10 Julho 2012
Uma conversa com o sociólogo italiano Marco Marzano, autor de uma investigação publicada pela editora Feltrinelli Quel che resta dei cattolici [Aquilo que resta dos católicos]. Um relato a partir de dentro de uma estrutura dividida entre hierarquia e base, onde a tendência a contar com a tradicional verticalidade é percebida até mesmo nas comunidades mais ativas.
A reportagem é de Martino Doni, publicada no jornal Il Manifesto, 07-07-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Imaginemos a cena: é domingo, por volta das 9 horas da manhã, um pai ainda um pouco tonto, mas estimulado pelo senso do dever, entra no quarto do filho de dez anos, o sacode para acordá-lo, afastando-o de um sacrossanto e profundo sono restaurador. O filho balbucia, resiste, esfrega os olhos, olha para o pai e lhe pergunta já um pouco irritado: "Eu tenho que ir para o karatê ou para a catequese?". A pergunta gela o sangue do pai. Não tanto porque o seu filho ainda não entendeu que no domingo de manhã é preciso ir para a catequese, e não ao karatê, mas também porque seja apenas possível uma alternativa desse tipo, que diz muito sobre o abismo de tédio e de nivelamento cultural se assoma à experiência religiosa católica do nosso tempo.
O fato de que a cena seja real e tenha realmente acontecido com o que escreve pode dar uma ideia de como é útil um livro como o último de Marco Marzano, Quel che resta dei cattolici. Inchiesta sulla crisi della chiesa in Italia, Ed. Feltrinelli, 250 páginas. Não porque, por si só, a cena seja importante ou mereça sabe-se lá qual reflexão. Mas porque de cenas assim há milhares, e nunca encontram um público que pode absorvê-las ou criticá-las.
Marzano, que ensina sociologia na Universidade de Bérgamo, não é novo em investigações desse tipo, que, ao contrário, estão caracterizando o seu âmbito de pesquisa de modo peculiar. O que há de novo, no entanto, é que, nesse seu último trabalho, muitos italianos, crentes ou não, poderão se reconhecer, porque a beleza e a força desse livro estão precisamente em dar voz a inúmeros protagonistas de uma dimensão submersa da vida social contemporânea, a do catolicismo vivido, de baixo, sem redes de resgate, com todas as contradições e as distorções, os mal-entendidos e as ilusões, os sofrimentos e as resistências.
Não se trata, portanto, de uma pesquisa teórica que parte dos máximos sistemas da teologia ou da teoria social, mas sim de uma investigação, perfeitamente legível e ao mesmo tempo bastante tremenda, segundo aquilo que há de tremendum e de fascinans na voz direta de quem se debate na absurda bonança do mundo de hoje.
Encontramos Marzano em uma tarde muito quente, enquanto ele estacionava o carro, e uma pequena multidão de crianças e jovens arregimentados nas camisetas do Centro Recreativo de Verão da Cúria local lhe bloqueava o acesso ao estacionamento. A Boa Nova em versão baby-dance: não poderia haver melhor introdução.
Eis a entrevista.
Comecemos do método: em Quel che resta dei cattolici, encontramos um relato acurado, a partir de dentro, de muitas experiências de fé ou de crise. Com base em que critério os vários interlocutores foram escolhidos?
Eu já tinha trabalhado nesse campo na minha investigação sobre o carismatismo e a religiosidade popular, publicada há alguns anos (Cattolicesimo magico, Ed. Bompiani, 2009). Portando, digamos que eu já tinha uma pequena rede de contatos, que depois ampliei, indo para cima e para baixo pela Itália, encontrando e entrevistando centenas de pessoas, observando muitas coisas diretamente, com os meus olhos. Em suma, fiz pesquisa do modo que me agrada: estando com as pessoas, no meio delas, não partindo de sabe-se lá qual teoria ou preconceito, mas, ao contrário, fazendo ressoar a verdade daquilo que elas têm a dizer e que, infelizmente, não dizem quase nunca, porque não ousam ou porque não sabem que podem fazê-lo. Isso me apaixona muitíssimo: a possibilidade de coletar verdades inéditas. Eu acredito que esse é o sentido do nosso ofício. Enfim, não me bastavam os questionários e as pesquisas telefônicas com as quais, em geral, são estudados os fenômenos religiosos: eu queria olhar os católicos italianos na cara.
