15 Julho 2011
Aos cristãos de Corinto, Paulo fala: "Que as mulheres fiquem caladas nas assembleias". E também: "A cabeça da mulher é o homem". Já na Galácia, o apóstolo se dirige aos cristãos afirmando: "Já não há diferença […] entre homem e mulher, pois todos vós sois um só em Jesus Cristo".
Afinal, Paulo era contra a mulheres? É a essa questão que o teólogo suíço Daniel Marguerat, professor emérito de Novo Testamento da Universidade de Lausanne, na Suíça, se dirige na edição 55 dos Cadernos Teologia Pública, publicados pelo Instituto Humanitas Unisinos - IHU.
No início deste ano, Marguerat esteve presente na Unisinos para a programação da Páscoa IHU 2011.
Seu texto, intitulado São Paulo contra as mulheres? Afirmação e declínio da mulher cristã no século I, busca analisar a "reputação antifeminista de Paulo", que hoje já é "praticamente definitiva: com o tempo ela adquiriu, por assim dizer, o estatuto de um artigo de fé".
Portanto, sob o viés de uma leitura feminina de suas cartas, quem é São Paulo: "o líder de uma utopia libertária ou o utensílio de um conservadorismo rasteiro?". Para Marguerat, presidente da Studiorum Novi Testamenti Societas e da Federação das Faculdades de Teologia de Genebra-Lausanne-Neuchâtel, não se pode aceitar os dois, ou diferenciá-los cronologicamente, pois isso seria atribuir-lhe uma dupla moral. Já "remeter o apóstolo a suas duas culturas, a judaica e a grega, dilacera a pessoa".
"Meu ponto de vista é que não se pode retirar de Paulo a paternidade consciente de nenhum dos dois polos; seu pensamento está, pois, em forte tensão. O homem é dividido. Creio que Paulo, porém, com esta dupla posição vale mais do que sua reputação", afirma o teólogo.
Para Marguerat (foto), "o desenvolvimento da missão paulina fez o cristianismo passar do meio rural sírio-palestinense à população urbana das grandes cidades helenistas; e, num meio urbano, o cristianismo exerceu uma poderosa força de integração social, que o tornou bastante atrativo aos olhos de uma sociedade greco-romana eriçada por secionamentos sociais, culturais e sexuais".
Nessa mesma época, "o sucesso feminino das religiões de culto ao mistério, de inspiração oriental, era devido a um fator similar à oferta cristã, a saber, a participação numa religião de salvação reunindo seus adeptos em comunidades mistas e igualitárias. As perturbações comunitárias de Corinto e as tensões entre homens e mulheres que ali se produziram são um indício suplementar da importância da participação feminina no seio da cristandade paulina", explica Marguerat.
Analisando as trajetórias do pós-paulinismo, especificamente com relação à mulher, Marguerat conclui que uma delas conta a "prática libertadora de Paulo nas comunidades de discípulos iguais"; uma segunda masculiniza a posição paulina e submete a moral cristã da mulher aos cânones do patriarcado; uma terceira "valoriza o direito reconhecido por Paulo às mulheres de ser uma autoridade na Igreja".
Mas, em Paulo, carismas como rezar e profetizar são reconhecidos tanto a um como ao outro sexo. Por isso, a "inseparabilidade do homem e da mulher `no Senhor` não deve conduzir à confusão das identidades, que complica os gêneros e toca a ordem do criado. Esta posição não há de convir ao igualitarismo moderno que recusa toda noção de autoridade e reclama para cada um o direito à autoafirmação de si; porém, é aqui que a posição paulina é instrutiva, quando ela convida tanto o homem como a mulher a não se definir fora da relação ao outro, quando ela concorda em aceitar a alteridade do outro ou, apelando, em suma, a sair de si para considerar o outro com os seus direitos e a sua verdade", explica Marguerat.
A edição impressa do Cadernos Teologia Pública nº 55 está disponível no IHU e na Livraria Cultural. Sua versão online estará disponível no sítio do IHU, a partir do dia 5 de agosto, no formato PDF. Mais informações, escreva para Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo..
(Por Moisés Sbardelotto)
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