Há um mês, quando começamos a nossa viagem na galáxia dos opositores de Bergoglio, logo aplicamos um método muito rigoroso. Encontros, conversas, visitas: tudo gravado, escrito, inatacável. E, de fato, depois da publicação da nossa investigação, as reações dos sites ultratradicionalistas devem se agarrar aos espelhos da conspiração, porque não têm elementos para contestar nem mesmo uma vírgula daquilo que relatamos. Nós mergulhamos durante semanas em uma frente eclesial, política e cultural que, na web e nos círculos, une "leguistas" [da Liga Norte, partido de extrema direita italiano], nostálgicos de Ratzinger, inimigos do Concílio. Por exemplo, na sua página oficial no Facebook, Antonio Socci defende que Bento XVI não quis realmente renunciar, mas ainda se considera papa, querendo, de algum modo, compartilhar o "ministério petrino" com o sucessor. Interpretação que o próprio Ratzinger desmentiu.
A dissidência se manifesta mais não só com livros, mas também, como você já disse, com o instrumento da web. A rede se torna, assim, a arma para desencadear a oposição a Francisco. Pode nos dar alguns nomes dos principais opositores?
O que mantém unida a galáxia da dissidência é a aversão a Francisco. É uma área variada que vai dos lefebvrianos que decidiram "esperar por um pontífice tradicional" para voltar à comunhão com Roma aos católicos "leguistas" que contrapõem Francisco ao seu antecessor Ratzinger e lançam uma campanha "O meu papa é Bento". Há os ultraconservadores da Fundação Lepanto e os sites próximos de posições sedevacantistas, convencidos de que Socci tem razão ao defender a invalidez da eleição de Bergoglio apenas porque, no conclave de março de 2013, uma votação tinha sido anulada sem ter sido escrutinada. O motivo? Uma cédula a mais inserida por engano por um cardeal. A votação tinha sido imediatamente repetida, justamente para evitar qualquer dúvida e sem que nenhum dos purpurados eleitores levantasse objeções. Nessa galáxia, também há prelados, e intelectuais tradicionalistas assinam abaixo-assinados ou protestam contra as aberturas pastorais do pontífice argentino sobre a comunhão para os divorciados recasados e sobre o diálogo com o governo chinês.
Qual o peso dessa área?
Depois da publicação da nossa investigação no La Stampa, um grande colega do jornal Avvenire, Luigi Rancilio fez-se exatamente esta pergunta: quantas pessoas estão envolvidas nessa frente anti-Bergoglio na web? Assim, ele analisou o tráfego dos blogs e dos sites citados em setembro, usando SimilarWeb (que pode não ser 100% exato, mas é muito confiável). Aqui estão os resultados: La Nuova Bussola Quotidiana, uma média de 11.200 leitores por dia. O blog de Antonio Socci, média de 6.833 leitores diários. Il Timone, média de 3.253 leitores diários. O blog de Sandro Magister na L’Espresso, média de 2.870 leitores diários. Riscossa Cristiana, média de 2.440 leitores diários. Unavox, média de 1.456 leitores diários. O blog do Pe. Giorgio De Capitani, média de 730 leitores diários. O blog Chiesa e Postconcilio, média de 284 leitores diários. Rosso Porpora, média de 57 leitores diários. Mesmo fingindo que nenhum desses sites ou blogs tenha leitores em comum (o que é impossível), estamos falando de cerca de 29.123 pessoas por dia. Portanto, o Papa Francisco pode dormir tranquilamente. A dissidência contra o papa une pessoas e grupos muito diferentes e não comparáveis entre si.
A linha pastoral de Francisco, que, no rastro do Vaticano II, propõe uma eclesiologia inclusiva (a visão da "Igreja como hospital de campanha"), é contestada por alguns cardeais e por uma parte da Cúria Romana. O que contestam ao Papa Francisco? Qual é a crítica mais feroz do ponto de vista teológico?
Um dos principais centros de resistência, de acordo com o historiador ultratradicionalista Roberto De Mattei (presidente da Fundação Lepanto) é o Instituto João Paulo II para a Família. Na mira dos críticos também está a contribuição que a política migratória de Francisco, na opinião dos seus detratores, fornece para a desestabilização da Europa e para o fim da civilização ocidental. Entre aqueles que são considerados estrelas-guia por parte desse mundo, estão, sobretudo, o purpurado estadunidense Raymond Leo Burke, patrono dos Cavaleiros de Malta, e o bispo auxiliar de Astana, Athanasius Schneider. Os bispos católicos no mundo são mais de cinco mil, lembrou-nos o sociólogo Massimo Introvigne. A dissidência consegue mobilizar uma dezena, muitos dos quais aposentados, o que mostra precisamente a sua falta de consistência.
Vimos que a rede se torna o grande contêiner onde se abriga o ressentimento, a deslegitimação (e, em alguns casos, também o ódio) contra o papa. Embora entre diferenças de posições, parece haver uma "direção" comum que alimenta essa dissidência. É verdade? Ou é uma visão "conspiratória" imaginar isso?
Introvigne defende que essa dissidência está presente mais na web do que na vida real e é sobreavaliada: de fato, há dissidentes que escrevem comentários nas redes sociais debaixo de quatro ou cinco pseudônimos, para dar a impressão de serem mais numerosos. E é um movimento que não tem sucesso, porque não é unitário. Existem pelo menos, de acordo com Introvigne, três dissidências diferentes: a política das fundações estadunidenses, de Marine Le Pen e de Matteo Salvini que não estão muito interessados nas questões litúrgicas e morais – muitas vezes, sequer vão à igreja –, mas somente na imigração e nas críticas do papa ao turbo-capitalismo. A dissidência nostálgica de Bento XVI, mas que não contesta o Vaticano II. E a dissidência radical da Fraternidade São Pio X ou de Mattei e Gnocchi, que, ao contrário, rejeita o Concílio e aquilo que veio depois.
