09 Agosto 2016
Em uma das cartas mais fortes do seu epistolário publicado no "New England Spectator" em 1837 (reeditado integralmente no periódico abolicionista "The Liberator"), Sarah Moore Grimké escreveu: "que mulheres tenham sido chamadas ao ministério profético, acho que é universalmente aceito e se os ministros cristãos, como eu gostaria, são os sucessores dos profetas e não dos sacerdotes, então, certamente, as mulheres foram chamadas ao ministério exatamente como os homens, porque Deus, em nenhum lugar, lhes subtraiu a missão de pregar".
A reportagem de Alessandro Santagata para "il manifesto", 05-08-2016. A tradução é de Fernanda Pase Casasola.
Essa mulher, quaker, crescida nas plantações da Carolina do Sul e militante contra a escravatura e a favor dos direitos das mulheres, conhecemos pouquíssimo, especialmente, na Itália. Por isso, é realmente notável o que Thomas Casadei e Ingrid Heindorf realizaram com esta edição crítica (pela primeira vez em italiano), lançada sob a supervisão de Pier Cesare Bori, Poco meno degli angeli. Lettere sull’uguaglianza dei sessi (Pouco menos que os anjos. Cartas sobre a igualdade dos sexos, em tradução livre) (Castelvecchi, 123 páginas).
Impressionam as passagens de algumas destas cartas endereçadas à burguesia branca e escravocrata, orgulhosa da própria moralidade cristã, mas sempre mais secularizada e anestesiada. A autora, que conhece bem as Escrituras, desmonta as construções culturais e "sacrais" com as quais a sociedade pensante justifica a subordinação dos inferiores, ou seja, das mulheres e dos escravos.
À Associação Geral dos Ministros Congregacionais do Massachussetts, por exemplo, explica que a humanidade foi criada à imagem de Deus e que "os criou homem e mulher" (Gênesis, 1, 27): "tratava-se de dar ao homem uma companheira, em todos os sentidos, igual a ele; alguém que fosse como ele, um sujeito livre, dotado de intelecto; alguém que fosse capaz não apenas de participar de suas satisfações animais, mas também de compartilhar todos os seus sentimentos".E ainda: "se Adão tivesse repreendido ternamente a mulher, em vez de dividir a culpa, eu estaria muito mais disposta a conceder ao homem a superioridade que pretende, mas como os fatos são apresentados no histórico religioso, parece que Adão demonstrou tanta fraqueza quanto Eva".
O conceito de Imago Dei, do qual Bori, nos estudos dos seus últimos anos, ilustrou brilhantemente o poder universal e inter-religioso, torna-se então, no pensamento de Grimké, o sustentáculo de um ataque a todos aqueles que negam a igualdade jurídica e política às mulheres. O objetivo final estabelecido é a aquisição do direito ao voto, uma batalha que Grimké, vice-presidente da Associação pelo Sufrágio Feminino, se dedicará até sua morte, em 1873, ao viajar todo o país e expor suas ideias nas praças e nos teatros de mais de oitenta e oito localidades. O impacto desses comícios é significativo, provocando debates violentos e abrindo caminho a uma longa lista de oradoras.
Voltando aos grupos mobilizados nas cartas, como observa Gerda Lerner (The Creation of Feminist Consciousness), o aspecto mais avançado, e, de certa forma, surpreendente para o contexto histórico-social no qual foram escritas, reside na ideia de que o gênero constitua uma variável cultural relativa ao sexo. A questão não é, obviamente, apresentada nesses termos, mas a carta sobre Relação social entre os sexos é reveladora. Escreve a autora: "Nada, acredito, contribuiu mais para destruir a verdadeira dignidade da mulher do que ela ter sido aproximada do homem enquanto fêmea, colocando em segundo plano o ser moral e intelectual. A mulher infligiu uma ofensa a ela mesma aceitando ser considerada dessa forma e agora é chamada a levantar-se da posição onde o homem, não Deus, a colocou".
Também é dura a acusação dirigida ao instrumento do matrimônio, com o qual a mulher "foi privada de alguns de seus direitos essenciais" por meio de leis nas quais "não teve nenhuma voz". Dentre esses dispositivos de submissão - explica Casadei - se encontra a analogia mulher/escravo "com referência a incapacidade jurídica, verdadeira pedra angular do edifício conceitual da autora".
Na perversão do cristianismo, operada pelos homens, Grimké identifica os fundamentos de uma estrutura opressiva que somente a redescoberta do Cristo verdadeiro poderá converter aquele Cristo naquele que "não tem nem escravo nem livre, nem homem nem mulher".
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