30 Setembro 2011
Empresa estrangeira faz negócio com indígenas do Tapajós pelo Crédito de Carbono, nem a FUNAI, nem o governo federal acompanham a negociação.
A reportagem é de Edilberto Sena, padre coordenador geral da Rádio Rural de Santarém, presidente da Rede Notícias da Amazônia – RNA e membro da Frente em Defesa da Amazônia – FDA.
Eis o artigo.
Soubemos há poucos dias, que a empresa Green Celestial, com sede na Irlanda esteve na cidade de Jacarecanga, PA, numa reunião de negócio com o povo Mundurucu. Eram representantes de 100 aldeias presentes na cidade, chamados pela Associação do povo Munduruku, PUSSURU.
O que se ouvia aqui em Santarém é que era uma oferta tão mirabolante (US300.000 por ano) para os índios conservarem a floresta como crédito de carbono. Como diz o ditado, quando a esmola é grande São Francisco desconfia...
Como, nem os militares, responsáveis de proteger as fronteiras estavam preocupados, nem o Ibama, nem a Funai, já que a negociação era direta entre a Green Celestal, de nome tão santo, e os líderes indígenas, deu para se desconfiar que fosse alguma forma de o governo amansar os índios na questão das hidroelétricas na bacia do rio Tapajós. Afinal recentemente saiu a notícia que o governo federal pretende assinar Medida Provisória para diminuir terras da Mundurukânia, por causa das barragens previstas naquela região.
Descobrimos também, que esse negócio de Crédito de Carbono, o tal REDD+ é mais um grande negócio internacional, pelo qual empresas corretoras, como Green Celestial, negociam com as grandes empresas poluidoras da Europa, EUA, Canadá e outras, para vir à Amazônia seduzir as populações nativas a conservarem a floresta, mediante um preço. Não se sabe quanto ela está ganhando dos devedores para mediar esse negócio.
Então fizemos contato telefônico com uma amiga freira lá de Jacareacanga que esteve no encontro e nos enviou o seguinte relato, que passamos a quem interessar.
Jacareacanga, 22.09.2011
Olá bom dia, Edilberto!
Tudo bem com você?
Nós estamos bem, e estou lhe enviando o que eu sei sobre este problema
aqui em nossa região.
Já faz tempo que eles tinham contato com os chefes, agora foi só para
concretizar, aos demais indígenas. O Haroldo me afirmou que foram só
quatro pessoas que assinaram o projeto.
Crédito de Carbono
No dia 12 de Setembro na Câmara Municipal de Jacareacanga, aconteceu uma reunião com os Caciques e representantes das Aldeias, com o objetivo de se informarem de um projeto de uma empresa estrangeira
CGV para dialogar sobre um Contrato de Crédito de Carbono.
E tinha uma boa representação de mulheres indígenas também. Iniciou por volta das nove da manhã. O Sr. João Borges de Andrade comentou sobre o projeto e seus objetivos, em ajudar os Índios e prometeu muito dinheiro e disse também que não queria nada em troca somente ajudá-los a preservar a floresta viva. E que para isso os índios precisam de alguém que os ajude financeiramente. Por isso que eles vieram propor este contrato por
trinta anos para ajudá-los na educação , na saúde nos meios de transporte, avião etc. E se a empresa não cumprir com o prometido, eles poderão recorrer e cancelar o contrato.
A reunião foi bem tensa, os Munduruku todos pintados desde as crianças de colo.
Os índios disseram: " você tem que nos escutar": E não deixaram expor o projeto no data-show como estava previsto.
E um índio cacique disse que eles já sabiam preservar a natureza e que não precisavam do dinheiro dele. Que eles poderiam ir embora e deixar os índios em paz na floresta que eles sabiam se virar .
Depois os outros Índios pediram a palavra começando pelas índias guerreiras. Foi uma supresa como elas são corajosas e ameaçaram o palestrante, colocando as suas armas.
