"A comunidade de Marcos aprende com o cego Bartimeu a reconhecer Jesus como o messias servo. Que tipo de mantos ela teve que deixar para seguir Jesus? Que seguranças e confortos a paralisava? Que doutrinas, leis, tradições a deixavam a beira do caminho?
E nós podemos nos perguntar hoje: O modo de ser de Jesus nos provoca a ouvir o grito e o clamor dos pobres e saber seus motivos? Que apelos sentimos ao refletir a história de Bartimeu?"
A reflexão é de Rabeca Peres da Silva, leiga. Ela é graduada em teologia pela Escola Superior de Teologia e Espiritualidade Franciscana - ESTEF (2004) e possui Mestrado em Teologia na área de concentração Bíblica pela Pontifícia Universidade Católica - PUCRS (2007). Atuou no Conselho Indigenista Missionário - CIMI na equipe de Porto Alegre (2005-2015). Atualmente é colaboradora do CIMI; participa de grupos de mulheres de reflexão e estuda sobre as mulheres na Bíblia.
1ª leitura: Jr 31, 7-9
Salmo: Sl 125 (126)
2ª leitura: Hb 5,1-6
Evangelho: Mc 10, 46-52
Na liturgia deste 30º domingo do tempo comum a Palavra de Deus vem ao nosso encontro com o convite a contemplarmos a Deus que que na proclamação do profeta Jeremias e no encontro de Jesus com Bartimeu, que era cego, se revela o Deus da compaixão. Na primeira leitura (Jr 31, 7-9) e no evangelho podemos reconhecer o rosto de um Deus que vê o sofrimento de suas criaturas, ouve os clamores de quem sofre e sai em sua defesa. A segunda leitura (Mc 10, 46-52) nos recorda que nós, que como Igreja recebemos a missão de levar adiante a missão de Jesus, precisamos “saber ter compaixão”, anunciando com nosso modo de ser e agir a compaixão de Deus com as pessoas, com a humanidade, com a criação.
Primeira leitura Jr 31, 7-9
“Gritai de alegria”, disse Javé ao profeta Jeremias. O profeta lembra aos exilados que a experiência no exílio não é o fim da fé, da vida, pois Javé salva o seu povo. Ele chama cegos, coxos, mulheres e grávidas e todo o resto do povo sofrido para transformar toda a lágrima em águas abundantes de vida. Javé os conduzirá a um caminho seguro. O profeta revela que Deus ouve o clamor dos pobres e marginalizados. E hoje, os mais pobres, entre eles a mãe terra e as mulheres, são escutados, seus direitos são garantidos pelos governos, pelas instituições políticas e religiosas?
Salmo 125(126)
O salmista segue nessa mesma direção do profetismo e canta “Javé faz voltar os exilados transformando suas lágrimas em sementes de vida. Acolhendo a voz profética do salmista podemos questionar: hoje as políticas públicas estão sendo realizadas a partir das necessidades das pessoas e da natureza que sofrem os eventos climáticos?
Evangelho de Marcos 10, 46-52
Esta passagem do Evangelho de Marcos nos convida a refletir sobre o encontro de Jesus com o cego Bartimeu a beira do caminho
Bartimeu representa o grito dos pobres e grito da terra clamando por compaixão. Bartimeu largou o manto, sua proteção segura e seu abrigo. Que queres que te faça disse Jesus? Quero ver de novo! Tua fé te salvou, a fé de se colocar no caminho do mestre, capaz de romper com falsas seguranças e mudar radicalmente de vida.
Em Marcos Jesus vai com seus discípulos e suas discípulas para Jerusalém local de seu martírio e também de sua ressurreição. Porém, nem todos seus seguidores estavam aceitando sua passagem pela cruz. Queriam um messias de gloria, de poder e privilégios, pois esse era um caminho confortável e seguro. O cego Bartimeu pode representar tanto um individuo como o grupo ou a comunidade de fé, que não enxergava totalmente a proposta do evangelho de Jesus.
Bartimeu era cego e mendigo. Estava em Jericó sentado a beira do caminho. Ele não andava com Jesus, mas queria estar com Jesus. Tinha muita fé em Jesus, era teimoso e sabia o que queria....ao saber que Jesus estava por perto, tomou uma decisão que mudou sua vida.
Bartimeu gritou pedindo compaixão. Teve que gritar duas vezes, pois na primeira vez foi repreendido para que se calasse. Na segunda vez foi atendido, porque Jesus parou e ouviu o seu grito e mandou chamá-lo. Interessante o modo de ser de Jesus, não estava em seus planos parar naquele momento, mas o grito clamando por Ele o fez parar. O corre-corre da vida nos faz muitas vezes cegos, surdos e mudos diante dos clamores dos pobres e da terra. Chamaram o cego e lhe disseram: “ Coragem, levanta-te, ele te chama”.
Que fez Bartimeu? Jogou seu manto, deu um salto e foi para junto de Jesus.
Jesus pergunta-lhe: “que queres que te faça?” quer saber o motivo de seu grito. Bartimeu respondeu: “meu mestre, que eu volte a ver novamente”. O que ainda necessitava Bartimeu para seguir Jesus? Ele deixou o local onde estava, o manto, sua segurança, suas teorias, ficou sem nada apenas com a vontade de enxergar e encontrar um sentido para sua vida, queria sair da cegueira que o paralisava. Jesus lhe disse: “vai, tua fé te salvou”. Que fé é essa que Jesus mencionava? Bartimeu testemunha uma fé profética de sair de tudo o que o oprimia, o aprisionava.
A comunidade de Marcos aprende com o cego Bartimeu a reconhecer Jesus como o messias servo. Que tipo de mantos ela teve que deixar para seguir Jesus? Que seguranças e confortos a paralisava? Que doutrinas, leis, tradições a deixavam a beira do caminho?
E nós podemos nos perguntar hoje:
O modo de ser de Jesus nos provoca a ouvir o grito e o clamor dos pobres e saber seus motivos? Que apelos sentimos ao refletir a história de Bartimeu?
Que apegos, mantos confortáveis nos impedem de ver e ouvir o chamado de cuidar do planeta sofrido e doente?
Escutamos os clamores da criação...
Somos uma igreja que ouve verdadeiramente o grito das mulheres católicas silenciadas por sua luta por direitos iguais e pela inclusão ao ministério ordenado?
Quem somos nessa historia do cego Bartimeu?
Os textos de hoje nos desafiam a não perder a esperança e a superar as cegueiras, produzidas pelo patriarcalismo, pelo clericalismo, e pelo negacionismo diante da crise climática, que nos impedem de voltar a seguir o verdadeiro caminho de Jesus. Bartimeu nos ensina a ter coragem e vencer o medo, pois é o nosso mestre que nos chama a sair da beira do caminho. O convite é seguir com fé e esperança refazendo nosso caminho no Caminho Dele. Mas qual é mesmo o caminho e o modo de ser de Jesus que ilumina os tempos atuais?
Deus nos chama para uma conversão ecológica tanto individual como comunitária. Aprendamos com o cego Bartimeu a sair de nossas cegueiras. Com coragem, convicção e alegria levantemo-nos, pois o Senhor nos chama a cuidar da criação, a tecer novas relações com Deus, com a terra, com nosso próximo, especialmente às mulheres, garantindo respeito, justiça e direitos iguais para todos e todas!!!