E o que dizem os diversos interlocutores de tão terrível que não ousariam repeti-lo fora de nomes de fantasia e vidros fumês?
Eles contam a pulverização dos significados, o desmoronamento de uma estrutura, a Igreja, que hoje não sei se se mantém de pé ou não, mas sei que está dividida em duas: de um lado, há a Igreja pública, aquela que ocupa a cena midiática, aquela dos bispos e do Vaticano; de outro, há as paróquias, que sofrem terrivelmente, que se esvaziam, que, quando estão cheias, também estão muitas vezes vazias de sentido e de participação real. Muitos párocos me contam isto: quando têm que celebrar um funeral ou principalmente um casamento, eles estão mal, porque sabem que se trata, em certo sentido, de uma ficção, enquanto eles celebram a eucaristia, isto é, o sacramento principal, aquele que, para eles, dá razão ao seu ser e ao da comunidade... Se pararmos para pensar, é uma experiência dilacerante: você está fazendo o que você mais acredita, e os fiéis conversam, tiram fotos, bocejam e principalmente não acreditam em uma palavra do que você está dizendo. Para alguns, isso sempre aconteceu, mas, na era da autenticidade, esse é o sinal de uma crise muito profunda.
Talvez o dado mais alarmante que emerge da investigação é justamente essa separação entre a hierarquia dos bispos e a base dos padres e dos leigos das paróquias.
Parece-me justamente que sim. Além das igrejas mais ou menos vazias, o que eu vi foi uma Igreja afônica, a das pessoas comuns; a Igreja dos bispos é iluminada até demais por todos os tipos de faróis. Hoje, para falar de Igreja, na Itália, você tem que ser um vaticanista! Os jornalistas e os políticos se iludem de que as pessoas estão lá se perguntando, como Stalin, quantas armadas o papa tem. Mas eu penso que pouco importa aos fiéis as manobras ocultas, as intrigas... Os fiéis nem sequer leem as encíclicas! A fé hoje, aqui e em toda parte no mundo ocidental, está cada vez mais se privatizando. Acontece isso em todas as grandes instituições: chama-se crise do espaço público. Isso também vale para a política, a educação, aquilo que antigamente se chamava de o universo dos valores...
E as duas Igrejas nunca conversam entre si?
Eu não acredito: a hierarquia não tem vontade de ouvir, e o povo dos fiéis não sabe a quem se dirigir. O drama do catolicismo parece-me o fato de que a primeira Igreja, a da hierarquia, nem sequer precisa mais do povo, isto é, da segunda Igreja. Basta-lhe a mídia. Basta-lhe que o telejornal transmita o comunicado do representante dos bispos ou que noticie o último discurso do papa. Mas isso, repito, se verifica em toda parte, não só na Igreja: a cúpula pode alegremente ignorar a base. O mais atroz da Igreja é que a base, quase sempre, não desejada nada mais do que um aceno de consenso por parte de um bispo. Eles não sabem abrir mão disso.
Como se pode explicar esse fenômeno?
É evidente que seria necessária uma reflexão teórica mais aprofundada, mas eu tenho a sensação de que está em jogo um grande desafio educacional. A Igreja na Itália expressa uma enorme dificuldade para acolher os adultos. As Igrejas se abrem para as crianças, para os idosos, mas os adultos não estão lá, e quando estão, estão mal. O leigo católico adulto ainda precisa do placet do sacerdote, isto é, se posiciona de um modo infantil diante de uma autoridade, a do padre e da verticalidade da Igreja em geral, que por si só não tem justificação, senão as que lhe são dadas pela tradição. Eu entrevistei longamente leigos de um grupo que por um tempo teria se chamado "católico-comunista": aguerridos, capazes, cheios de vitalidade e de ideias, a melhor parte de uma comunidade. Bem, eles me confessaram esperar que o bispo, antes ou depois, acolha as suas demandas. Mas eu digo: vocês não podem fazer isso sozinhos? Por que sempre precisam do bispo?
