06 Agosto 2011
Considerado hoje um dos estudiosos mais importantes de bioética, Stefano Semplici é o primeiro presidente italiano eleito para o Comitê Internacional da Unesco que se ocupa dessas questões. Mas a "bioética com capacete", diz, não ajuda a resolver os problemas.
A reportagem é de Roberto Carnero, publicada na revista Jesus, agosto de 2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
É a primeira vez que um italiano é nomeado para a presidência do Comitê Internacional de Bioética da Unesco. Mas Stefano Semplici merecia esse objetivo, com seu currículo de total respeito nesse delicado setor. Eleito durante os trabalhos da 18º sessão, realizada em junho em Baku, no Azerbaijão, Semplici, formado em 1961, é professor de Ética Social da Universidade de Roma Tor Vergata e diretor científico do Colégio Universitário Lamaro Pozzani da Federação Nacional Cavalieri del Lavoro. Foi publicado nestes dias, pela Editora La Scuola, o seu livro Invito alla bioetica [Convite à bioética].
Eis a entrevista.
Professor, como o senhor acolheu a eleição a presidente do Comitê Internacional de Bioética da Unesco?
Acima de tudo, como acredito que se possa entender facilmente, com grande emoção. Quando eu fui nomeado membro do Comitê pelo diretor-geral da Unesco em 2008, eu já tinha considerado como um privilégio a possibilidade de fazer essa experiência em um contexto verdadeiramente global, que reúne 36 especialistas que vêm de todo o mundo. Ter recebido desses colegas e amigos a responsabilidade de liderar o Comitê pelos próximos dois anos foi para mim a mais bela confirmação da validade do trabalho que fizemos juntos, mas também um ato de confiança que eu me sinto, obviamente, comprometido em devolver.
O presidente é eleito pelo Comitê, e não nomeado. Isso significa que a perspectiva é, em primeiro lugar, a do trabalho em equipe, com um toque de fermento a mais que vem de momentos verdadeiramente intensos e bonitos de convivialidade. As sessões do Comitê duram quase uma semana, e os relatórios que são criados são muitas vezes profundos e duradouros. A minha eleição, além disso, ocorreu no dia 2 de junho: eu não poderia imaginar, como italiano, uma coincidência mais feliz [é a data da festa da República Italiana].
De que o Comitê se ocupa?
O Comitê foi instituído em 1993. Sua função, como foi indicado pelo Estatuto, é essencialmente a de promover a reflexão sobre questões éticas e jurídicas que surgem no âmbito das ciências da vida e das suas aplicações, encorajando, particularmente por meio dos canais de educação, a troca de ideias e de informações. A sua especificidade é precisamente a de colocar em debate, ao redor da mesma mesa, culturas e tradições diversas, vozes que são expressões de contextos também muito distantes em estilos e perspectivas de vida, nível de bem-estar, organização institucional. É um trabalho difícil, mas, exatamente por isso, apaixonante.
A multiplicidade das experiência e das linhas de argumentação não impediram, além disso, que o Comitê produzisse nestes anos documentos importantes, até à Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos, que foi aprovada por aclamação pela Conferência Geral da Unesco em 2005.
Quais são os temas mais importantes sobre os quais a reflexão se desenvolve?
Justamente devido à sua dimensão global, o Comitê dá um amplo espaço na sua agenda tanto às questões bioéticas emergentes nos setores de ponta do desenvolvimento científico e tecnológico, quanto àquelas que continuam sendo geradas ao longo das falhas da pobreza e da injustiça, e que também são ameaças persistentes, as quais é preciso enfrentar para uma efetiva proteção da vida e da sua dignidade. Concretamente: o Comitê, como aconteceu nesta última sessão, entra no mérito de problemas como a clonagem e a pesquisa com células-tronco embrionárias, mas olha, pelo menos com uma atenção semelhante, as razões de fundo pelas quais há homens e mulheres que, dependendo da parte do mundo em que lhes coube o destino de nascer, têm diante de si uma expectativa de vida que pode ser de 40, em vez de 80 anos. A bioética da Unesco só pode levar dramaticamente a sério o desafio dessa dignidade literalmente dividida, como tentamos fazer no relatório sobre a vulnerabilidade e sobre o respeito à integridade humana, que aprovamos em Baku.
