26 Outubro 2012
A obra Missões: Uma Utopia Política de Arno Kern,"reconstrói o cotidiano, as convivências, os conflitos, as tensões, as cooperações imbricadas no bojo das relações pessoais e coletivas entre os diferentes atores sociais que compuseram o cenário das Missões – jesuítas e guaranis – e as várias formas possíveis de contatos e negociações em meio aos conflitos e as crises inerentes da conquista hispano-americana na construção da região do Rio da Prata, particularmente o papel desempenhado pela organização dos povoados missioneiros, construídos em lugares de fronteira, tanto territorial quanto étnicas e culturais", constata Júlio Ricardo Quevedo dos Santos, coordenador do curso de graduação em História da UFSM e doutor em História pela USP, em texto publicado pelo jornal Zero Hora, 20-10-2012.
Eis o artigo.
No começo da década de 1980, a editora Mercado Aberto lançou a obra de Arno Kern Missões: Uma Utopia Política, cuja proposta era elucidar a implantação de instituições e valores da sociedade global espanhola nas Missões guaranis da Província Jesuítica do Paraguai, ao longo do século 17, que teve como fulcro a controvertida organização política, reconhecida pelo autor como utópica, não no sentido ideal, mas a partir da realidade e dos seus vínculos criados a partir das trocas culturais entre a cultura tradicional indígena e a hispano-americana. Enquanto na academia os debates gravitavam da aculturação indígena nas Missões, Kern propunha que a experiência foi transcultural, híbrida, devido às trocas culturais ocorridas no bojo das práticas culturais das comunidades indígenas e dos seus líderes carismáticos, os missionários da Companhia de Jesus. O enunciado proposto instiga o leitor – acadêmico ou não – e o desafia a rever um conjunto de posições a respeito do tema.
Ao longo da narrativa histórica, Kern reconstrói o cotidiano, as convivências, os conflitos, as tensões, as cooperações imbricadas no bojo das relações pessoais e coletivas entre os diferentes atores sociais que compuseram o cenário das Missões – jesuítas e guaranis – e as várias formas possíveis de contatos e negociações em meio aos conflitos e as crises inerentes da conquista hispano-americana na construção da região do Rio da Prata, particularmente o papel desempenhado pela organização dos povoados missioneiros, construídos em lugares de fronteira, tanto territorial quanto étnicas e culturais.
Gradativamente, à medida que o público leitor interage com a obra compreende a experiência missioneira, devidamente contextualizada em suas várias possibilidades de interpretações do passado histórico platino, sul-rio-grandense e brasileiro. O itinerário da obra permite a compreensão de tal experiência em seu aspecto multicultural, já que o autor revisita algumas construções históricas como as de Moyses Vellinho, Capitania d’El Rey, e Clóvis Lugon, A República Comunista Cristã dos Guaranis, negando-as em sua essência e abordando a ação dos jesuítas como líderes carismáticos, os quais tiveram que persuadir comunidades guaranis a viverem nas Missões e se transformarem nos principais atores sociais e históricos daquela experiência. Ao longo da abordagem de Kern é ratificado o papel dos guarani-missioneiros nas diversas atuações em prol dos seus interesses, da Companhia de Jesus e das autoridades hispânicas, configurando-a como uma utopia real. Para confirmar a tese, um dos aspectos relevantes da obra é recuperar a construção, trajetória e organização do exército guarani e o seu papel na defesa das fronteiras coloniais platinas, principalmente após o fim da União das Coroas Ibéricas, em 1640, quando foram desencadeadas várias ações estratégicas e táticas que levou à construção das fronteiras, descartando assim as possibilidades de fronteiras naturais.
Essa análise tão bem formulada por Kern se tornou um marco na produção historiográfica, devido aos seus argumentos, as fontes meticulosamente selecionadas, seriedade, qualificação do debate e diversas possibilidades de novas pesquisas acadêmicas que se abriam. Dessa forma, a partir dela uma geração de pesquisadores ao longo das décadas seguintes passaram a buscar novas leituras do tempo presente a partir dos seus vínculos com o passado histórico missioneiro, recuperado, ressignificado, repensado, retomando assim vários arquivos históricos. As pesquisas ultrapassaram os limites da história regional, atingindo o debate nacional e o internacional, é comum ver a obra citada em pesquisas de diferentes lugares do planeta. Por fim, desde a sua publicação em 1982 até o momento, todas as investigações científicas têm em algum momento do seu itinerário a referencia da obra de Kern, em muitos casos de forma paradigmática, residindo ai a importância que ela possui cada vez mais na compreensão dessa controvertida organização política: as Missões Guaranis.
A OBRA
O livro Missões: Uma Utopia Política, de Arno Alvarez Kern, foi publicado em 1982 pela editora Mercado Aberto. A edição está esgotada. Este ano, que marca o 30º aniversário de publicação do livro, o autor prepara uma segunda edição revista e aumentada, ainda sem previsão de lançamento.
O AUTOR
Arno Alvarez Kern nasceu em 5 de maio de 1940, em Santo Ângelo. Aos sete anos, acompanhando a família, fixou-se em Porto Alegre, onde completou a educação fundamental. Licenciou-se em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em 1969. Concluiu mestrado em História na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, em 1979, e doutorado em Arqueologia na École de Hautes Études en Sciences Sociales (Ehess), Paris, em 1981. Também fez dois pós-doutorados pela Ehess em 1996 e 1997. Professor aposentado da UFRGS, atualmente é professor do Programa de Pós-graduação em História da PUCRS. Especialista internacionalmente reconhecido em história das missões jesuíticas na região oeste do Rio Grande do Sul, é também autor de Utopias e Missões Jesuíticas (Editora da UFRGS, 1994) e Antecedentes Indígenas (Editora da UFRGS, 1994).
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Missões guaranis: itinerário de uma utopia política - Instituto Humanitas Unisinos - IHU