31 Mai 2016
Durante muito tempo, os diáconos se queixaram por serem o "clero esquecido" da Igreja Católica, geralmente ofuscado pelos bispos e padres, apesar do fato de que há agora cerca de 45.000 diáconos católicos permanentes em todo o mundo.
A entrevista é de Ines San Martin, publicada por Crux, 28-05-2016. A tradução é de Luísa Flores.
Ao mesmo tempo em que essa negligência pode ser verdade na maioria das vezes, maio de 2016 é um breve e brilhante momento de sol para o diaconato - um mês que começou com uma bomba papal sinalizando abertura para a ideia de diáconas mulheres e que termina neste fim de semana com uma celebração jubilar dos diáconos em Roma.
Milhares de diáconos de todo o mundo viajaram para a Itália para participar de um encontro de três dias, que inclui sessões de formação, oração e uma missa de encerramento com o Papa Francisco no domingo.
À frente do evento, a Crux falou sobre todos os âmbitos diaconais com o Diácono Willian T. Ditewig, ex-diretor executivo da Secretaria para o diaconato na Conferência dos Bispos dos Estados Unidos e atualmente professor de teologia na Universidade de Santa Clara, bem como diretor de formação na fé, o diaconato, e planejamento pastoral para a Diocese de Monterey, na Califórnia.
Embora ele não tenha viajado a Roma desta vez, Ditewig, que é casado e tem quatro filhos e 12 netos, liderou uma delegação de diáconos americanos para o seu jubileu em 2000 durante o papado de São João Paulo II.
Eis a entrevista.
Qual foi sua reação quando você descobriu que um jubileu de diáconos seria um dos poucos "grandes" eventos do Ano Santo da Misericórdia?
É sempre emocionante enquanto diáconos quando obtemos algum tipo de aceno do papa. O que eu senti era que este era mais um desafio do que um reconhecimento. É uma chamada para que nós diáconos pensemos sobre o quanto estamos exercendo um ministério de misericórdia no que fazemos. Acredito que os oradores, neste fim de semana, e o Santo Padre, destacarão muito sobre a liderança esperada de nós no papel de misericórdia.
Qual é o "papel de misericórdia" para os diáconos?
Eu acho que há sempre a necessidade de que sejamos o mais concretos possível. O papel do diácono é oferecer às pessoas as consequências concretas para a nossa fé. O que fazemos na missa, o fim litúrgico e sacramental das coisas é importante, vital, mas como podemos especificamente estender a misericórdia, como o bom samaritano que o Papa frequentemente traz quando fala sobre a misericórdia?
Concretamente, como podemos curar as feridas das pessoas? Como podemos cuidar delas? Como fazemos o acompanhamento?
Para muitos de nós no ministério, podemos dar às pessoas um pouco de comida para comer, mas onde estamos um mês depois? Fazemos o acompanhamento dessas pessoas? Eu sei que na minha experiência de 26 anos como diácono, este é um dos meus maiores defeitos. Uma coisa é prestar a assistência, e outra é manter-se em contato.
Essa parece ser uma falha para a Igreja em geral ...
Acho que sim. Mas isso também faz parte do papel do diácono, relembrar a Igreja de sua própria identidade.
Muito do que eu escrevi no passado é que a única razão que faz com que tenha sentido sermos diáconos está dentro do contexto mais amplo de uma igreja que serve. Refiro-me aos diáconos como líderes servidores em uma Igreja serva. Temos sacerdotes ministeriais que nos lembram de que somos todos sacerdotes por batismo. Precisamos de diáconos para nos lembrar de que somos todos diáconos por batismo também. É algo que estamos todos chamados a fazer, sendo exigidos ou não.
Embora a tradição dos diáconos seja quase tão antiga quanto a Igreja, seu papel não foi formalmente instituído até 1960, como resultado do Concílio Vaticano II. Por esta razão, muitas pessoas ainda não sabem o que é esta vocação. O que você diria que é a principal prioridade para diáconos permanentes hoje?
