16 Abril 2021
"A palavra de Jesus aos discípulos assustados é um afago aos nossos corações cansados, hoje. Há muito a nos tirar a paz verdadeira, há grande aflição em cada um de nós, que estamos cansados pelo medo, pela doença, por ver o contágio avançar, em nossos profissionais de saúde que já não aguentam mais, em toda pessoa que tem um mínimo de sensibilidade aos horrores que nos cercam, ao nosso país que morre com a crise sanitária da pandemia, com o descaso do nosso governo e com seu projeto ameaçador à vida, que só nos faz pensar em morte."
A reflexão é de Mariana Aparecida Venâncio, leiga. Ela possui graduação em Teologia pelo Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora - ES/JF (2016), especialização em sagrada escritura pelo Centro Universitário Claretiano (2018), mestrado em Letras (literatura Brasileira) pelo CES/JF. Atua como docente da Graduação em Teologia no CES/JF.
Olá, querida irmã, querido irmão, refletimos hoje sobre as leituras do 3º domingo da páscoa, ainda nesse tempo em que nos dedicamos a refletir e aprofundar nossa compreensão e nossa espiritualidade ao redor da Páscoa de Jesus, o mistério maior da nossa fé, o mistério da ressurreição. O itinerário desse tempo Pascal tem por objetivo nos ajudar a adentrar o mistério da ressurreição, para que ele não seja apenas um fato histórico que recordamos, mas que dele façamos memória, como a Liturgia nos convida a fazer: essa memória que torna o evento presente, que o atualiza no hoje de nossa existência e que, principalmente, faz com que a ação salvadora de Deus alcance a cada um de nós.
Neste 3º domingo da Páscoa do ano B escutamos um trecho dos Atos dos Apóstolos, um trecho da Primeira Carta de João, um trecho do Evangelho de Lucas e meditamos o Salmo 4. Começando pelos Atos dos Apóstolos (At 3,13-15.17-19), ouvimos um dos discursos que Pedro faz à multidão reunida perto do pórtico de Salomão, diante do Templo de Jerusalém. É significativo o lugar porque ele diz muito sobre o conteúdo do discurso de Pedro. Ele se dedica a esclarecer ao povo o que aconteceu porque, atônitos, eles ainda precisavam assimilar o que acontecera com Jesus e como todos aqueles acontecimento impactavam sua fé. Pedro deixa claro que a vida de Jesus foi conduzida por Deus: o Deus conhecido e único, o Deus de Abraão, Isaac e Jacó. Foi ele, bem conhecido na Antiga Aliança, representado ali pelo Templo, que exaltou Jesus e o conduziu à ressurreição. Manter-se firme na fé ao Deus único, portanto, significa acolher Jesus e prestar-lhe adesão de fé. Sabemos que essa resposta não foi uma unanimidade, até hoje não é! A alternativa de Pedro é a misericórdia e a conversão possível.
Na Primeira Carta de João (1Jo 2,1-5a), a comunidade joanina falará também sobre essa misericórdia – que eles certamente guardam como uma forma de continuar a vida de Jesus. A comunidade compreende a novidade da Ressurreição de Jesus como a salvação, sendo maior que a própria morte, é maior que qualquer aprisionamento e, por isso, tem o poder de salvar das trevas do pecado. Para a comunidade joanina, o conhecimento de Deus é prerrogativa para que se possa participar de sua Aliança. Não se trata de um conhecimento intelectual, acadêmico, não se adquire em livros e nem mesmo na fria leitura e interpretação do Evangelho. É um conhecimento que se refere a proximidade, intimidade, comunhão de corações e sonhos, que se adquire pela meditação do Evangelho, uma meditação que permite que o Evangelho penetre os corações e transforme as atitudes. Por isso, para a comunidade joanina, não basta dizer que se conhece a Deus – alguns grupos separatistas reivindicavam para si o conhecimento verdadeiro de Deus e acreditavam já terem alcançado a salvação. Para a comunidade, é preciso manifestar nas ações esse conhecimento, nas ações que transparecem o amor de Deus.
Não é à toa que João representa a teologia mais amadurecida do NT: já nos anos finais do primeiro século, ele compreende muito bem o Evangelho, que os primeiros discípulos demoraram muito a compreender. O trecho do Evangelho de Lucas (Lc 24,35-48) que escutamos atesta isso, narrando mais uma aparição do Ressuscitado e seu esforço por mostrar-se aos que são seus, mas que ainda estão aprisionados no medo e na incompreensão. Jesus deseja sustentar seus discípulos para a caminhada que os aguarda. Seria interessante, hoje, propor que toda a comunidade fechasse os olhos e se imaginasse naquela cena, porque é precisamente isso que o Senhor faz em cada Eucaristia que celebramos, cada vez que nos reunimos para partilharmos sua Palavra. Ele coloca-se entre nós, quer nos encher com sua presença; ele come conosco e ao mesmo tempo se faz alimento: ele nos sustenta, nos sacia. Ele acalma nossos corações aflitos com suas palavras e com sua paz: ele é o Messias esperado desde muito tempo, ele é a salvação preparada pela primeira Aliança, ele é o mesmo que viveu a compaixão entre os pobres do seu tempo.
A palavra de Jesus aos discípulos assustados é um afago aos nossos corações cansados, hoje. Há muito a nos tirar a paz verdadeira, há grande aflição em cada um de nós, que estamos cansados pelo medo, pela doença, por ver o contágio avançar, em nossos profissionais de saúde que já não aguentam mais, em toda pessoa que tem um mínimo de sensibilidade aos horrores que nos cercam, ao nosso país que morre com a crise sanitária da pandemia, com o descaso do nosso governo e com seu projeto ameaçador à vida, que só nos faz pensar em morte.
A palavra de Jesus dissipa o desânimo e a desesperança que nos envolvem e que fecham nossas portas. Ele arma sua tenda de paz e nos impulsiona a abrir os olhos com novo vigor. Com sua ternura e com sua presença, somos chamados a ser sinais de ressurreição, sinais de esperança por onde passamos: eis o desafio de ser cristão!
Que a oração do Salmo desse dia (Sl 4,2.4.7.9 (R. 7a)) nos revigore e inunde de novo o nosso coração, com verdadeira coragem, é o que mais precisamos: Sobre nós, fazei brilhar o esplendor de vossa face!
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3º domingo de Páscoa - Ano B - Jesus está entre nós e nos enche com sua presença - Instituto Humanitas Unisinos - IHU