Por: André | 20 Abril 2016
“A gravidade é como uma prefiguração do amor: a força misteriosa e inexplicável da gravidade acaba sendo a força unitiva e criadora do amor”, escreve o teólogo espanhol José Ignacio González Faus, em artigo publicado por Religión Digital, 19-04-2016. A tradução é de André Langer.
Eis o artigo.
Dizem os teólogos que Deus se revela através de Sua Palavra (o testemunho bíblico sobre Jesus) e de Sua criação. Sobre a criação, a única coisa que a Bíblia quer ensinar é que tudo é obra de Deus (e de nenhum outro princípio divino ou diabólico); e que Deus cria “dizendo” (sem nenhuma matéria anterior). E mais tarde, que Deus cria para se comunicar a Si mesmo. O resto, a criação diz por si mesma.
Pois bem, a ciência foi descobrindo que a criação se dá mediante um processo de união-criativa. Após a primeira dispersão inicial (big-bang), aparece uma força de atração, lenta, mas poderosa, que vai produzindo uniões e unidades cada vez mais sérias: partículas que se convertem em átomos, em moléculas, em células, em organismos vivos... até chegar à atração corporal e à atração humana.
A união foi gerando, assim, um processo de crescimento. Ao constatar isso, Teilhard de Chardin intuiu que esse processo deveria ser provocado por uma meta final, que ele chama Ômega, e que é ao mesmo tempo “aglutinante e atraente”. E acreditou constatar que tudo o que se dá nos estágios superiores já se encontrava, “de uma maneira obscuramente primordial”, nos estágios inferiores mais primitivos. E Teilhard dá o seguinte exemplo: a gravidade é como uma prefiguração do amor: a força misteriosa e inexplicável da gravidade acaba sendo a força unitiva e criadora do amor.
A evolução criadora progride então segundo um duplo “parâmetro de complexidade-consciência”: as coisas criadas são cada vez mais complexas, mas, com essa complexidade, aparece a possibilidade da consciência: a possibilidade de não ser apenas coisa inerte, mas sujeito (que sabe que é). Algo disso se reflete na quase infinita complexidade relacional de nosso cérebro.
Mais adiante voltaremos a Teilhard. Agora deixemo-nos empapar pelo milagre e pela maravilha da atração humana. É, talvez, a realidade mais bela da vida e a mais surpreendente. Tentamos justificá-la pelas grandezas que descobrimos no outro pólo: que nos parece “uma pessoa maravilhosa”, genial, etc. Mas, me parece mais exato o contrário: é a mesma dinâmica atrativa da evolução que nos faz descobrir esses valores. Por esta razão, a atração humana deixa de ser cega.
Aqui aparece outra maravilha sobre a qual refletimos muito pouco: o sorriso. Tão elementar, tão fácil, tão agradável. Expressão de que a presença do outro me é gratificante e de uma acolhida minha que também quer ser grata para ele. Mas com o aviso de como pode ser falsificado nos mil sorrisos falsos, que só buscam seduzir-nos ou oferecer-nos um produto. O crescimento na qualidade implica também o crescimento das possibilidades de falsificações.
Assim, com a entrada em cena do homem, a gravidade convertida em atração torna-se muito complexa. Ao chegar ao estágio pessoal, a evolução deixa de ser cega, e passa a ser pilotada pelo ser humano, agora responsável por ela. De modo semelhante, a atração humana torna-se infinitamente complexa: se se reduz à mera atração corporal (como faz a cultura moderna) a atração perde força: poderá ser reprodutora, mas já não será criadora. Se, embora não exclua a atração corporal, a transcende, a atração mantém sua qualidade, mas as coisas também não são fáceis: porque devemos evitar que a atração se converta em domínio, em auto-afirmação, em dependência... e até em choque. Mas se, evitando esses obstáculos, a “gravidade criadora” consegue ir pelo caminho correto, então Teilhard profetiza que a humanidade caminha para formas inéditas de socialismo em comunhão e em liberdade. E escreve isto a partir da pura ciência, à margem das realidades políticas do seu tempo histórico.
A visão da história aí anunciada responde simplesmente ao que foram muitos sonhos da humanidade: evoquemos “a terra sem males”, o paraíso comunista ou o tríplice passo, genial e hegelianamente formulado por Marx: “massa-pessoa-comunhão”... E responde também ao esboço traçado pelo Novo Testamento de uma progressiva conquista de liberdades até acabar no “Deus-tudo-em-todas-as-coisas”.
Mas, o que interessa agora não são as profecias históricas, mas aprender uma dupla lição: a) o amor é uma assombrosa força unitiva e, por isso, criativa: a criação é um processo inacabado de união criadora. E, b) a desastrosa situação atual do planeta Terra coloca a pergunta (e nos lança o apelo) de se estamos em um momento de união criativa ou de desintegração destrutiva. A falsificação do amor e a corrupção da atração em “busca do máximo benefício” nos levaram a um planeta povoado de armamentos implacáveis, super abundantes e destruidores, e a uma Terra gravemente enferma, que não sei se conseguiremos salvar: porque isso exige de nós hoje esforços ingentes e universais. Por esta razão, preferimos fechar os olhos esperando que “logo se encontrará uma solução”.
Não sei se isto deixa aos meus sucessores neste “ofício de teologia”, uma pergunta até agora nova nesta disciplina tão “celestial”: qual seria o significado teológico de uma Terra destruída antes do tempo... Eu prefiro terminar com o último passo do amor criativo, no qual a atração já não é para corpos, nem para pessoas, mas para Deus. E a gravidade chegou até o Amor com letra maiúscula. Aí culmina a união criadora.
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Amor: união criativa. Artigo de González Faus - Instituto Humanitas Unisinos - IHU