07 Dezembro 2012
“Construir uma sociedade ecossocialista mais justa e mais democrática, uma sociedade de abundância frugal baseada na autolimitação das necessidades, eis o programa do decrescimento”, afirma Serge Latouche, autor do texto “Convivialidade e decrescimento”, publicado nos Cadernos IHU Ideias, nº 166.
A ideia de crescimento econômico coincide em tempo e sentido com a ideia da modernidade, cuja retórica promete a maior felicidade para o maior número de pessoas. Este é o programa da sociedade de crescimento, segundo Serge Latouche, ou seja, a ideia de felicidade quantificada onde o padrão de vida, inexoravelmente é medido ou calculado pela quantidade de bens e serviços que se permite comprar.
No entanto, a realidade observada indica a falência desse modelo de maior felicidade quantificada. O pressuposto deste programa assenta-se sob três incidências:
a) felicidade é bem-estar material;
b) bem-estar é possuir estatístico, quantidade de bens e serviços comerciais adquiridos, produzidos e consumidos;
c) avaliação da soma dos bens e serviços é calculada de forma bruta, sem considerar a perda do patrimônio natural e artificial necessário à sua produção.
Outro aspecto a ser considerado refere-se à própria ideia de felicidade e como a mesma é conceituada. Certo, tem sido que nivelar sentimento de felicidade pela ordem clássica do Produto Nacional Bruto (PNB) per capita ou pelo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), é como sustenta Jean Baudrillard, “um blefe coletivo”. Neste sentido, portanto, é impossível assimilar a ideia de crescimento com a elevação do bem-estar.
Esta impossibilidade, aliás, reflete-se na imunidade do mercado e sua lógica frente à destruição da natureza, na assimetria das relações sociais e dos padrões de coexistência e de convivência, do círculo vicioso da criação ilimitada de necessidades e produtos, da frustração que isso gera, bem como, do individualismo exacerbado deste modelo. Sair deste imaginário de crescimento econômico pressupõe rupturas e estabelecimento de regras que regulem ou limitem a ganância dos agentes econômicos: proteção social e ambiental, legislação trabalhista, limitação da dimensão das empresas, etc. Inescapavelmente isto levaria à desmercantilização das três mercadorias fictícias, que são para Latouche, o trabalho, a terra e a moeda, em outros termos, reativaria a possibilidade de uma nova ou outra reinserção do econômico no social.
A partir da constatação destes limites do crescimento econômico e de seu discurso, o economista e sociólogo Serge Latouche se propõe a construir as bases conceituais para a convivialidade e o decrescimento. Inicialmente, isso se dá pela redefinição da felicidade como “abundância frugal numa sociedade solidária”, ou seja, sair do círculo da criação ilimitada de necessidades e produtos, pela autolimitação. Trata-se de um modo de vida na sociedade pós-industrial onde as pessoas reduzem sua dependência em relação ao mercado. Neste cenário, as técnicas e ferramentas serviriam para criar valores de uso não quantificados e não quantificáveis pelos “fabricantes de necessidades”.
A segunda proposição pautaria-se pela ideia de convivialidade como forma de reabilitação daquilo que tem sido rejeitado e excluído, reconstruindo, novamente o laço social desfeito pelo “horror econômico”. Para Latouche, é neste contexto que se redimensiona o espírito do “dom” nas relações sociais, sobretudo pela vivência do primeiro dos oito “R”, que formam o círculo virtuoso: o reavaliar os valores que a sociedade mercantil e a concorrência exacerbada condenaram ao esquecimento, negando inclusive a nossa situação num mundo ao mesmo tempo generoso e limitado, onde somos destinados a viver em simbiose com outras espécies vegetais e animais.
Desta forma, o acesso ao dom, no projeto do decrescimento, acontece primeiramente pelo resgate da dívida ecológica como condição inexorável para sair da sociedade de crescimento. O realismo político desta situação pressupõe uma ética da responsabilidade donde se estabelece compromissos para a ação. Ainda que a utopia desta sociedade do decrescimento seja revolucionária, a transição para a mesma supõe programas reformistas. Isto que dizer que “muitas propostas alternativas que não reivindicam explicitamente o decrescimento podem muito bem então encontrar aí o seu lugar”, sustenta Latouche.
A ideia de decrescimento, portanto, reafirma-se como uma saída no resgate da autoestima, na reconstrução de uma sociedade decente e convida para um outro mundo possível. Mundo, aliás, que já está neste mundo, em nós, em outra forma de olhar, inclusive sobre nós mesmos.
Para Latouche, “construir uma sociedade ecossocialista mais justa e mais democrática, uma sociedade de abundância frugal baseada na autolimitação das necessidades”, é o que define o programa do decrescimento.
A versão completa dos Cadernos IHU Ideias, nº 166, encontra-se disponível neste sítio.
Afonso Maria das Chagas, mestrando no PPG em Direito da Unisinos.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
O necessário programa do decrescimento - Instituto Humanitas Unisinos - IHU