09 Junho 2016
A partilha de experiências é a melhor forma de compreender as várias fés. O jejum é uma oportunidade válida, porque, partindo o pão juntos, convidando os não muçulmanos ao iftar, demonstra-se que o Ramadã não tem nada de sinistro ou de estranho.
A opinião é do prefeito de Londres, Sadiq Khan, em artigo publicado no jornal La Repubblica, 07-06-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Realmente é preciso tanta coragem para ser o primeiro prefeito muçulmano e não ter medo de sê-lo? Eu não me defino como um político muçulmano; não sou um porta-voz ou um líder muçulmano, e é importante esclarecer isso, porque, caso contrário, acabamos sendo definidos unicamente pela própria fé.
Todos nós temos mais de uma identidade – eu sou londrino, filho e pai – e a Câmara Municipal não é um púlpito. Mas estou ciente de que o início do Ramadã é uma grande oportunidade para agir dentro da comunidade e romper o mistério e a suspeita que cercam a religião muçulmana.
Quem não tem amigos muçulmanos e do Islã só conhece aquilo que vê na TV, nos noticiários, e pode inconscientemente associar isso os homens de barba e com raiva que fazem ou dizem coisas terríveis, pensando que não é nada de mais. Portanto, coloquei como prioridade para mim mesmo, neste mês, ir construir pontes, hospedando jantares de quebra do jejum em toda a cidade nas sinagogas, nas Igrejas e nas mesquitas.
A partilha de experiências é a melhor forma de compreender as várias fés. O jejum é uma oportunidade válida, porque, partindo o pão juntos, convidando os não muçulmanos ao iftar, demonstra-se que o Ramadã não tem nada de sinistro ou de estranho.
Nos tempos da minha infância, era preciso explicar às pessoas por que se renunciava ao alimento. Hoje, em uma cidade cosmopolita como Londres, há mil anos sede de trocas comerciais, de ideias, de povos e de culturas, quase todos conhecem alguém que, neste mês, vai jejuar, talvez no local de trabalho ou no círculo de amizades.
Perguntem-lhes como funciona! É bonito quando alguém dedica até mesmo apenas um minuto para entender o que você faz. É importante. Alguns dos meus amigos jejuaram por solidariedade – não durante todo o dia, talvez, mas é um belo gesto.
Neste ano, o jejum será particularmente desafiador. O Ramadã, todos os anos, é antecipado em 12 dias, com base no calendário lunar, e agora cai em pleno verão. Várias vezes, jejuaremos por 19 horas seguidas. É assustador. A minha agenda está repleta de compromissos – aproxima-se o referendo sobre a União Europeia e pode ser que eu seja obrigado a começar o meu jejum no palco de um evento com um copo de água.
No ano passado, durante o Ramadã, eu estava envolvido nas eleições primárias e tive que realizar comícios em jejum, lutando contra o calor. Faz parte do jogo. Não é preciso mudar de estilo de vida, porque, caso contrário, esvazia-se o objetivo do jejum e o sacrifício.
Obviamente, o Islã prevê a exoneração do jejum quando prejudica a eficiência na atividade, como no caso de um neurocirurgião ou de um membro das forças armadas, mas a capacidade de resistência física é muito maior do que se imaginava.
Quem me conhece sabe que, durante o Ramadã, eu estou mal, o meu humor fica afetado. Mais do que qualquer coisa, sinto falta da cafeína. Eu participo de uma série de reuniões chatas e preciso de cafeína para me abastecer. Por isso, para me preparar para o Ramadã, eu tentei reduzir o café.
A outra lenda é de que se faz o Ramadã para emagrecer. Não é verdade. Eu o faço para demonstrar que uma pessoa com valores ocidentais e liberais pode ser um muçulmano observante. A minha eleição como prefeito demonstra que Londres está certa de que isso é possível.
Um estudo realizado pela empresa de pesquisas ICM, há alguns anos, constatou que os muçulmanos britânicos são os primeiros do país no âmbito da beneficência e do voluntariado, e eu acho que grande parte disso depende precisamente do Ramadã, um mês de sacrifício, reflexão e humildade. É uma experiência com um forte caráter igualitário.
Como prefeito de Londres, estou mais do que nunca consciente de que, nesta cidade, a quinta do mundo em riqueza, 100.000 pessoas no ano passado foram forçadas a recorrer aos refeitórios dos pobres – e, em certa medida, posso entender o que significa ter fome, embora esteja plenamente ciente de que, ao contrário do sem-teto, no fim do dia, me espera uma refeição abundante.
As figuras públicas muçulmanas têm um papel específico: tranquilizar, demonstrar que somos pessoas normais. Não porque somos mais responsáveis, mas porque somos mais eficientes. Não é preciso gritar isso, é preciso compartilhar as experiências. A nossa cidade é a mais heterogênea do mundo, mas as pessoas não se misturam quanto poderiam. Quero que as pessoas possam se sentir parte de um todo.
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O meu Ramadã como prefeito de Londres. Artigo de Sadiq Khan - Instituto Humanitas Unisinos - IHU