02 Novembro 2018
Mateus elenca nove Bem-aventuranças. Oito são dirigidas a todos, na terceira pessoa do plural: Bem-aventurados os pobres em espírito, os que choram etc. A oitava é uma espécie de resumo das sete anteriores, confirmando o que foi dito. Quem se atrever a viver como Jesus indica vai ser perseguido por causa da justiça. A justiça, antes entendida como cumprimento estrito da Torah, ou seja, um modo de vida preso à prescrição da Lei, passa a ser o esforço para se construir uma nova sociedade, onde o amor é a única lei que de fato importa.
Quem se faz pobre com os pobres, quem é capaz de se comover e se derramar em pranto diante do sistema injusto que a tantos oprime, quem é manso e luta com ternura por seus direitos, quem tem fome e sede de justiça e, no entanto, não se acomoda, pois se importa com a fome dos outros, quem é misericordioso em vez de legalista, quem é puro no íntimo do coração e não se atreve a ser moralista e preso a regras religiosas ou a rituais litúrgicos, quem é defensor da paz e não da violência, este certamente é perseguido. É perseguido, porque o amor incomoda, desinstala os poderosos. Mas, apesar de perseguido, esse é também feliz, pois vive no amor. E não há nada que possa ser mais importante e mais belo que o amor. Desta forma, Jesus convida seus discípulos a seguir sempre em frente, implantando essa sociedade alternativa, onde as regras são pautadas no amor e na solidariedade e não na lógica do capital, das posses, do lucro.
A reflexão é de Solange Maria do Carmo, teóloga leiga. Ela possui graduação em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia - FAJE e graduação em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - PUC-Minas. É mestre em teologia bíblica e doutora em Catequese pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia - FAJE. É co-autora da Coleção Catequese Permanente, pela Editora Paulus. Atualmente é professora no Instituto de Filosofia e Teologia Dom João Resende Costa da PUC-Minas e no Instituto Santo Tomás de Aquino - ISTA.
Referencias bíblicas
1ª Leitura: Ap 7,2-4.9-14
Salmo: 23
2ª Leitura: 1Jo 3,1-3
Evangelho: Mt 5, 1-12ª
A liturgia desse domingo, no qual celebramos a festa de todos os santos, nos oferece o trecho inicial do precioso Sermão da Montanha, presente no Evangelho de Mateus. Trata-se das bem-aventuranças.
É muito significativo que a Igreja tenha escolhido o texto das bem-aventuranças para a festa de todos os santos. Significa que as bem-aventuranças são caminho de santidade, ou seja, elas indicam para nós, seguidores de Jesus, como devemos viver; mostram que escolhas devemos fazer nos caminhos da vida. As bem-aventuranças são um projeto alternativo de vida. Enquanto muitos procuravam ter sucesso, se sair bem em seus empreendimentos, usando métodos escusos para atingir sua finalidade, o Mestre de Nazaré mostra que seu seguidor faz percurso diferente, pois acredita de fato no evangelho como uma proposta de vida.
Logo no começo do texto, Mateus diz que Jesus, vendo as multidões, subiu a montanha e sentou-se. Os discípulos se aproximaram e ele começou a ensinar (v.1-2).
Ao ver a multidão – sempre perdida e sem orientação – Jesus sobe a montanha. Às vezes, a gente precisa se distanciar um pouco do barulho para se colocar em atitude de comunhão com Deus, para escutar a palavra que ele nos dirige. Na tradição judaica, a montanha é o lugar da manifestação divina. No monte Sinai, Deus se manifestou a Moisés e lhe entregou sua Lei, selando com seu povo uma aliança. Agora, Jesus – o novo Moisés, o libertador – sobe a montanha para, na intimidade com Deus, nos dar uma nova lei.
Diferentemente da antiga Lei, a Torah, a nova lei não está escrita em pedras, mas no coração humano. Não se trata de uma lista de mandamentos e interdições, dizendo o que se pode fazer ou não, mas de um modo de conduzir a própria vida, guiado pelos valores mais profundos do coração humano.
