22 Março 2012
Os resultados das pesquisas no Timor Leste indicam que o espírito de independência timorense foi redescoberto e está vivo e forte. Com dinheiro em caixa devido à receita das jazidas de petróleo do Mar de Timor, orgulhoso por ter deixado para trás a severa crise de 2006 e entrando em forte atrito com a ONU, o Timor Leste decidiu seguir em frente sozinho, até ao ponto de viver perigosamente.
A opinião é de Pat Walsh, australiano, trabalhou durante 10 anos como diretor-executivo e assessor especial da Comissão de Recepção, Verdade e Reconciliação do Timor Leste. O artigo foi publicado no sítio Eureka Street, revista eletrônica dos jesuítas australianos, 19-03-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Ficou claro há algum tempo que 2012 seria um ano decisivo para o Timor Leste. Além de marcar os 500 anos da chegada dos portugueses e os 100 anos desde que o lendário Dom Boaventura liderou uma grande revolta contra eles em 1912, 2012 também marca os 10 anos da total independência e terá duas eleições.
A primeira delas foi realizada no dia 17 de março e envolveu 12 candidatos concorrendo à presidência. Os resultados das pesquisas indicam que o espírito de independência timorense, exemplificado por Dom Boaventura e, mais recentemente, pela Resistência, foi redescoberto e está vivo e forte. Com dinheiro em caixa devido à receita das jazidas de petróleo do Mar de Timor, orgulhoso por ter deixado para trás a severa crise de 2006 e entrando em forte atrito com a ONU, o Timor Leste decidiu seguir em frente sozinho, até ao ponto de viver perigosamente.
A ONU e o contingente militar internacional liderado pela Austrália foram convidados a sair até o fim deste ano. É como se os timorenses tivessem ouvido o fantasma de Borja da Costa, o mais famoso poeta do Timor Leste, executado em 1975 pelos militares indonésios, sussurrando-lhes de novo: "Por que, Timor, teus filhos adormecem como galinhas (...) Desperta, toma as rédeas do teu próprio cavalo".
A contagem dos votos está praticamente completa, e nenhum dos quatro principais candidatos à presidência ganhou uma maioria simples. Isso significa que haverá um segundo turno no dia 21 de abril entre os dos mais votados: Francisco Lu Olo Guterres, presidente da Fretilin [Frente Revolucionária de Timor-Leste Independente] (28%), e José Maria Vasconcelos, mais conhecido pelo seu nome de guerra timorense, Taur Matan Ruak (TMR), chefe das Forças Armadas timorenses até sua renúncia no ano passado (25%).
Ambos exemplificam o veio robusto e independente do Timor Leste, tendo lutado como guerrilheiros durante a guerra de 24 anos na Indonésia. Os concorrentes, que receberam cada um cerca de 18% dos votos, eram Fernando Lasama Araújo, presidente do Parlamento timorense, e José Ramos-Horta (foto), o presidente em exercício, que já reconheceu a derrota.
É a liquidação de Ramos-Horta por parte do eleitorado que é a grande surpresa. A rejeição da sua oferta para servir o país por mais cinco anos é de tirar o fôlego e, em minha opinião, extremamente perigosa.
Ramos-Horta é um tesouro nacional. Sua contribuição para a libertação do Timor Leste é lendária e, como presidente não partidário desde 2007, ele tem trabalhado incansavelmente para contrabalançar a imagem do Timor Leste como um Estado quase falido, reconstruindo a unidade, remarcando o Timor Leste como um país pacífico e servindo como uma parte crítica dos poderes estatais.
Ele está aberto a críticas, incluindo por ter contribuído para uma cultura de impunidade e, às vezes, por ter excedido os seus poderes e interferido em questões que são propriamente assunto do governo, não da presidência.
Mas rejeitar alguém da sua capacidade, autoridade e histórico é o equivalente político de o Timor Leste abandonar a sua campanha pelo gasoduto do Mar de Timor. Como isso aconteceu exigirá mais pesquisas. A resposta curta parece ser que o eleitorado teve a impressão de que Ramos-Horta, ao contrário dos seus adversários mais famintos, perdera o apetite pelo trabalho e, quando Xanana Gusmão o abandonou, os eleitores seguiram o exemplo.
A escolha diante do eleitorado agora é, em minha opinião, simples e direta. Embora os candidatos do segundo turno tenham linhagens militares e políticas semelhantes, Guterres (foto) está melhor qualificado para ser presidente. Desde a independência, ele tem ocupado papéis de liderança nacional significativos, incluindo a presidência do maior partido político do país e como presidente do Parlamento por muitos anos. Ele concluiu recentemente uma graduação em Direito e também pode ter algum crédito pelo papel responsável desempenhado pela Fretilin durante seus últimos anos na oposição.
TMR não está pronto. Ele praticamente não tem nenhuma experiência fora das Forças Armadas, das quais ele estava encarregado quando a crise de 2006 começou entre suas fileiras. Muitos se sentem justamente desconfortáveis com a perspectiva de um general recém-aposentado, de estilo indonésio, se tornar o chefe de um Estado frágil em que as Forças Armadas já desempenham um papel de segurança interna.
Ramos-Horta está tendo agora um momento Ian Thorpe [nadador australiano e cinco vezes medalhista olímpico], contemplando se irá continuar na vida pública de alguma forma ou se irá se aposentar e talvez viver no exterior como seu colega prêmio Nobel, Dom [Carlos Filipe Ximenes] Belo. O meu palpite – e esperança – é que alguma forma de utilizar a sua vasta experiência como antigo estadista será encontrada pelo Timor Leste.
Ele disse que não irá apoiar nenhum candidato no segundo turno, mas isso não exclui um papel nas eleições parlamentares que serão realizadas em junho, depois que ele deixar a presidência, em maio. O rei deposto pode vir a ser o fazedor de reis que Xanana Gusmão foi para ele em 2007.
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O destino político ainda incerto do Timor Leste - Instituto Humanitas Unisinos - IHU