1. Que não queriam esta empresa no meio de suas terras
2. Se eles viessem elas iam lutar contra, e deu exemplo dos garimpeiros que estão na areia indígena, só poluindo os rios e que não dão nenhuma grama de ouro para eles comprarem uma água mineral, elas têm que tomar aquela água suja dos maquinários ...etc
3. E uma mostrou a pequena borduna, passando no pescoço do Palestrante e disse que Índio não é besta, o que vocês querem em troca de tanta bondade que estão nos oferecendo?
4. Outra disse que já estava cansada de se enganada por falsas propostas de branco e colocou uma flecha em direção do peito dele. Foram três em seguida que falaram e batiam na mesa com suas flechas e arcos.
Depois o palestrante João, pediu a palavra e disse: "Nós viemos aqui só querendo ajudá-los , queremos ser parceiros de vocês ,não mereço ser tratado assim com agressividade. Eu não entendo a língua mas pelos
gestos dá para perceber que estão com raiva e não estão aceitando, eu só quero que vocês assinem ou não.. E eu vos peço uma coisa, não comparem o nosso projeto com outros projetos que não deram certo. O
nossos é um contrato justo..."
Eu (irmã Izaldete) pedi a palavra mas os índios estavam todos agitados e João veio ao meu encontro e perguntou se eu gostaria de fazer alguma pergunta. Eu disse que sim. Eu queria saber o que eles queriam em troca de tudo que eles estavam oferecendo ao povo.
Ele me respondeu que só quer ajudar o povo a cuidar da floresta por causa do Crédito de Carbono para salvar o mundo por causa do desmatamento e o aquecimento global que está aumentando.
Perguntei:
Mas como vocês vão fazer isso sem nos prejudicar?
E os Índios perguntaram como seria distribuído o dinheiro, ele disse que vai ser entreggue diretamente para as associações indígenas para ajudar só os índios que estão na floresta.
A reunião terminou e nada foi assinado, porém depois ficamos sabendo que quatro indígenas já haviam assinado.
Procuramos o Haroldo e ele nos contou que este projeto já vinha sendo estudado desde setembro de
2010. E que ele também não estava na hora que assinaram. Então tem muitas conversas. E certo que eles acham que vão fazer uma experiência e depois podem recorrer atrás.
Eu não conversei com seu Martinho ele está em Itaituba, e nem consegui falar com o vice-prefeito, Roberto Crixi.
Pedimos ao Haroldo para mostrar o projeto e ele não nos mostrou, e sinto uma certa resistência deles para conosco que acham que nós da Igreja Católica não queremos o desenvolvimento deles.
Pedi para ele falar com você, ofereci o telefone e ele disse que ia ligar depois.
Mas por outro lado, têm muitos índios preocupados com este projeto, "os mais simples".
Outros, porém, estão de olho na oferta do dinheiro. Tenho as fotos mas não consegui um cabo, para passá-las para o computador e lhe enviar.
Ir. Isaldete Almeida
OBS. Edilberto pensa alto agora a partir desse relatório:
1. Por que a Funai fica fora dessa negociação? A Green Celestial é uma empresa de compra e venda de Crédito de Carbono. De origem estrangeira e entra em terra indígena sem a presença da Funai. Como?
2. Se é uma empresa corretora, quanto é o ganho dela dos devedores de carbono na Europa, que ela chega a oferecer um prêmio de 3 milhões de dólares por ano aos índios?
3. Como aceitar o crédito de carbono? Estamos acoitando a poluição lucrativa do G-7, ou vamos seguir a sexofilosofia da dona Marta Suplicy, de que "já que não tem jeito relaxa e goza", é assim? Vamos
denunciar esse comérciotráfico a nível de governo e OEA? Responda quem souber.
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Empresa estrangeira faz negócio com indígenas do Tapajós pelo Crédito de Carbono - Instituto Humanitas Unisinos - IHU