Para ensinar, Jesus se senta, pois assim faziam os mestres do judaísmo quando reunidos com seus discípulos. Sem pressa, sentados, ficavam horas a fio; o mestre ensinando, os discípulos atentos acolhendo a sabedoria do mestre. Jesus ensina seu novo modo de ver a vida para aqueles que dele se aproximam, ou seja, aqueles que de fato desejam acolher sua palavra de vida. E o que ele ensina? As bem-aventuranças.
Uma bem-aventurança é uma felicitação. Dizer que alguém é bem aventurado é afirmar que essa pessoa é feliz. Mas uma bem-aventurança também, segundo a etimologia do termo no hebraico, é uma ordem para seguir em frente, sem jamais desanimar. Assim, com cada bem-aventurança, Jesus nos mostra em que consiste a verdadeira felicidade e nos encoraja a seguir decididamente, sem nos deixar ludibriar por outras propostas, possivelmente mais fáceis, mais viáveis, até mais atrativas, mas nada confiáveis.
Ao todo, Mateus elenca nove Bem-aventuranças. Oito são dirigidas a todos, na terceira pessoa do plural: Bem-aventurados os pobres em espírito, os que choram etc. A oitava é uma espécie de resumo das sete anteriores, confirmando o que foi dito. Quem se atrever a viver como Jesus indica vai ser perseguido por causa da justiça. A justiça, antes entendida como cumprimento estrito da Torah, ou seja, um modo de vida preso à prescrição da Lei, passa a ser o esforço para se construir uma nova sociedade, onde o amor é a única lei que de fato importa.
Quem se faz pobre com os pobres, quem é capaz de se comover e se derramar em pranto diante do sistema injusto que a tantos oprime, quem é manso e luta com ternura por seus direitos, quem tem fome e sede de justiça e, no entanto, não se acomoda, pois se importa com a fome dos outros, quem é misericordioso em vez de legalista, quem é puro no íntimo do coração e não se atreve a ser moralista e preso a regras religiosas ou a rituais litúrgicos, quem é defensor da paz e não da violência, este certamente é perseguido. É perseguido, porque o amor incomoda, desinstala os poderosos. Mas, apesar de perseguido, esse é também feliz, pois vive no amor. E não há nada que possa ser mais importante e mais belo que o amor. Desta forma, Jesus convida seus discípulos a seguir sempre em frente, implantando essa sociedade alternativa, onde as regras são pautadas no amor e na solidariedade e não na lógica do capital, das posses, do lucro.
A nona bem-aventurança, diferente das outras, está dirigida diretamente aos discípulos e resume todas as anteriores: Bem-aventurados sois vós, disse Jesus. Jesus fala não mais na terceira pessoa, bem aventurados esses ou aqueles, mas na segunda pessoa do plural, num discurso direto, franco e claro: “Bem-aventurados sois vós, quando vos injuriarem e vos perseguirem e, mentindo disserem todo mal contra vós por causa de mim” (v. 11). Quem seguir as bem-aventuranças, o caminho do amor que santifica, pode se sentir encorajado a seguir sempre em frente. Não lhe faltará felicidade, apesar dos percalços da vida. Porque a felicidade cristã não é viver sem problemas ou ser aplaudido por todos. A felicidade cristã acontece quando se tem a certeza de estar do lado certo; o lado dos pobres, dos sofredores, dos que choram, dos que não têm terra, nem casa, nem garantia alguma.
Perseguiram os profetas? Perseguirão também a nós se de fato levamos a sério a proposta de Jesus: vamos manter nosso coração puro, não vamos deixar espaço para o ódio, nem para a vingança, nem para a violência, nem para a indiferença, nem para o comodismo, nem para a injustiça... Não vamos nos munir de armas, nem nos armar com preconceitos ou discriminações. Nossa arma é o amor, é nossas mãos estendidas prontas para acolher o outro. É o amor que nos santifica e sela nossa comunhão com Jesus.
Ainda que seja preciso dar a vida, derramando o sangue em defesa das minorias, dos sofredores, continuaremos confiantes. Escutamos com atenção e cuidado a palavra do Mestre que nos manda seguir em frente.
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31º domingo do tempo comum - Ano B - Bem-aventuranças: um projeto de vida - Instituto Humanitas Unisinos - IHU