Não se consegue crescer, enfim. No fundo, tornar-se adulto significa assumir sobre si o ônus de gerir as passagens cruciais da vida: o nascimento, as relações, a morte. Com efeito, os sacramentos tradicionais marcam os ritos de passagem comuns a todas as sociedades que conhecemos. Esse infantilismo, talvez, deve ser relacionado não só à religião, mas a todos esses momentos limiares, que cada vez mais temos dificuldades para reconhecer e compreender.
Concordo. Na minha investigação sobre a morte de câncer na Itália (Scene finali, Ed. Il Mulino, 2004), eu já pude evidenciar como o paciente se entrega nas mãos do médico como uma criança. Naquela época, eu dava um grande peso ao papel do médico nesse processo. Hoje, tendo refletido a respeito, devo admitir que o paciente põe muito de si na abdicação da própria adultidade. O mesmo poderia ser dito do casamento e do funeral: ambos os momentos em que a instituição é posta em dúvida como administração, e não mais como hóspede da passagem. Ou seja, a instituição não é mais o espaço público que acolhe e apoia os recém-chegados; ao contrário, ela é a decisora última dos destinos e das vontades dos seus adeptos. No entanto, parece-me que a Igreja está mais exposta do que outras instituições a esse tipo de infantilização do fiel. Um pouco porque o catolicismo está recaindo cada vez mais em formas públicas moderníssimas na forma e pré-conciliares na substância, aquelas que seguem o triunfalismo dos eventos midiáticos, e requer por parte dos fiéis uma participação passiva, isto é, a simples obediência (e nisso reside a matriz tridentina, reacionária, desse estilo); um pouco porque os católicos, mesmo os mais vivazes, sofrem de uma estranha síndrome, que eu chamaria de obsessão pela unidade.
Em que consiste?
A obsessão pela unidade é aquela estranha doença que leva os católicos a buscar a todo o custo o consenso da cúpula, o desejo de obter a aprovação dos andares superiores, que eu leria também como a ambição não confessada de que a própria linha se torne a universal, a única. Isso, também, se pensarmos, é um comportamento muito infantil.
O teólogo protestante Dietrich Bonhoeffer se referia à necessidade de tornar-se adulto na fé, isto é, livre e responsável diante, por exemplo, da morte. Talvez o que falta no catolicismo italiano seja precisamente a experiência da Reforma, que, segundo alguns, obrigou os fiéis a se virarem sozinhos, sem as garantias do clero.
Certamente, o processo de privatização que descrevemos no início fala também de uma tentativa, canhestra e problemática o quanto quisermos, mas ainda em curso, de americanização do vínculo social. Isto é, também, de uma tensão "protestante" interna ao próprio catolicismo, que testemunha por sua vez a vontade que muitos têm dizer a sua opinião sobre muitas questões, de não ceder à pressão de um poder cada vez mais distante e abstrato, de ser sujeito e protagonista das próprias escolhas e das próprias decisões. Esse também é um sinal dos tempos, como mostrou o filósofo norte-americano Charles Taylor, na sua monumental pesquisa sobre a era secular.
Nos tempos da Reforma, ninguém podia sequer sonhar em "escolher" qualquer coisa no campo religioso (se dizia cuius regio eius religio, não?). Hoje, ao contrário, a escolha é um momento crucial, do qual – e não por acaso – as hierarquias têm um certo temor. Quanto mais liberdade tem o indivíduo, mais evidente se torna o desmoronamento da instituição que queria administrá-lo. Mas eu gostaria de encerrar com uma nota de otimismo: eu vi essa tensão, embora um pouco em contraluz, eu vi esse crescente desejo de autonomia. Antes ou depois, o desafio será lançado, será algo enorme, cujos resultados decidirão o destino de uma das religiões mais tenazes da história. O melhor das religiões, diria Ernst Bloch, é que elas produzem hereges.
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Infantilização e privatização da fé: a crise da Igreja. Entrevista com Marco Marzano - Instituto Humanitas Unisinos - IHU