25 Julho 2016
As histórias, no seu horror, revelam sofrimentos ocultados durante décadas. "Aquele padre criava ao seu redor uma pequena corte... Me beijava na boca... Todos os sábados, nas reuniões, nós tínhamos que fugir das suas atenções... Durante uma peregrinação a Fátima, ele tentou me estuprar em uma barraca... Muitos pais não acreditavam em nós e nos diziam para não falar assim de um padre... Eu fui abusado... Ele era uma pessoa autoritária e carismática."
A reportagem é de Marco Politi, publicada no jornal Il Fatto Quotidiano, 24-07-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Sentado no escritório de uma pequena empresa de construção em Lyon, na França, eu escuto o jovem empresário François Devaux, 37 anos, Alexandre Hezez-Dussot, operador financeiro de 47 anos, e Bertrand Virieux, cardiologista de 44 anos.
Uma minúscula patrulha dos abusos em massa, cometidos pelo padre Bernard Preynat (foto), por muitos anos um guia reverenciado de escoteiros católicos. Nada menos do que 67 são as vítimas desse predador nos anos 1979 a 1991, que ainda em 2015 exercia tranquilamente o seu ministério sacerdotal na diocese de Lyon. Como se nada tivesse acontecido. Quando os três descobriram a magnitude dos abusos, fundaram a associação La Parole Libérée (A Palavra Libertadora) e pediram, em vão, para serem recebidos pelo papa.
Eu escrevo no caderno o número: 67. Porque é preciso imaginá-las em fila, uma após a outra, enchendo uma sala, as vítimas adolescentes daquelas que o Papa Francisco chamou uma vez de "missas negras" dos abusos, vítimas nunca ressarcidas, nunca alcançadas pela notícia de que o culpado tinha sido punido. François, Alexandre e Bertrand também não podiam acreditar na sistematicidade desses abusos, até que o escândalo deste ano irrompeu em Lyon e se tornou matéria de discussão em toda a França.
Realizar uma reforma radical – como superar a prática secular dos acobertamentos, trazer à tona os abusos, punir de forma exemplar os estupradores e, finalmente, colocar no centro as vítimas, como pedia Bento XVI ainda em 2010 – é uma obra que não pode ser realizada somente no Vaticano. Quando se trata de mudar mentalidades e práxis da hierarquia eclesiástica nos cinco continentes, os papas são muito menos soberanos do que se pensa.
Francisco se comprometeu desde a sua eleição. Ainda em julho de 2013, ele endureceu no Código Penal vaticano as sanções contra a violência sexual e a posse de material de pornografia infantil. Em 2015, criou uma seção judicial especial na Congregação para a Doutrina da Fé, onde podem ser denunciados por "abuso de ofício" os bispos negligentes na perseguição das violências sexuais em suas próprias dioceses. Para guiar a seção, Francisco instituiu um secretário adjunto da Congregação, encarregado de se ocupar exclusivamente da questão. Por fim, há pouco mais de um mês, o papa estabeleceu os procedimentos para remover os bispos que não se mobilizaram para combater os abusos e, por sua negligência, causaram um "grave danos a outros".
Em suma, o marco jurídico para perseguir de todos os modos os culpados dos abusos e os bispos que não intervêm prontamente já existe. Mas fazer leis é apenas o primeiro passo. É preciso que, no âmbito das dioceses e, principalmente, das conferências episcopais – no espírito de descentralização buscado pelo papa –, ponha-se em prática uma política rigorosa de aplicação das normas.
O caso que explodiu na diocese de Lyon é particularmente esclarecedor. Os crimes do Pe. Preynat foram cometidos antes da posse do bispo atual, o cardeal Philippe Barbarin, que chegou à diocese em 2002. Mas, desde o início, o caso traz o estigma do clássico acobertamento. O seu antecessor, o cardeal Albert Decourtray, alertado por alguns pais, afastava Preynat da sua paróquia, prometendo que não lidaria mais com adolescentes. De fato, Preynat acabou em uma zona rural, naturalmente em contato com jovens.
"Ainda em 2014 – conta Alexandre Hezez-Dussot – Preynat estava com crianças: estava ativo como capelão da escola Saint Marc em Cour la Ville e trabalhava no patronato St. Claire de uma colônia de verão em Coteau. Eu informei, pessoalmente, o cardeal Barbarin."
Sim, o cardeal Barbarin. Enquanto ele liderava a diocese, não se tem notícia de nenhum crime cometido por Preynat. O padre lhe prometeu que o passado lhe causava nojo e era uma página virada. Mas o cardeal não o denunciou à autoridade judiciária, como a lei francesa exige expressamente.
Na data relativa ao momento em que ele tomou conhecimento dos crimes de Preynat (naturalmente, todos prescritos, exceto quatro), Barbarin foi contraditório. Primeiro, afirmou ter sabido disso apenas em 2014, depois declarou que isso tinha acontecido em 2007 (e, nesse caso, a sua ausência de denúncia poderia cair em prescrição). Em todos os casos, os seus críticos se perguntam por que ele esperou até 2015 – depois de uma intervenção do Vaticano, ao qual uma das vítimas tinha se dirigido – para afastar o padre predador de todos os seus cargos.
Porque, entre as muitas contradições da história, também existe o fato de que Preynat tinha sido nomeado à frente de um decanato e membro do Centro de Formação dos Leigos da diocese de Lyon (Sedif).
Em maio, o papa declarou ao jornal francês católico La Croix que Barbarin tinha tomado as "medidas necessárias" e definiu-o como uma personalidade "corajosa, criativa, missionária". Mas, diante da Conferência Episcopal Francesa, restam três interrogações pesadas:
Em junho passado, o cardeal Barbarin foi interrogado por dez horas pela polícia de Lyon por, potencialmente, "colocar em perigo a vida alheia". O caso continua.
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Lyon: um cardeal misericordioso demais com o padre abusador - Instituto Humanitas Unisinos - IHU