23 Abril 2012
Rousseau versus Hobbes: na capa da revista francesa Philosophie, os dois principais candidatos à presidência da França, Nicolas Sarkozy e François Hollande, são retratados de acordo. Para a revista, "a verdadeira disputa presidencial" opõe a visão contratual e consensual de Rousseau (Hollande) e a violenta visão do "homem como lobo do homem" de Hobbes (Sarkozy).
O comentário é de Dominique Moïsi, escritor, cientista político francês, e publicado pelo jornal O Estado de S. Paulo, 23-04-2012.
Talvez a abordagem da Philosophie para a eleição presidencial francesa contenha certa dose de verdade, mas a realidade é muito mais prosaica - e muito menos intelectual. Para compreender as complexidades da disputa, o esporte pode ser uma referência mais interessante do que a filosofia.
Consideremos a estratégia de Hollande em termos futebolísticos. Depois de marcar um gol no início da partida (garantindo sua vantagem nas pesquisas de opinião), ele se viu na posição do técnico italiano retranqueiro de 20 anos atrás - uma estratégia puramente defensiva cujo objetivo seria impedir a recuperação de Sarkozy. Talvez tenha funcionado, mas a estratégia contribuiu para o tédio da campanha de Hollande.
Ele quis tanto chamar a atenção para sua "normalidade" em comparação aos excessos da personalidade do rival que acabou apresentando a si mesmo como um político banal. Como resultado, ele se viu cercado pela aura revolucionária de mistério do candidato de extrema esquerda, Jean-Luc Mélenchon, e o dinamismo exageradamente enérgico de Sarkozy.
O surto assassino do terrorista Mohammed Merah em Toulouse, em março, acabou favorecendo ligeiramente Sarkozy, que afastou o debate político da injustiça social e o trouxe para o campo da segurança. Mas, por mais que Sarkozy estivesse mais forte do que no início da eleição, os desafios que ele precisava enfrentar ainda eram formidáveis. Nunca na história da Quinta República a mesma maioria partidária ganhou as eleições presidenciais mais de três vezes seguidas. A reeleição de Sarkozy, após a vitória dele em 2007 e os triunfos de Jacques Chirac em 1995 e em 2002, representaria uma quarta vitória seguida para a direita gaullista, algo ainda mais notável se levarmos em consideração a situação econômica na França, na Europa e no mundo.
Além destes fatores estruturais e históricos, há a questão das personalidades. Neste aspecto, a disputa não seria entre Hobbes e Rousseau, e sim entre Bonaparte e Clement Attlee, primeiro-ministro britânico do pós-guerra famoso por sua falta de charme pessoal (a respeito dele, Churchill chegou a dizer que "Attlee tem motivos de sobra para ser modesto"). Em outras palavras, a eleição se converte numa simples disputa entre a rejeição a Sarkozy e a falta de paixão inspirada por Hollande.
Enquanto isso, o arrependimento pode ser sentido em todo o espectro político. "Se ao menos tivéssemos um candidato mais apresentável do que Sarkozy", resmungam os conservadores. "Se ao menos tivéssemos um candidato mais carismático que Hollande", lamentam os socialistas.
Uma negação suicida da realidade parece unir os candidatos e seus eleitores num pensamento que poderia ser formulado da seguinte maneira: "Não falem de temas sérios durante a campanha, como o endividamento nacional, e não cobraremos de vocês que os enfrentem com seriedade quando estiverem no poder".
Pensemos na recente capa da revista The Economist, que mostra Sarkozy e Hollande como as duas figuras masculinas do famoso quadro de Manet Almoço na Relva. Cercados por mulheres nuas, eles parecem ilustrar a "arte francesa de viver" que a França não pode mais sustentar.
Onde está Churchill e seu apelo às armas, ao esforço e ao sacrifício? Será que a França está preparada para desperdiçar outros cinco anos, independentemente do resultado do 2.º turno?
É claro que, num mar agitado pelos fortes ventos de uma tempestade, a experiência do capitão do navio é muito importante. Ainda assim, levando-se em consideração os problemas da economia francesa e os limites da União Europeia, para não mencionar os da economia mundial numa era global, nenhum presidente terá muito espaço para manobrar.
Assim, os franceses escolhem seu presidente muito mais com base na personalidade e no estilo pessoal dos candidatos do que no conteúdo de seus programas políticos.
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