03 Mai 2016
“Penso firmissimamente que sem o diálogo entre os homens de fé (embora formas de fé diversas) venceria, como hoje infelizmente vence, a única ideologia admitida nesta parte do mundo, a ideologia do mercado, da competitividade e do lucro. E isto não é, para mim, um belo modo de ver”, afirma Fausto Bertinotti, ex-secretário da Refundação Comunista, marxista não arrependido, em mensagem dirigida a Furio Colombo, jornalista, ex-deputado italiano pelo Partido Democrático, publicada pelo jornal italiano il Fatto Quotidiano, 30-04-2016. A tradução é de Benno Dischinger.
Eis a nota.
Caro Furio, como sabes, retribuo a ti os sentimentos de amizade e de estima que tiveste a gentileza de dirigir-me. Aproveito a ocasião para alguma nota de retificação referente ao que me atribuis sobre minha relação com Comunhão e Liberação [1]. Não há nenhuma escolha “subir a bordo da fé” de quem quer que seja, como dá testemunho a minha resposta à pergunta conclusiva da entrevista citada. Permito-me recordá-la. Pergunta: “Sente-se fulgurado pela fé religiosa?” Resposta: “Não, isto seria a negação do diálogo que deve existir entre diversos. Se alguém pensa em fazer-se cooptar, quer dizer que não tem identidade”.
Outra é a experiência do diálogo com respeito àquela da conversão. Penso que o diálogo entre quem crê e quem não crê deva desenvolver-se sem preconceitos e preclusões. Dialoguei diretamente, no mundo católico, com personalidades bastante diversas entre elas, que vão do Cardeal Ravasi ao Arcebispo de Bolonha, Dom Matteo Zucchi, de diversos párocos de Roma aos muitos bispos que têm tido a generosidade de convidar-me a discutir sobre a “Laudato Si’”, de um sacerdote imerso no social, como Virginio Colmegna a quem dirige uma casa editora como Dom Roberto Donadoni. Mas entretive uma relação também com personalidades como aquela de Dom Franzoni, o ex-abade de São Paulo ou, aquela militante, de Frei Betto. Em toda a minha longa vivência política trabalhei com as associações do voluntariado católico, como aquelas do empenho social, das ACLI (Ação Católica dos Trabalhadores Italianos) às muitas presenças católicas no sindicato.
Temos caminhado juntos, também dissentindo, quando se deu o caso. Conheci, mais recentemente, diversas realidades e experiências de CI. Há um pouco de tempo tive a ocasião de desenvolver um confronto intenso, para mim bastante fecundo, com Julián Carrón [2], de quem convidarei, a quem não o tivesse feito, a conhecer as posições expressas, também nestes últimos meses, tanto no campo da fé como sobre a época em que estamos vivendo.
Sei bem que a vida, como tu a chamas, toma corpo na sociedade deste protervo capitalismo. São formas de resistência, de conflito social, de autogoverno, de mútuo socorro, de vida comum. São formas de revolta. Penso que todas elas, por toda parte colocadas, devam perscrutar para poder empreender, junto aos “homens de boa vontade” a via da libertação, para “recomeçar do início”. Como penso, há tempo, que a esquerda, na Europa, não viva mais nas instituições e nas forças políticas, mas ela vive, ao invés, na sociedade. Penso que ela vive nos movimentos, nos conflitos, no insurgir do imprevisto, último o parisiense Nuit debout [Noite de pé].
Sobre Comunhão e Liberação gostaria de propor-te, se me permites, dois temas de reflexão. Primeiro: como toda forma organizada se modifica no decurso da própria história, qual é hoje a realidade de CI? Será que seja a mesma de 10/15 anos atrás? Será que nesta realidade, a influência da presença do Papa Francisco e aquela de sua guia, Julián Carrón, não produzam a experiência de um novo caminho, experiência inspirada por uma fé que não é a minha, mas que sabe ver os males deste mundo e que se propõe entrever, para toda a humanidade, um futuro diverso?
Segundo: eu disse que em CI me impressionou a existência de um povo. Sei que te causará estranheza, mas eu, que permaneço comunista, vi naquilo os muitos traços em comum (as diversidades são demasiado conhecidas para precisar falar delas) com o povo que viveu com as grandes instituições (partido e sindicato) do movimento operário. Uso, como vês, a palavra fé no plural. Creio conhecer suas diferenças.
Mas penso firmissimamente que sem o diálogo entre os homens de fé (embora formas de fé diversas) venceria, como hoje infelizmente vence, a única ideologia admitida nesta parte do mundo, a ideologia do mercado, da competitividade e do lucro. E isto não é, para mim, um belo modo de ver.
Notas
[1] Trata-se de um movimento católico, italiano, conhecido como CL. Nota da IHU On-Line.
[2] Desde 2005 o sucessor do padre Luigi Giussani à frente do Comunhão e Libertação. Nota da IHU On-Line.
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Eu, comunista, explico por que dialogo com os cristãos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU