22 Abril 2016
“A tigrada do offshore ferra a turma do onshore, os que pagam impostos e ainda sofrem as dores dos austericídios aqui e acolá”, escrevem Luiz Gonzaga Belluzzo e Gabriel Galípolo, economistas, em artigo publicado por CartaCapital, 21-04-2016.
Segundo eles, “os indivíduos e empresas mais ricos, aqueles que deveriam pagar mais impostos, são justamente os que têm condições de recorrer a esses serviços e à arquitetura global para evitar pagar o que devem”.
Eis o artigo.
Panama Papers. Desde o crepúsculo do século XIX, as terras que margeiam o famoso canal carregam má fama. Entre 1891 e 1892, a Companhia do Canal do Panamá, sediada em Paris, ruiu fragorosamente e deixou na rua da amargura pequenos e grandes investidores que acreditaram nas proezas de Ferdinand de Lesseps, o herói do outro Canal, o de Suez.
Entre as vítimas, não contavam apenas os que perderam suas modestas economias e cometeram suicídio. Também sucumbiram a reputação de Lesseps, o nome de Gustave Eiffel e a honra de centenas de deputados, ministros e ex-ministros envolvidos nas trapaças da companhia. Não faltaram os senhores da mídia e seus jornalistas.
Ainda hoje, falcatruas e malversações financeiras recebem o carimbo de panamás. Agora, as revelações das offshore.
Em artigo intitulado “Os ricos e seus paraísos”, o Democracy Journal contesta a ideia comum de que o sistema de contas offshore tem em suas origens um nobre propósito, proteger do Terceiro Reich as contas bancárias de clientes judeus. Na Suíça, por meio de contas bancárias que eram identificadas com números em vez de nomes, judeus perseguidos poderiam guardar seu dinheiro longe dos nazistas.
O livro The Hidden Wealth of Nations, do professor Gabriel Zucman, da Universidade da Califórnia em Berkeley, demonstra que o moderno sistema de contas offshore precede o regime nazista e se relaciona a esquemas de evasão fiscal.
Após a Primeira Guerra Mundial, as nações europeias elevaram dramaticamente seus impostos marginais superiores para pagarem dívidas e financiar as pensões de veteranos. Como resposta, os ricos se arrebanharam para a Suíça, onde as práticas bancárias prometiam discrição e a neutralidade política oferecia estabilidade. Entre 1920 e 1929, os ativos estrangeiros na Suíça cresceram 14% ao ano. Em 1930, a taxa de crescimento caiu para 1% ao ano.
Nos anos 1990, uma comissão presidida por Paul Volcker, ex-presidente do Banco Central americano, descobriu que, de todas as contas em bancos suíços abertas por indivíduos não suíços entre 1933 e 1945, apenas 1,5% pertenciam a judeus perseguidos por nazistas. O moderno sistema de offshore e evasões fiscais não emergiu do altruísmo, mas da avareza.
Ao fim da Segunda Guerra Mundial, os Aliados tentaram desmontar e reprimir a estrutura do sistema financeiro suíço, em parte porque o Congresso americano relutava em gastar dinheiro de seus contribuintes no Plano Marshall, que poderia ser financiado pelas fortunas francesas escondidas nos Alpes. Espertamente, os bancos suíços driblaram esses esforços, usando empresas de fachada (shell companies) panamenhas para esconder a origem francesa de certas contas.
A globalização atuou como acelerador desse processo. A (des)repressão financeira conferiu maior liberdade e menor vigilância aos fluxos de capitais para paraísos fiscais. Segundo Zucman, em 1950 cerca de 2% da “riqueza das famílias europeias” estava locada nas offshore em paraísos fiscais; nos anos 1980, esse valor alcançou 5%. Hoje, esse número dobrou, estimado em 10%.
As estimativas são rigorosas e conservadoras, oferecendo valores que, segundo o próprio autor, provavelmente estão subestimados.
Ainda assim, seu estudo denuncia que 7,6 trilhões de dólares, equivalentes a mais que o Produto Interno Bruto combinado do Reino Unido e da Alemanha, ou 8% da riqueza mundial, estão em paraísos fiscais, acarretando perdas em torno de 200 bilhões de dólares ao ano para governos ao redor do globo.
A tigrada do offshore ferra a turma do onshore, os que pagam impostos e ainda sofrem as dores dos austericídios aqui e acolá.
Ao contrário do que se poderia supor, após a crise de 2008 foi observado um incremento significativo no uso de paraísos fiscais. Em Luxemburgo, o fluxo de riqueza estrangeira cresceu 20% entre 2008 e 2012.
Segundo Zucman, há um buraco nas estatísticas. Em 2015, por exemplo, as nações reportaram 2 trilhões de dólares em fundos mútuos em Luxemburgo, mas o próprio país calcula que o resto do mundo detém em seu território 3,5 trilhões. Nas estatísticas globais, o 1,5 trilhão faltante não tem dono. A anomalia revela a medida da riqueza escondida, com origens duvidosas, em paraísos fiscais.
O desvio de impostos por corporações multinacionais é outra preocupação. A discricionariedade para alocar suas operações e mudar seus lucros para países com menores taxações permitiu às companhias americanas evitarem o equivalente a 130 bilhões de dólares em impostos, em uma contribuição para o declínio do nível do imposto corporativo de 30% no fim dos anos 1990 para aproximadamente 20% atualmente.
Em janeiro de 2016 o Comitê de Oxford para Alívio da Fome, a Oxfam, delatou o que chamou de “rede de paraísos fiscais e de uma indústria de evasão fiscal que floresceu nas últimas décadas e representa um exemplo inquestionável de um sistema econômico manipulado para favorecer os poderosos”.
Os indivíduos e empresas mais ricos, aqueles que deveriam pagar mais impostos, são justamente os que têm condições de recorrer a esses serviços e à arquitetura global para evitar pagar o que devem.
A Oxfam analisou 200 empresas, entre as maiores do mundo, e verificou que nove em cada dez delas estão presentes em ao menos um paraíso fiscal, e que esses “investimentos” em 2014 foram quase quatro vezes maiores do que em 2001.
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Aos ricos, o paraíso - Instituto Humanitas Unisinos - IHU