Entre os protagonistas, além de teólogos e alguns elementos da hierarquia, há os jornalistas. Entre os mais conhecidos, lembramos: Magister (mais sofisticado), Socci (defensor da tese da invalidade da eleição de Francisco) e Rusconi (tradicionalista de Ticino). Notei a ausência de Aldo Maria Valli, vaticanista do TG1, um dos mais críticos, embora refinado, contra o papa. Por quê?
Fizemos uma fotografia daquilo que existe. Foi um trabalho capilar e extenuante. Certamente, também há outras vozes de dissidência a Francisco. Relatamos aquelas que consideramos como as mais significativas. A dissidência contra o papa une pessoas e grupos muito diferentes e não comparáveis entre si: há os distanciamentos soft do jornal online La Bussola Quotidiana e da revista Il Timone, dirigidos por Riccardo Cascioli. Há a repreensão quase diária ao pontífice argentino divulgada online pelo vaticanista emérito da L’Espresso, Sandro Magister. Há os tons apocalípticos e zombadores de Maria Guarini, animadora do blog Chiesa e Postconcilio, até chegar às críticas mais duras dos grupos ultratradicionalistas e sedevacantistas, aqueles que consideram que não houve mais um papa válido depois de Pio XII.
Não há só a teologia. A dissidência também diz respeito à "política" e até mesmo à "geopolítica da misericórdia" de Francisco. Aqui, o espectro vai dos católicos conservadores estadunidenses (que votam em Trump) aos católicos leguistas que torcem por Putin. Não é absurdo ter Putin como um interlocutor a ser contraposto ao Papa Francisco? Sem esquecer a direita "soberanista". Sobre que base se fundamenta essa insurreição?
Visitamos os lugares e nos encontramos com os protagonistas dessa oposição a Francisco, numericamente limitada, mas muito presente na web, para descrever um arquipélago que, pela internet, mas também com encontros reservados entre eclesiásticos, mistura ataques frontais e públicos com estratégias mais articuladas. Introvigne nos fez notar uma surpreendente característica comum a muitos desses ambientes: é a idealização mítica do presidente russo Vladimir Putin, apresentado como o líder "bom" a ser contraposto ao papa líder "ruim", por causa de suas posições em matéria de homossexuais, muçulmanos e imigrantes. A dissidência anti-Francisco conta com a colaboração de fundações russas muito ligadas a Putin.
Você acha que essas posições têm alguma possibilidade de alcançar um consenso mais amplo na comunidade eclesial?
No livro Il Concilio di Papa Francesco (Elledici), eu pude listar razões e questões que dividem esses opositores de Bergoglio da esmagadora maioria dos fiéis. Entre os inimigos de Francisco, muitos assumem o Vaticano II como o "grande inimigo". Francisco, precisamente por ser o primeiro papa que não participou do Concílio, tem como direção fundamental a realização e a atualização da primavera conciliar. E isso contrasta com o lugar comum de um período histórico da Igreja totalmente concluído e que deve ser celebrado quase com um obséquio retórico obrigatório, mais ou menos convicto, mais ou menos hipócrita. Francisco considera que o Concílio, ao contrário, permaneceu praticamente não aplicado e que, em vez de celebrá-lo ritualmente, justamente, ele deve ser vivido na experiência pastoral cotidiana. A referência ao Concílio me permitiu, também através de um amplo reconhecimento entre as opiniões dos mais influentes protagonistas do debate eclesial, de formular distinções entre termos que se confundem demais para ser esclarecedores. Aqueles que se lembram da diferença essencial, por exemplo, entre miséria e pobreza, para os quais a primeira é indignidade, a segunda é estilo de vida, e o Evangelho diz, de fato, "bem-aventurados os pobres", e não "bem-aventurados os miseráveis". Justamente para contestar assimilações ideológicas ingênuas ou maldosas, é útil recordar as palavras de Francisco que reivindicam a primogenitura da palavra evangélica sobre a importância do "cuidado dos pobres", em comparação com reivindicações marxistas totalmente estranhas à concepção cristã da vida.
Como o Papa Francisco reage a tudo isso?
Francisco é um dom providencial para a Igreja e para o mundo. Basta acompanhar, a cada dia, no Vatican Insider, a atividade de Bergoglio e ver os seus extraordinários efeitos globais para entender o porte histórico do seu pontificado. Àqueles que atacam Bergoglio acriticamente, de cabeça baixa, e, apesar de se chamarem de católicos, chegam a insultá-lo nos sites ultratradicionalistas definindo o Vigário de Cristo como "um monótono palhaço de pouco valor", vale a pena indicar a leitura de O nome de Deus é misericórdia (Planeta), o livro no qual o papa demonstra esplêndida e inequivocamente a Andrea Tornielli como o Evangelho é a única orientação da sua ação. As respostas de Bergoglio a Tornielli dão a entender de maneira inequívoca como o pontífice traz no coração exclusivamente a evangelização. Venenos medíocres e mesquinhos de pequenas poças poluídas não conseguem sequer tocar o grande rio alimentado pelo Espírito Santo.
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A "ciberguerra" contra o Papa Francisco. Entrevista com Giacomo Galeazzi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU