18 Junho 2012
Para além das modas, o Vaticano II continua estando no centro da vida cristã e da Igreja Católica, nas suas decisões cruciais sobre a liturgia, a revelação, o ministério, a pneumatologia, a liberdade, a aliança de Israel, a alteridade, a pobreza.
A análise é Alberto Melloni, historiador da Igreja italiano, professor da Universidade de Modena-Reggio Emilia e diretor da Fundação João XXIII de Ciências Religiosas de Bolonha. O artigo foi publicado no caderno La Lettura, do jornal Corriere della Sera, 17-06-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
O Vaticano II não obteve grandes benefícios da temporada em que ele estava de moda. As suas intuições mais profundas foram muitas vezes banalizadas, as suas exigências mais imperativas, desatendidas. Agora, o vento dos vícios virou, e aqueles que se envergonhavam de entendê-lo, ou que ousavam dar às suas próprias preguiças espirituais o venerável nome de Tradição, têm sonhos impossíveis. Essa galáxia, à qual Bento XVI presenteou muitos gestos de indulgência, ao invés de se contentar e de agradecer, subiu à cabeça.
Alguns deles, como o padre Gherardini, suplicam há muito tempo uma desclassificação do Vaticano II a concílio adogmático: de forma a se livrar daquelas decisões que redesenharam o rosto ecumênico, inter-religioso e eucarístico da Igreja. E às vezes encontram um apoio inesperado em uma historiografia que já sente ter as provas de que o Concílio se desenvolveu depois da metade do século XX, quase certamente no início dos anos 1960, e que, textos à mão, pode demonstrar que nele afloram convicções religiosas de clara marca cristã...
Outros já estão convencidos de que com pouco – um outro decano ou um outro secretário de Estado ou uma outra fornada ou até mesmo um outro papa – se poderia realmente enterrar o Concílio e saltar para um ponto impreciso no tempo, para trás ou, no mínimo, para frente, como se realmente a experiência fundamental do cristianismo fosse matéria crua, pensável fora de uma história. Mas, para além das modas, o Vaticano II continua estando no centro da vida cristã e da Igreja Católica, nas suas decisões cruciais sobre a liturgia, a revelação, o ministério, a pneumatologia, a liberdade, a aliança de Israel, a alteridade, a pobreza.
Certamente, existem decisões que lhe foram subtraídas e que às vezes corre-se o risco de ler como lacunas. Paulo VI, como se sabe, considerava que havia temas tão delicados e complexos que o papa os resolveria melhor sozinhos do que com uma assembleia: a guerra na era da dissuasão nuclear, o celibato eclesiástico, a reforma da Cúria Romana, a contracepção, a prática da colegialidade episcopal. Nós que isolaram, atormentaram e finalmente esmagaram o Papa Montini. João Paulo II literalmente os "sobrevoou" com o seu estilo de não governo. E permaneceram longe da agenda de Bento XVI.
A partir daquele governo mais "latino" e mais institucional de todos que é a forma de governo eclesial, o Vaticano II, de fato, indicou o caminho da colegialidade – que não é uma espécie de "democracia", mas sim a consequência de um modo de ver a Igreja universal e as Igrejas particulares em um dinamismo de comunhão que nasce do sacramento episcopal e não de uma concessão do papa ou de um direito de baixo.
Essa indicação não foi obedecida: nem nas reforma da Cúria, nem na do Código de Direito Canônico, e nem mesmo quando uma encíclica wojtyliana – Ut unum sint – pôs a questão da fisionomia do ministério petrino. Mas se o Vaticano II não quis forçar, não foi por fraqueza e nem mesmo porque ignorasse que a nossa história seria rápida: foi o seu próprio modo de ser e a convicção de que a ele cabia iniciar, dar responsabilidade. O fato de que nos sintamos de má vontade com esse início e responsabilidade não é culpa do Concílio, mas sim de quem hesita.
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A crise do Vaticano II: o peso da colegialidade. Artigo de Alberto Melloni - Instituto Humanitas Unisinos - IHU