30 Mai 2016
Maltratado pela sua fidelidade inteligente à Igreja e à verdade, coube a Loris Capovilla ver Francisco chegar ao papado, a canonização do Papa João XXIII e, por fim, a púrpura de 2014, que o tornou, por um tempo, o padre e o cardeal mais idoso da Igreja.
A opinião é do historiador italiano Alberto Melloni, professor da Universidade de Modena-Reggio Emilia e diretor da Fundação de Ciências Religiosas João XXIII, de Bolonha. O artigo foi publicado no jornal La Repubblica, 27-05-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Era 1953, ele não tinha 40 anos. Era o padre-jornalista do jornal La Voce di San Marco. Na Itália da reconstrução – a do padre Mazzolari, de Gedda, de Moro –, ele contava, a partir das suas colunas, a vida de uma diocese pequena, mas com o brasão patriarcal. Quando lhe chegou, em fevereiro, a notícia de que o novo patriarca (de Veneza) era Angelo Giuseppe Roncalli, núncio na França há alguns anos, ele partiu para Paris. Ele era Loris Francesco Capovilla, nascido em 1915. Roncalli o recebeu junto com a delegação da cidade e não prestou muita atenção nesse padrezinho do qual erra o nome nas suas intermináveis Agendas (Colavilla por Capovilla).
Mas ele decidiu assumi-lo como secretário. Mas, naquele encontro, começou a outra vida ou, melhor, "a" vida do padre Loris. Durante cinco anos abundantes ao lado do cardeal candidato natural para um "papado" de transição. Durante cinco anos escassos ao lado do Papa João XXIII, quando, efetivamente, a "transição" ocorreu, mas é a da Igreja das condenações à Igreja do Vaticano II.
Capovilla assumiu um lugar muito delicado, no apartamento sombrio que, sob Pio XII, era o reino de uma sombria freira alemã. "O círculo dos abutres se aperta em torno do carum caput", escreveu o padre Giuseppe de Luca poucos meses depois da eleição de Roncall. E, com os abutres, Capovilla se defrontou, levando ao seu papa resultados notáveis.
Se as relações entre Israel e a Igreja mudaram, isso se deve à astúcia com que ele conseguiu fazer com que Jules Isaac falasse com o papa, apesar de todos os filtros. Foi a ele que Dom Pavan escreveu uma carta, claramente inspirada, a partir da qual nasceria a Pacem in Terris.
Foi a ele que o Papa João XXIII disse aquela frase – "Não é o evangelho que muda, somos nós que começamos a compreendê-lo melhor" – em que está toda a subordinação da doutrina à pastoral, depois de nove séculos. Foi ele quem acendeu a luz do quarto do papa na noite de Pentecostes de 1963, quando, por um instante, o mundo chorou as mesmas lágrimas.
O que fazer com esse secretário órfão de um papa que se tornou incômodo? Paulo VI, por um tempo, manteve-o no Palácio; até porque o Papa João XXIII fez uma escolha avassaladora. Deixou os seus papéis, todos os seus papéis, para Capovilla. Milhares de homilias, de cartas, de despachos, de notas e, principalmente, milhares de páginas de diário, que ele confiou ao secretário, e não ao segredo. Começando por um diário espiritual, "O diário da alma", que relatava o papado na prateleira da espiritualidade, pela primeira vez depois de Gregório Magno.
Capovilla o publicou, com retoques mínimos e inócuos. Hanna Arendt ficou fulgurada e escreveu na New Yorker um artigo memorável: "Um cristão no trono de Pedro". Mas muitos pensaram que no resto dos diários havia sabe-se lá o quê: segredos, obscenidades, revelações. Capovilla sabia que não era verdade, porque não os leu, mas porque conhecia Roncalli. E manteve um segredo com prudência: quando Paulo VI lhe pediu os originais, ele manteve uma fotocópia...
Em 1967, Paulo VI nomeou-o arcebispo de Chieti: parecia o sinal de um episcopado novo e conciliar para a Itália. Em vez disso, como mostrou Enrico Galavotti, Capovilla colidiria contra a Democracia Cristã de Abruzzo, aquela cujas correntes e clientelas se ramificavam até Roma. Cercam-no, isolam-no, obtêm a sua expulsão: em 1971, Paulo VI o envia para Loreto. Tornou-se um bispo guardião de um santuário e do arquivo Roncalli do qual pouco é publicado, mas um pouco que mantém viva a memória do papa que o Concílio não pôde canonizar por aclamação.
A partir de 1981, Capovilla se tornou a referência de uma ninhada de estudiosos alunos de Pino Alberigo que, em uma relação cada vez mais límpida e nunca lisa, convenceu-o a alimentar os primeiros trabalhos históricos sobre João XXIII.
Em 1992, como João Paulo II quis o reconhecimento dos papéis necessários para a beatificação do Papa João XXIII, o arquivo de Capovilla, depois de uma última conversa com Dossetti e outros, abriu-se totalmente. Os diários são publicados – tornar-se-iam dez volumes na monumental edição nacional – e mostram que a linguagem de Roncalli é tão simples a ponto de se tornar dificilíssima.
Capovilla, assim, pode assistir à beatificação do Papa João XXIII em setembro do ano 2000: convencido de que isso devia bastar a ele, maltratado pela sua fidelidade inteligente à Igreja e à verdade. Ao contrário, caberia a ele mais coisas: Francisco, a canonização do Papa João XXIII e, por fim, a púrpura de 2014, que o tornou, por um tempo, o padre e o cardeal mais idoso da Igreja.
Tendo vindo depois de manobras e covardias, esse cardinalato parece mais um ressarcimento do que um reconhecimento: mas, no fundo, ele que, como Papa João XXIII, tinha aprendido a "colocar o próprio eu debaixo dos pés", não lhe dava peso. Reapresentou-se nessa quinta-feira, 26, ao Papa João XXIII, depois de muitas décadas desde aquele primeiro encontro, ainda jovem e bom. Sabe-se lá se Roncalli ainda vai chamá-lo de Colavilla…
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Adeus a Loris Capovilla, o cardeal mais longevo, guardião dos segredos de João XXIII. Artigo de Alberto Melloni - Instituto Humanitas Unisinos - IHU