"No Evangelho proposto para essa liturgia, a comunidade de Mateus nos apresenta o caminho das bem-aventuranças (Mt 5,1-12a). Nelas encontramos o referencial espiritual e ético para vivermos nossa vocação de filhos e filhas de Deus. Como Igreja peregrina, elas são nosso programa de vida e orientam nossa presença e ação em meio às tribulações que acompanham o nosso tempo."
A reflexão é da Irmã Raquel de Fátima Colet, FC. Ela é religiosa da Congregação Filhas da Caridade, Província de Curitiba. Irmã Raquel é doutora, mestra e bacharela em Teologia pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR). É assessora provincial da Pastoral Escolar Vicentina.
1ª leitura - Ap 7,2-4.9-14
Salmo - Sl 23(24),1-2.3-4ab.5-6 (R. cf. 6)
2ª leitura - 1Jo 3,1-3
Evangelho - Mt 5,1-12a (Bem-aventuranças)
“A santidade é o rosto mais belo da Igreja” (GE, 9).
Com esta inspiração da Exortação Apostólica Gaudate et Exsultate, com a Igreja e como Igreja celebramos a Solenidade dos Todos os Santos e Santas.
Esta celebração é um convite a mergulharmos no mistério da comunhão das discípulas e discípulos de Jesus, em especial referência àquelas e àqueles que nos precederam no abraço de Abbá. Eles são para nós testemunhas luminosas que inspiram nosso itinerário de santidade, tecido no cotidiano da vida. Essa é a nossa fé: cremos na comunhão dos santos!
A primeira leitura (Ap 7,2-4.9-14) nos fala da multidão dos servos de Deus marcados com o sinal do Cordeiro (v. 3), diante de quem eles estão em pé e proclamam o seu louvor e adoração (v. 9-10). Carregam consigo os sinais da fidelidade vivida em meio à tribulação (v. 14).
Essa passagem nos recorda que a santidade é, em primeiro lugar, dádiva: somos santificados Naquele que é Santo; a multidão incontável dos santos – 144 mil – não se constitui a partir de atributos de nação, povos, tribos ou línguas (v. 9b), mas é a participação de todos na caridade redentora do Cordeiro.
Isso nos move a refletir sobre como temos assumido, pessoal e comunitariamente, a precedência do dom em nosso caminho de santidade. Essa perspectiva contrapõe a lógica de autorrefencialidade, exclusivismos e disputas que, por vezes, marcam nossas relações sociais e eclesiais. Ela nos previne do risco de nos sentirmos mais santos, mais puros, mais dignos, mais eleitos em relação aos demais. A salvação pertence ao Cordeiro! A mística da dádiva nos educa para a vivência da comunhão, na celebração aprendente do testemunho daqueles e daquelas que já estão “do outro lado do altar”. Ela também nos sustenta na vivência da vocação comum recebida no Batismo. Como nos exorta a segunda leitura (1Jo 3,1-3): “vejam que mostra de amor o Pai nos tem dado: sermos chamados filhos de Deus. E nós o somos!”
No Evangelho proposto para essa liturgia, a comunidade de Mateus apresenta o caminho das bem-aventuranças (Mt 5,1-12a). Nelas encontramos o referencial espiritual e ético para vivermos nossa vocação de filhos e filhas de Deus. Como Igreja peregrina, elas são nosso programa de vida, e orientam nossa presença e ação em meio às tribulações que acompanham o nosso tempo. No horizonte da mística da dádiva, Jesus proclama bem-aventurados aqueles e aquelas que rompem com a lógica de identidades e relações baseadas em privilégios e interesses.
São bem-aventurados aqueles que assumem a pobreza de espírito como entrega confiante à graça e à Providência, que os permite viver a solidariedade afetiva e efetiva com os pobres da terra.
São bem-aventurados aqueles que, pela mansidão, contrapõem o orgulho e os discursos de ódio que deflagram os conflitos e inflamam as guerras.
São bem-aventurados os que choram, porque suas lágrimas representam a ruptura com a cultura da indiferença, e a disposição de se deixar (co)mover pelas dores do mundo e da Terra.
São bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque revestem de genuína esperança os caminhos atrofiados pelos fatalismos e pela descrença na força do bem, diante das estruturas de morte.
São bem-aventurados os puros de coração, porque fazem de sua abertura interior e retidão de intenção, uma escola de gratuidade.
São bem-aventurados os promotores da paz, porque, diante dos desencontros de um mundo tão diverso, são arautos da reconciliação das diferenças e da cura da memória ferida.
São bem-aventurados todos e todas que assumem, na liberdade e na fidelidade, as perseguições e incompreensões consequentes à vocação assumida. Deles e delas é o Reino dos Céus!
Revisitemos neste dia, com nossa memória orante, o caminho evangélico dos santos e santas que a Igreja nos apresenta como nossos intercessores e intercessoras; aqueles e aquelas a quem foi concedida a honra dos altares, mas também “os santos ao pé da porta” (GE, 6), as mulheres e homens próximos às nossas histórias, geografias e realidades. Como nos exorta o Papa Francisco, “deixemo-nos estimular pelos sinais de santidade que o Senhor nos apresenta através dos membros mais humildes deste povo” (GE, 8).
No espírito de comunhão sinodal, coloquemo-nos à escuta do Espírito, que continua a derramar os dons da santidade sobre todo o Povo de Deus, na geração daqueles e daquelas que, como nos diz o salmo, por amor e no amor, buscam a Sua face (cf. Salmo 24).