Quais são os assuntos sobre os quais o senhor pensa em seu comprometer mais pessoalmente?
O Comitê da Unesco tem a tarefa de se focar sobre as questões que, sobretudo a partir das ciências biomédicas, solicitam a responsabilidade dos governos, dos protagonistas da vida econômica e social e, em última análise, de cada um de nós. É preciso fazer crescer tanto a conscientização sobre esses problemas, quanto a vontade de abordá-los com estratégias compartilhadas. No meu discurso de encerramento em Baku, tentei enfatizar, nessa perspectiva, a importância das bridging issues, ou seja, daqueles temas que mais imediatamente expressam essa interconexão entre os povos. Seja porque a ciência é global e as novas questões que ela põe não se detêm nas fronteiras do Estado, seja porque a bioética, entendida no sentido amplo ao qual estamos nos referindo, ela se tornou o lugar no qual é preciso se deparar, para combatê-las, com velhas e novas formas de exploração e de discriminação.
Pense-se, só para dar alguns exemplos, na dificuldade de equilibrar a proteção do direito à propriedade intelectual com o dever inevitável de garantir a todos os medicamentos indispensáveis; em práticas como o comércio de órgãos ou a deslocalização nos países mais pobres de atividades de pesquisa inaceitáveis ou até mesmo proibidas nos países mais ricos; nas assimetrias crescentes dos fatores socioeconômicos que incidem diretamente sobre os níveis de saúde das pessoas. Há depois, evidentemente, o capítulo dos assuntos bioéticos ao qual estamos mais acostumados: a engenharia genética, as neurociências, os biobancos. O presidente do Comitê, em todo o caso, não tem a tarefa de escrever a agenda. Ele deve ajudar a organizar o trabalho de todos, de modo que a contribuição de todos possa ser plenamente valorizada e que nos concentremos em problemas que, em nível global, são verdadeiramente prioritários.
Há questões que, como o senhor dizia antes, estamos mais acostumados a discutir. Questões "sensíveis" – fecundação assistida, pesquisa com células-tronco embrionárias, disposições sobre o fim da vida, aborto – sobre as quais, na Itália, o debate parece ser muitas vezes áspero, conflitual, às vezes até antagônico, sobretudo entre a cultura secular e a católica, que parecem incapazes de encontrar uma mediação. É possível sair desse impasse?
Os desacordos que envolvem tais assuntos têm efeitos particularmente dilacerantes, porque neles estão em jogo o princípio fundamental do respeito pela vida humana, o reconhecimento dos sujeitos aos quais esse respeito é devido e o modo em que as pessoas o assumem dentro do seu projeto de vida. Para soltar a tensão, seria preciso, acima de tudo, "desmilitarizar" a bioética: muitas vezes, ela é praticada e principalmente comunicada como instrumento de luta política, útil para reunir consensos, cimentar filiações, levar as pessoas à sistemática bipolarização dos problemas que, ao contrário, precisam da paciência e do tempo de uma pesquisa atenta e de tons pacatos.
São problemas, sobretudo, que não se prestam à simplificação que gostaria que estivéssemos "ou aqui ou ali" e que, precisamente por causa da sua dificuldade, não permitem liquidar quem chega, enfim, a conclusões diferentes, como o obscuro pregador de servidões medievais da consciência ou, inversamente, como o precursor de um niilismo destrutivo. A grande parte dos estudiosos que eu tive a sorte de conhecer nestes anos – e eu poderia dizer a mesma coisa para o público muito mais amplo de pessoas não dedicadas aos trabalhos – é composta de pessoas que estão realmente interessadas em pensar juntas e em encontrar soluções o máximo possível compartilhadas. Isso não significa evitar o dissenso ou tentar adoçá-lo. Mas não são essas pessoas, infelizmente, que ocupam os espaços de debate público, que falam na televisão ou escrevem nos jornais.
