17 Junho 2011
O sociólogo McLuhan, nascido em 1911, se tornou uma marca. Suas ideias são uma canção da qual conhecemos a melodia, mas não o texto completo.
A opinião é do escritor canadense Douglas Coupland, autor de Geração X, em artigo publicado no jornal La Repubblica, 16-06-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Na medida em que se lembra das pessoas, a história precisa rotulá-las. McLuhan foi rotulado por duas ideias que depois se tornaram lugares-comuns: "o meio é a mensagem" e "aldeia global". Ele fez muito mais, mas essas palavras são a sua marca registrada, por assim dizer. "O meio é a mensagem" significa que o conteúdo visível de todos as mídias eletrônicas é irrelevante; é o meio em si e por si que tem o maior impacto sobre o ambiente, fato reforçado pela constatação já irrefutável em termos médicos de que as tecnologias que usamos diariamente, depois de alguns tempo, começam a alterar o funcionamento do nosso cérebro e, consequentemente, o modo em que fazemos experiência do mundo.
Esqueça o conteúdo aparente, por assim dizer, de um programa de televisão. A única coisa que importa é que você está assistindo à TV enquanto tal, às custas de qualquer outra tecnologia, talvez os livros ou a Internet. As mídias com que efetivamente escolhemos passar o nosso tempo modificam continuamente os modos em que pomos a atenção sobre os nossos sentidos: visão com relação à audição e com relação ao tato, em uma escala tão ampla e ao longo de tantos séculos que foi preciso pelo menos uma década depois da morte de Marshall para demonstrar que ele tinha razão, graças ao triunfo da Internet.
O outro lugar comum de Marshall, a "aldeia global", é um modo para parafrasear o facto de que as tecnologias eletrônicas são uma extensão do sistema nervoso central humano e que os circuitos neurais coletivos do nosso planeta poderiam dar origem a uma única grande metacomunidade indistinta, cumuliforme e pseudossenciente ativa, 24 horas por dia e sete dias por semana.
Deve ser lembrado que Marshall chegou a essas conclusões não frequentando, por assim dizer, a NASA ou a IBM, mas, ao contrário, estudando obscuros panfletários da Reforma no século XVI, os escritos de James Joyce e os desenhos de perspectiva renascentistas. Ele foi um mestre em reconhecer padrões, o homem que toca um tambor tão grande que é tocado apenas uma vez por a cada 100 anos.
Há também uma terceira ideia que deve ser lembrada aqui: o homem no seu escritório fresco e silencioso, que permite que uma abelha saia pela janela, era uma vez um superstar. Em um certo momento em meados dos anos 1960, ele havia deixado de ser simplesmente um acadêmico cansativo de Toronto. Ele havia se tornado uma marca de difusão mundial, famoso e sintético e incompreendido e deturpado tanto quanto o seu colega Andy Warhol, artista e criatura das mídias dos anos 1960.
Os mass media adoravam Marshall porque as suas intrincadas posições teóricas conseguiam, ao mesmo tempo, confundi-las e seduzi-las. No início dos anos 1960, não existiam cursos de estudo sobre as mídias. Marshall os inventou literalmente. E, como explicou C.P. Snow no seu As duas culturas, não havia conexão entre a alta cultura e a cultura pop, ou entre os estudos literários e artísticos e os científicos e tecnológicos, e cada um dos dois desprezava o outro.
Mas Marshall via o mundo como totalmente interconectado e se esforçava para reunir todas as formas de cultura, e talvez seja por isso que suas ideias resistiram ao passar dos anos depois da sua morte em 1980, enquanto outras desapareceram.
No início da sua ascensão à celebridade, quando ele sugeria para a primeira vez maneiras de compreender as novas mídias, Marshall era muitas vezes ridicularizado pelo sistema dominante por aquilo que parecia que ele queria dizer, ou porque ele o dizia de um modo que fazia pensar que era preciso um tradutor.
E nos últimos dez anos da sua vida, a celebridade havia caído e, segundo alguns, havia se tornado o pior inimigo de si mesmo, empenhado em defender suas próprias teorias, sobreavaliando-as excessivamente e esclarecendo-as, tornando-as tão sucintas e aforísticas que se assemelhavam a uma linguagem quase esotérica.
Consequentemente, nesses últimos tempos, a maior parte daqueles que conhecem McLuhan de nome têm só uma vaga ideia do que ele disse e fez, e cada vez mais essas ideias vagas se baseiam em informações de segunda, terceira, quarta e enésima mãos. O seu estilo de pensamento e de escrita se presta muito bem à paródia. Mas o problema das paródias é que elas demonstram que um determinado estilo é tão poderoso que se pode... bem... fazer uma paródia dele. A paródia é um elogio indireto por parte de pessoas que acreditam estar fazendo uma dura crítica.
Em certo sentido, as ideias de McLuhan se tornaram como uma canção da qual todos conhecemos a melodia, mas não o texto completo, e, portanto, em que lemos qualquer coisa que nos venha à mente. Esqueça-se dos medíocres atores que se exibiam: a vida no século XXI é um karaokê, a tentativa sem fim de manter uma dignidade diante de um turbilhão de dados que fluem incontroláveis em uma tela.
É significativo notar que os admiradores de Marshall, em geral, são fanáticos. Para eles, esse homem se torna amigo e guia pessoal, uma ajuda para decodificar o karaokê da vida moderna com um fervor elétrico. É esse fervor que me convence de que Marshall era substancialmente um artista, alguém que usava ideias e palavras do modo em que outros usariam a pintura. E quando falava nas salas de aula das universidades ou diante dos atônitos dirigentes da AT&T ou dos excêntricos da Bay Area, o que ele fazia era uma performance art do mais alto calibre.
Isso é, em grandes linhas, o que pensamos dele. Mas o que ele pensaria de nós? Na minha opinião, ficaria chocado ao ver confirmadas as suas teorias em tantos níveis, além de muito feliz por viver na eternidade, ao invés do nosso futuro cotidiano. Marshall odiava o mundo moderno e detestava a tecnologia, mas isso nunca lhe impediu de sentir um interesse obsessivo pelo mundo que ela gerava e um desejo fanático de compreendê-lo.
Marshall era volúvel e obstinado, e muito provavelmente vivia excessivamente no interior da sua própria mente para ser verdadeiramente simpático (embora pessoalmente eu duvide que ele pudesse menosprezar o conceito de simpatia). Mas como ele era bom em unir as palavras de uma forma que hoje parece ser um poema intrincado e fabuloso! E depois ele via o mundo como um livro criado por Deus e estava convicto de que nada, no seu interior, era impossível de se compreender, e não ser capaz de compreendê-lo é por seu próprio risco e perigo.
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Por que, 100 anos depois, o teórico dos "mass media" se reduziu a um slogan - Instituto Humanitas Unisinos - IHU