04 Mai 2011
A versão do Paquistão de que não foi avisado da incursão na caçada a Osama bin Laden compromete a percepção sobre a capacidade das Forças Armadas do país. Sem interceptar os helicópteros dos EUA no espaço aéreo, "o establishment militar paquistanês precisará restabelecer sua credibilidade", analisa Irfan Shahzad, pesquisador do Instituto de Estudos de Políticas, em Islamabad.
Em entrevista, pelo telefone, Shahzad evitou especular sobre o risco de golpe militar. "Há outras maneiras de os militares fazerem sua presença notada", observa. Coautor dos livros Afegãos no Paquistão e Ensaios sobre Muçulmanos e os Desafios da Globalização, ambos de 2009, ele defende o Taleban no Afeganistão e garante que a Al-Qaeda não tem representatividade na sociedade paquistanesa. Shahzad ainda põe em dúvida a morte de Bin Laden e diz que ela transforma o Paquistão em "bode expiatório" dos EUA e desvia a atenção do que ocorre na Líbia.
A entrevista é de Lourival Sant`Anna e publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo, 05-05-2011.
Eis a entrevista.
Há simpatia por grupos terroristas no establishment de segurança paquistanês?
O establishment de segurança se opõe firmemente ao terrorismo e tem provado isso ao longo dos últimos anos. As Forças Armadas e de segurança sofreram muito mais baixas na luta contra o terrorismo do que todas as forças da Otan. Continuar fazendo essa acusação é uma grande injustiça.
Mas o senhor está se referindo às Forças Armadas. E o ISI (serviço secreto paquistanês)?
O ISI faz parte das Forças Armadas. A noção de que eles agem por conta própria é totalmente inverossímil. Pelo mesmo critério de questionamento da integridade de Forças Armadas, poderíamos dizer que a ação das forças especiais dos EUA no Afeganistão está causando sofrimento no Paquistão. Não estou afirmando isso. Estou dizendo que é a mesma acusação.
O que suscita questionamentos em relação aos paquistaneses é o fato de Bin Laden ter sido encontrado num lugar tão visível.
Francamente, não estou convencido de que Bin Laden foi encontrado. Os americanos não foram capazes de provar isso. Não mostraram o corpo.
Em janeiro, os americanos, e não os paquistaneses, já haviam encontrado em Abbottabad o líder terrorista Omar Patek (do grupo Jemaah Islamiyah, responsabilizado pelo atentado de Bali, na Indonésia, em 2002).
É claro que é possível se esconder em qualquer parte do mundo. Os turcos encontraram o líder separatista curdo Abdullah Ocalan em Nairóbi, em 1999, e ele era um alvo altamente valioso, como Bin Laden. O homem mais procurado do Irã, o líder terrorista Abdol Malek Rigi, foi preso num avião de Dubai para o Quirguistão, depois de visitar uma base americana no Afeganistão. Iranianos pousaram o avião para prendê-lo.
Por que os EUA simulariam a morte de Bin Laden agora?
Na verdade, eles precisavam de um resultado para acelerar sua retirada do Afeganistão. Quando saírem de lá, terão de transformar o Paquistão em bode expiatório do fracasso deles, acusando-o de abrigar o terrorismo. Além disso, eles precisavam desviar a atenção do mundo do que eles estão fazendo na Líbia, onde estão excedendo os limites do mandato da ONU.
Quais as consequências para o governo do presidente Zardari?
O governo diz que não foi informado previamente do ataque. Isso coloca em xeque não o governo civil, mas a capacidade de reação das Forças Armadas. Por que não conseguiram interceptar os helicópteros americanos? O establishment militar paquistanês precisará restabelecer a sua credibilidade.
Há risco de golpe militar?
Não diria isso, mas há outras maneiras de os militares fazerem sua presença notada.
O Taleban no Afeganistão conta com apoio no Paquistão?
Claro. Não creio que seja um grupo terrorista, mas um movimento de resistência à ocupação americana no Afeganistão.
E o Taleban no Paquistão?
Não tem nada a ver com o Taleban. Eles apenas pegaram esse nome. Na maioria, são criminosos, contrabandistas ou terroristas que fugiram do Afeganistão.
A Al-Qaeda tem simpatia no Paquistão?
É quase inexistente. Pode-se falar em indivíduos que apoiam a organização, mas nada que tenha uma representatividade social.
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"Paquistão se torna bode expiatório dos EUA" - Instituto Humanitas Unisinos - IHU