Eu acho que isto retorna à noção de concretude. Por um milênio ou mais, o modelo instituído de ministério tem sido o sacerdócio. Eu acho que isso é bom, isso é maravilhoso, e eu nunca diria algo que minimizasse o papel do padre. Mas, ao mesmo tempo, só tivemos os últimos 50 anos para realmente falar sobre como diáconos são diferentes.
Eu acho que nós estamos entrando agora no imaginário do público. Temos muito trabalho a fazer no sentido de que no imaginário do público não estamos numa fase em que as pessoas dizem, "Quando eu crescer, eu quero ser um diácono!"
Um dos grandes desafios para nós é permitir-nos ser incorporado a esse quadro completo da vida religiosa. Eu acho que a nossa forma de fazer isso é através do serviço ativo concreto.
Nos EUA, durante muitos anos, a proporção foi de que lá estava 50 por cento dos diáconos de todo o mundo. Essa proporção está mudando, não porque somos menos, mas porque está crescendo em outros países.
Muitas pessoas ainda vêm até nós como diáconos e dizem: "Quando você vai ser ordenado?" - ou seja, para o sacerdócio. Nós ainda não fomos assimilados à vida religiosa. As pessoas ainda pensam em diáconos como parte do sacerdócio.
Como você explicaria o que são diáconos?
Diáconos devem ser o sinal de Cristo como servo, enquanto os padres são o sinal de Cristo como sacerdote. Mas juntos, trabalhando em complementaridade, é que pode-se obter uma imagem mais completa de Cristo. Devemos ser o lado do servo, não o elevado lado sacerdotal.
[Por causa de uma falta de padres], às vezes os diáconos se colocam em ou recebem pedidos para que façam atividades que na verdade não devemos: nós não somos sacerdotes, e não somos substitutos dos padres. Há várias coisas que por estarmos ordenados podemos fazer, e queremos fazê-las, porque você não seria um diácono se não quisesse ajudar.
Há uma crescente compreensão [dos diáconos], assim como há uma crescente compreensão do papel dos leigos desde o Vaticano II. Antes disso, as pessoas não pensavam em leigos como ministros, mas desde o Vaticano II isso tem mudado e tem havido uma apreciação crescente e sofisticação dos leigos, e o mesmo [é verdade] para o diaconato.
Você diria que há diferença na forma como os últimos três papas têm falado sobre o diaconato permanente?
Sem dúvidas. João Paulo II tinha muito a dizer sobre o diaconato. Parte do que, creio eu, tem a ver com o fato de que a Alemanha tem uma forte influência sobre o diaconato e eu acho que, com o cardeal [Joseph] Ratzinger aconselhando João Paulo II, [seu pensamento] refletia muito disso. Eu acho que apesar de sua própria experiência na Polônia [onde os primeiros diáconos foram ordenados na década de 2000], ele tinha coisas maravilhosas a dizer.
Em seguida, com o Papa Bento XVI, como se poderia esperar, havia uma abordagem mais acadêmica, mas sólida. Em sua encíclica, Deus Caritas Est, onde ele cita a seleção dos sete, no livro de Atos como um momento decisivo não só para os diáconos, mas a vida da Igreja, que é onde a noção de diaconia torna-se uma parte intrínseca de quem somos: nós não podemos nos denominar Igreja, se não formos uma Igreja serva. Penso que foi este o seu posicionamento.
E Papa Francisco?
Ele raramente fala sobre diáconos, e vários de meus irmãos diáconos dizem: "Gostaríamos que ele falasse mais sobre nós".
Sim, seria bom, mas, ao mesmo tempo, [devemos] observá-lo. Eu não posso pensar em um modelo melhor. O exemplo que eu sempre dou é o da Quinta-feira Santa, quando ele lava os pés. Ele toma a estola que usa como um padre e utiliza-a como um diácono. Claramente, ele vê a lavagem dos pés como uma tarefa de diácono - serviço.
Recentemente Papa Francisco disse a uma assembleia internacional de freiras que ele estaria disposto a criar uma comissão para estudar a ideia de diáconas mulheres. O que você acha disso?
O que tenho aconselhado às pessoas é: "Respire fundo", porque é preciso colocar as coisas em perspectiva. Quando eu li o texto completo de seus comentários para as irmãs, fiquei impressionado com sua grande humildade, dizendo: "Eu tenho pensado sobre esta questão, mas não tenho acompanhado o suficiente, eu não sei sobre os estudos atuais, preciso verificar".