De que modo, em particular, a Igreja Católica poderia oferecer contribuições construtivas?
Na Declaração sobre a eutanásia, de 1980, para tomar um tema de particular atualidade na Itália neste momento, a Igreja Católica reconhecia que "em muitos casos a complexidade das situações pode ser tal que faça surgir dúvidas sobre o modo de aplicar os princípios da moral". E a partir desse reconhecimento se chegava à conclusão de que, na concretude dessas situações, "as decisões pertencerão, em última análise, à consciência do doente ou das pessoas qualificadas para falar em nome dele, como também aos médicos, à luz das obrigações morais e dos diferentes aspectos do caso". Hoje, ao contrário, os princípios se tornaram "inegociáveis". Mas acreditar que, desse modo, eles são reforçados poderia ser, no fim das contas, uma ilusão. Isso leva a privilegiar – para a sua proteção – a força externa da lei com respeito à exemplaridade do testemunho que é proposto sem constrangimento. Aos princípios abstratos, eu prefiro a última página da encíclica do atual pontífice "Deus caritas est", em que são apontados como exemplos sublimes de caridade figuras absolutamente concretas como José Cottolengo e Teresa de Calcutá.
Até alguns meses atrás, a discussão sobre o testamento biológico estava na agenda política italiana. Hoje, o assunto foi ofuscado pela crise da atual maioria, mas, antes ou depois, o Parlamento deverá voltar a se ocupar dele. Na sua opinião, quais aspectos devem ser levados em conta para se chegar a uma boa lei?
Esse é, realmente, a meu ver, um exemplo de tudo o que uma lei sobre um assunto bioético não deveria ser. A proposta tomou forma sob o impulso emotivo de um episódio que sacudiu profundamente a opinião pública, o de Eluana Englaro, enquanto, ao contrário, o legislador não deveria ser afetado por paixões muito "quentes". Logo se começou a contestar, um lado, a invasão de campo da hierarquia eclesiástica e o caráter instrumental da posição de alguns dos seus defensores mais zelosos e, de outro, a vontade dissimulada de se chegar a uma verdadeira normativa eutanásica.
O resultado é que, ainda hoje, nos encontramos diante de um texto cheio de ambiguidades e contradições, totalmente concentrado na obrigação da alimentação artificial, que é provavelmente insustentável nesses termos, e muito menos atento aos riscos implícitos na formulação de alguns artigos. Somos muitos os que pensam que o resultado poderia ser paradoxal e que, justamente aplicando a lei, se poderia chegar ao abandono de doentes não mais capazes de exercer "aqui e agora" o seu direito à autodeterminação.
Trata-se, a meu ver, de insistir precisamente sobre a diferença entre a vontade atual e a de então, equilibrando de modo diferente, com relação a todos os tratamentos de saúde, os dois princípios da proteção da saúde como interesse da coletividade e do respeito pela autodeterminação, que são constitucionalmente relevantes. Mesmo assim, é possível fazer: sob a condição de abandonar os temas e os comportamentos da bioética "com o capacete".
O senhor tem uma formação filosófica e ensina filosofia na universidade. O que especificamente a filosofia tem a dizer (por exemplo, no que diz respeito à política e às religião) sobre os temas ligados à bioética?
A bioética tem uma natureza essencialmente interdisciplinar, e a filosofia pode ajudar a cultivar essa sensibilidade aberta, junto com o hábito à contaminação de linguagens e de métodos diferentes. Mas também é verdade dizer o oposto. Stephen Toulmin escreveu que a medicina salvou a ética, levando a filosofia a recuperar a sua capacidade de dizer algo de relevante e concreto para a vida e os problemas reais dos homens. As duas coisas, provavelmente, andam de mãos dadas. E, em todo caso, o meu antecessor à frente do Comitê da Unesco, Donald Evans, é um filósofo.
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Desmilitarizar a bioética - Instituto Humanitas Unisinos - IHU