08 Mai 2012
A emancipação das democracias em relação à religião não significa perda de dimensão mítica. Os movimentos exibem sinais e siglas desprovidos de energia, de mensagens reconhecíveis e fortes sobre o nosso futuro.
A análise é do filósofo italiano Roberto Esposito, em artigo para o jornal La Repubblica, 07-05-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Onde nasce essa desafeição com a política que pervade as nossas sociedades até a borda? O que afasta cada vez mais a linguagem dos políticos daquele cruzamento de impulsos, emoções, esperanças que molda a nossa experiência? E por que, talvez nunca como hoje, a onda longa da política parece se inchar no tsunami da antipolítica – para retomar a eficaz metáfora usada por Eugenio Scalfari no seu editorial do dia 30 de abril?
Uma resposta penetrante a essas perguntas é fornecida agora pelo último livro de Gustavo Zagrebelsky, recém-editado na coleção Vele da editora Einaudi, com o título Simboli al potere. Politica, fiducia, speranza [Símbolos no poder. Política, confiança, esperança].
Certamente, o que fomenta tais humores antipolíticos são os eternos privilégios da "casta"; os fenômenos, cada vez mais vistosos, de corrupção; a dificuldade, por parte dos partidos, de sair de uma longa fase de impasse, elaborando propostas confiáveis de governo. Mas há algo a mais e mais profundo que se refere ao seu léxico – como um verme interno que o empobrece e o consome, o esvazia e o achatado em uma superfície plana, privando-o de espessura e de força vital.
Trata-se daquele fenômeno degenerativo que Zagrebelsky sintetiza com o termo "dessimbolização". Ao contrário de autores como Rawls ou Habermas, que veem na política uma atividade guiada por procedimentos racionais, ele reconhece na dimensão simbólica uma reserva de sentido fundamental do agir coletivo. Como foi destacado pela grande cultura sociológica de Weber e Durkheim, mas também pelas pesquisas históricas fundamentais de Marc Bloch e de Ernst Kantorowicz, a fenomenologia do poder é inacessível se separada da função que nela desempenha a esfera do mito.
A emancipação da política com relação à ancoragem religiosa, consequente da secularização, não significa de fato perda de dimensão mítica, como ingenuamente supôs a tradição iluminista, contrapondo frontalmente mythos e logos. Segundo o próprio Weber, aliás, é precisamente da "gaiola de aço" da burocratização que se gerou, por reação, nas primeiras décadas do século XX, a exigência de uma nova política carismática, com os resultados, até mesmo trágicos, que conhecemos.
A consequência que se deve tirar disso é que, todas as vezes em que se pretendeu reduzir a política a uma simples prática administrativa, sufocando a sua carga energética original, ela se reverteu em pulsão agressiva, disponível para ser usada por qualquer pessoa se dela se apoderasse através de novos mitos irracionais.
Zagrebelsky intensifica essa linha de raciocínio, reconhecendo no símbolo uma entidade de dupla face, em trânsito contínuo entre realidade subjetiva e instâncias objetivas, positivo e negativo, passado e futuro. Canal de acesso do sujeito a uma dimensão inatingível apenas com os seus instrumentos racionais, ele, uma vez objetivado em normas e instituições, se torna um poderoso fator de integração social.
Sem o símbolo, se reduzíssemos a experiência humana à abstração da pura razão calculante, não poderia haver nem sociedade nem política. Porque, na base de ambas, está aquela capacidade de referência a algo diferente, aquele impulso projetual, que constitui, ao mesmo tempo, a condição e o significado da vida coletiva.
Symbolon, como contado no Banquete de Platão, é o resultado da reunião de duas partes desconexas, que, declarando a sua própria insuficiência, se combinam em um todo que as compreende na forma da atração recíproca. Mas sem jamais perder a sua tensão constitutiva, sem jamais repousar em uma paz definitiva. Porque, por trás da face de luz do symbolon, sempre se assoma a ameaça obscura do diabolon – de uma nova e mais letal cisão entre diferentes que se interpretam como absolutos opostos.
O próprio pronome "nós" – que une os distintos em um pertencimento comum – traz dentro de si um potencial contraste com o "vocês". É por isso que Zagrebelsky recorda, com Simmel, que, para fazer sociedade, não basta o "dois", dividido entre o amor e inimizade, mas é preciso o "três", em que os contrastes subjetivos se desfazem na objetividade de instituições terceiras.
Ao pêndulo contínuo entre sujeito e objeto, é confrontada a passagem, interna ao próprio símbolo, de um valor positivo e um negativo, e vice-versa. De grande sugestão é o exemplo, central na nossa tradição, da Cruz – passagem sem solução de continuidade de sinal, nu e despojado, de dor e contrição, a símbolo de triunfo e também de perseguição contra hereges e infiéis, para depois fluir novamente em uma espécie de insignificância, miséria posta em jogo de luta política entre inclinações adversas. Sem falar da sua terrível perversão na cruz gamada nazista, que também acendeu a chama do entusiasmo em um povo inteiro, mobilizando-o contra outros mitos contrapostos.
Como também lembra Clare Bottici em Filosofia del mito (Ed. Bollati Boringhieri), se lermos em sobreposição O Mito do Estado, de Cassirer, e Reflexões sobre a Violência, de Sorel, se capta o pivô secreto em torno do qual um mesmo símbolo agressivo parece girar sobre si mesmo, percorrendo de um polo ao outro do quadrante ideológico do tempo.
A última dialética à qual Zagrebelsky remete a dinâmica simbólica é a que vai do passado ao futuro. Certamente, o símbolo afunda suas raízes em uma camada original – na referência ao mundo natural ou a uma experiência vivida e, portanto, já passada. É desse modo que ele adquire aquela força legitimadora que o coloca como fundamento de normas e de instituições – na falta da qual estas se apoiariam no vazio da pura efetividade ou sobre uma obrigatoriedade sem justificação.
Mas, para poderem persuadir os homens, de fato, a obedecer às leis, os símbolos que lhes dão substância devem estar voltados para o futuro, trazer dentro de si um modelo de sociedade, falar não só para as gerações presentes, mas também para as que virão. É de Franz Rosenzweig a aguda observação de que, ao contrário da monarquia, vinculada à continuidade biológica da sucessão dinástica, o mecanismo eleitoral da democracia levou a romper o fio entre as gerações. Zagrebelsky remete esse dado institucional àquele déficit simbólico que constitui doença mais insidiosa das democracias contemporâneas.
Voltemos, assim, à questão inicial da antipolítica. Ela também, naturalmente, trabalha sobre os símbolos. Mas sobre símbolos vazios de conteúdo, construídos no deserto simbólico da política atual. Certamente, partidos e movimentos continuam exibindo sinais, siglas, emblemas – desenhos de flores, plantas ou animais. Mas desprovidos de energia, de valores reconhecíveis, de mensagens fortes sobre o nosso futuro. Puras formas sem vida, confiados a estudos publicitários interessados apenas à eficácia da gráfica, à gramática das pesquisas e ao preenchimento multicolorido das cédulas eleitorais.
No momento em que os partidos perdem a sua relevância simbólica, a antipolítica tende a se apoderar dela, deslocando a linha do conflito do âmbito dos projetos de sociedade ao do confronto, desprovido de conteúdos, contra a própria política. Restrita entre as receitas técnicas de pura administração do existente e as aspirações de movimentos sem programas e sem perspectivas, a política continua perdendo terreno. Mas o que pode parecer ser um destino ainda depende sempre de atitudes e opções que ainda é possível, e necessário, mudar.
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Os valores dos símbolos. Artigo de Roberto Esposito - Instituto Humanitas Unisinos - IHU