Quando o fizer, ele vai perceber que um conhecimento significativo tem sido desenvolvido a respeito disso pela Comissão Teológica Internacional (CTI), que trabalha para a sua própria Congregação para a Doutrina da Fé.
Eu acho que ele tem algumas opções: uma é que ele poderia criar uma comissão para fazer isso, ou poderia simplesmente se dirigir ao Cardeal [Gerhard] Muller [prefeito da congregação] e dizer: "Dê ao CTI uma agenda nova, deixe-os estudar isso de novo, mas diga-me algo concreto em que eu possa me apoiar para ir em frente, um sim ou um não".
Porque, francamente, esta será, pelo menos, a terceira comissão a pensar sobre esta questão.
A criação de uma comissão não significa que algo vai mudar...
Exatamente. Cuidado com o que pedir, porque depois da pesquisa a resposta pode muito bem ser não. Eu acho que precisamos estar preparados para isso.
O fundamental para entender o que surgiu da Santa Sé nos últimos 20 ou 30 anos é que existem duas maneiras de participar do sacramento das Ordens Sagradas: o lado sacerdotal, que é padres e bispos, e o lado diaconal. Isto é o que a Santa Sé diz e o Papa Bento XVI modificou a lei canônica para refletir o que está no Catecismo sobre este assunto.
O que se diz sobre padres, não necessariamente se diz sobre diáconos. Em que ponto a distinção dos dois possibilita algo que não é permitido em outro lugar?
Por exemplo, a maioria de nós que tem escrito sobre isso tem apontado que não estamos falando sobre a ordenação de mulheres para o sacerdócio. Essa é uma questão separada, distinta. Estamos focando na ordenação de diáconos femininos. E não se pode misturar os dois. É um sacramento da Ordem e há distinções.
Ser diácono presume uma vocação para o sacerdócio e ser padre não significa que a pessoa tem uma vocação para ser bispo.
Algumas pessoas parecem acreditar que se a Igreja ordenar diáconas mulheres, em cinco anos alguns pedirá a ordenação sacerdotal feminina. Este é um terreno escorregadio?
Eu sempre acho interessante quando as pessoas utilizam esse argumento, porque é uma avaliação tão negativa. Após 50 anos de diáconos do sexo masculino, não houve uma corrida à cúria dizendo: "Agora me torne padre!"
É uma vocação muito distinta, e isso é algo em que somos muito meticulosos quando formamos diáconos. Dizemos: "Se você está aqui porque a sua vocação é o sacerdócio, mas por ser casado você não pode fazer isso, retire-se agora".
A experiência das últimas cinco décadas demonstra que não, não é um caminho perigoso. Digamos que as leis mudem e as mulheres possam candidatar-se ao diaconato. A primeira coisa que perguntaremos é: "Você tem vocação para o sacerdócio ou para diaconato?"
Se tiver vocação para o sacerdócio, não podemos ajudar.
Meu foco tem sido no próprio diaconato, quando alguns colegas se concentraram em um diaconato feminino. Eu sempre senti que, antes de passar a essa questão, precisamos primeiro ter uma sólida compreensão do que significa ser um diácono de qualquer tipo. Nós temos que ser claros sobre isso para então podermos começar a falar sobre quem é elegível.
Alguns argumentam, por que a Igreja não pode fazer duas coisas ao mesmo tempo?
Temos que dar um passo de cada vez. O importante aqui é: "Será que essa pessoa tem vocação, seja homem ou mulher?"
Quando um homem casado entra no diaconato, sua esposa deve estar com ele durante o processo de formação. Elas não estariam prontas para serem ordenadas também?
A conclusão do curso para se tornar um diácono não dá a ninguém o direito à ordenação. O que está acontecendo, e o que pode mudar, é: "Será que permitimos que essa pessoa discernisse sua vocação?"
Isto não é a obtenção de um grau, é um processo de formação. Até agora, as mulheres não foram autorizadas a passar por este processo.
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Diáconos saem das sombras por um breve e brilhante momento - Instituto Humanitas Unisinos - IHU