04 Mai 2012
"Na fé que é a união de Deus com a alma, tu és um em Deus, e Deus está inteiramente em ti, precisamente como para ti ele está inteiramente em tudo o que tu encontras", afirmava Dag Hammarskjöld, ex-secretário-geral da ONU, citado por Gianfranco Ravasi, em artigo onde escreve que "a mística agnóstica, secular ou mesmo ateia, encontra Deus em tudo o que encontramos"
O artigo Gianfranco Ravasi, cardeal presidente do Pontifício Conselho para a Cultura, foi publicado no jornal Il Sole 24 Ore, 29-04-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o artigo.
Encontrei poucas vezes, quando vivia em Milão, Franco Fortini, personalidade vigorosa e às vezes "pontuda", claramente secular, mas sempre voltada para as regiões do sagrado e da espiritualidade. A única vez em que conversamos mais longamente – acredito que um par de anos antes da sua morte ocorrida em 1994 –, o discurso girou sobre Simone Weil, figura de intelectual judaica envolvida intimamente com a rede das questões teológicas cristãs.
Eu descobri, então o fascínio que os seus escritos exerceram sobre Fortini, resumindo-os para mim com trechos inteiros, chegando até a citá-los quase de memória. O que lhe atraía não era tanto a dimensão filosófica e social dessa mulher, mas sim a sua concepção religiosa. Lembro-me em particular da evocação que o autor de Extrema ratio dedicava ao tema do "retirar-se" de Deus na criação (o que a tradição judaica medieval chamava de zimzum).
De fato, escrevia Weil nos seus Quaderni, traduzidos pela editora Adelphi em 1993: "Por Deus, a criação não consistiu no estender-se, mas sim no retirar-se. Ele deixou de comandar em todos os lugares, lá onde tinha o poder para isso. Esse movimento é o amor". Consequentemente, na nossa realidade criatural – continuava – "também existe um força teófuga, senão tudo seria Deus".
Em seu itinerário pessoal e cultural, a escritora francesa, no entanto, havia se encaminhado sobretudo pelo caminho que tinha Cristo como meta. De fato, ela confidenciava a interlocutor católico seu, o padre Jean-Marie Perrin: "Se nos desviamos de Cristo para ir rumo à verdade, não faremos muita estrada sem cair entre os seus braços". E ainda: "Foi em uma das vezes em que eu recitava a poesia Amore, de George Herbert [poeta inglês do século XVII] que o próprio Cristo desceu e me agarrou nos braços".
Quem jamais leu uma página das obras dessa mística agnóstica (é o oxímoro que me vem à mente para defini-la), eu sugeriria – como precursor para uma viagem textual mais ampla – que seguisse as suas 15 Meditazioni, que Martin Steffens introduz e comenta com muita fineza. Assim, se conseguirá entender também por que Fortini e tantos outros não crentes foram conquistados por essa mulher.
Depois, se continuará ouvindo a sua voz através das suas obras-primas, como L'ombra e la grazia (Ed. Bompiani, 2002) ou L'attesa di Dio (Ed. Adelphi, 2008). O ponto de chegada de Simone está na invocação, isto é, na oração, que não é alienação, mas sim enraizamento (enracinement) autêntico na história, na sociedade e na política. Lá, tem-se finalmente "o amor puro por Deus, quando a alegria e o sofrimento despertam gratidão igualmente".
Simone Weil morreria em Londres com apenas 34 anos em 1943 e, mesmo jamais tendo se tornado cristã, a sua profissão ideal de fé era clara: "Por assim dizer, eu nasci, cresci e sempre vivi sob a inspiração cristã".
Ao contrário, cristã explícita foi uma outra mulher francesa, capaz de cruzar o percurso sobre altos caminhos imersos no céu cristalino da mística com a viagem a pés empoeirados na banlieue parisiense de Ivry, em meio à degradação moral e social. Ela é Madeleine Delbrêl, que foi poetisa e assistente social, e que morreu aos 60 anos em 1964 (dentre outras coisas, está aberta a prática para a sua beatificação).
A editora milanesa Gribaudi está organizando o Opera omnia, que já chegou ao terceiro volume, e agora – organizado por Guido Dotti da Comunidade Monástica de Bose – ela apresenta um texto verdadeiramente delicioso que desfaz a ideia da pessoa mística como taciturnamente silenciosa, carrancuda, voltada apenas para um céu imaculado e imóvel.
Essas páginas, de fato, são muitas vezes polvilhadas com humorismo, avançam no território da sátira, abandonam-se ao canto, elevam-se em meditações poéticas leves, confiam-se a deliciosos bilhetes entre amigos, há até uma Carta a um veterinário, o único que poderia curar a péssima saúde de Madeleine, acompanhada em vão pelos médicos dos humanos. De fato, ela confessa: "Tenho um caráter de cão, a teimosia de um burro, o temperamento de um cavalo: é por isso que um veterinário me parece mais adequado às minhas necessidades. Se, depois, no pior dos casos, eu tivesse a cabeça podre, preferiria um inseticida à psicanálise".
Porém, nas linhas desses escritos tão vivazes e até descontraídos, brilham intuições altas, mas sempre marcadas pela devoção à ironia: "Se quisermos ajudar os outros a caminhar, é preciso saber sentar!" (ou seja, refletir, contemplar, meditar). Ou dirigida a Deus: "Seja feita a vossa vontade assim na nossa casa como no céu", enquanto o ateu prometia: "Eu vou manter Deus do teu lado".
Weil e Delbrêl revelam a qualidade "encarnada" da verdadeira espiritualidade que não é um estático decolar para um zênites celestiais, mas sim uma fazer cair no chão da história os fulgores do divino. Um emblema extraordinário desse cruzamento entre mística e política é Dag Hammarskjöld, sueco, apreciado secretário-geral da ONU: lembro-me, ainda jovem, dos programas televisivos dedicados à sua morte em dezembro de 1961, nos céus do Congo, em um misterioso acidente de avião, precisamente enquanto ele estava realizando uma importante missão de paz. Consigo, além de outros pertences pessoais, ele tinha a Imitação de Cristo, o célebre texto espiritual do qual nunca se separava, dentro do qual, como marcador de páginas, ele usava o texto do juramento do Secretário das Nações Unidas.
Temos agora a possibilidade de conhecer a biografia pública e pessoal de Hammarskjöld no retrato abrangente que a jornalista Susanna Pesenti desenhou em um livro muito documentado, mas também vivo como um testemunho direto.
O pano de fundo geopolítico é delineado com clareza e acuidade, e, dentro dele, se eleva esse personagem de olhos azuis e sorriso doce, mas também de inteligência e rigor quase únicos. Entre os debates na Palácio de Vidro, as extenuantes negociações diplomáticas, as exaustivas missões na África, as insones análises de dossiês, as agendas repletas de compromissos, a sua fé ou, melhor, a sua mística espreita sempre de surpresa.
Cito quase por acaso, lendo as páginas dessa esplêndida biografia, um par de anotações do diário do secretário-geral. Depois de um intenso debate no Conselho de Segurança, durante a Semana Santa de 1956, ele anota: a paixão de Cristo "está presente até no contato com essa humanidade, em que Jesus morre a todo instante, em quem acompanhou até o fim o rastro interior do caminho" (e Rastro de caminho será justamente o título do diário quando publicado. Veja-se a edição italiana da editora Qiqajon, Bose, 2005).
Em 1958, na conclusão do primeiro dos dois mandatos como secretário, ele confessava: "Na fé que é a união de Deus com a alma, tu és um em Deus, e Deus está inteiramente em ti, precisamente como para ti ele está inteiramente em tudo o que tu encontras".
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O divino na terra: a mística do ponto de vista secular. Artigo de Gianfranco Ravasi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU