16 Março 2012
Uma Feira da Inovação em Austin, Estados Unidos, recruta os hóspedes de um centro de acolhimento como hotspot [ponto de acesso] 4G. Polêmica: "É aviltante e desumano". Mas os organizadores rebatem: "Demos a eles uma oportunidade de trabalho".
A reportagem é de Jenna Wortham, publicada no jornal La Repubblica, 14-03-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Na última edição do "South by Southwest", um evento dedicado à inovação tecnológica, houve um achado que talvez atraiu mais interesse do que qualquer outro: o uso dos sem-teto como hotspot para a conexão wi-fi. A BBH Labs, o setor de inovação da agência internacional de marketing BBH, desencadeou uma onda de críticas e de polêmicas por ter recrutado 13 residentes de um centro de acolhida para desabrigados e por lhes ter pedido – depois de lhes ter fornecido um dispositivo para a recepção wi-fi, alguns cartões de visita e uma camiseta em que estava estampado o seu nome ("Sou Clarence, um ponto de acesso 4G") – que vagassem entre os participantes do evento para permitir que eles se conectassem à Internet em troca de uma oferta de dinheiro.
Entre smartphones e conexões para as redes sociais, o público do evento excedia a capacidade da rede à sua disposição: uma falha à qual a BBH Labs pensou em remediar através da iniciativa Hotspot sem-teto, considerada um "experimento benéfico". Cada voluntário recebeu um pagamento de 20 dólares por dia, além do dinheiro obtido dos clientes em troca da conexão sem fio.
A notícia, no entanto, despertado a indignação de muitos daqueles que acreditam que transformar seres humanos necessitados em antenas wi-fi é aviltante e desumano. Tim Carmody, um blogueiro que escreve para a revista Wired, descreveu a iniciativa como "absolutamente problemática", que "parece ter saído de uma sinistra distopia de sátira de ficção científica". No blog da BBH Labs, um operador daytrader fingiu estar entusiasmado com a iniciativa, mas lamentou-se depois de que "o ponto de acesso sem-teto não fica parado nenhum momento e me fez perder todas as minhas transações".
Na segunda-feira, último dia da iniciativa, a BBH Labs se viu obrigada a dar explicações. Saneel Radia, o diretor do setor de inovação, além de responsável pela iniciativa, negou que se pudesse falar de exploração. "Consideramos que podia ser uma forma para sensibilizar as pessoas e oferecer aos sem-teto uma oportunidade para interagir com outros membros da sociedade e conversar com as pessoas", afirmou. "Ser um ponto de acesso lhes possibilita contar a sua própria história".
Mitchell Gibbs, diretor de desenvolvimento da Front Steps, o centro de acolhimento que hospeda os voluntários da iniciativa, afirmou estar surpreso com as críticas e acrescentou que havia dado alguns conselhos para organizar melhor a iniciativa, que, acrescentou, inspirado nos participantes um "espírito empreendedor". "Trata-se de uma oportunidade de emprego, independentemente de quem a oferece", disse.
As "antenas humanas", por sua vez, não pareciam interessadas na polêmica. Uma delas, Clarence Jones, de 54 anos, disse que era natural de Nova Orleans e que havia tornado sem-teto em 2005, depois do furacão Katrina. "As pessoas pensam que eu fui explorada, mas eu não acho", disse. "Eu gosto de falar com as pessoas, e também se tratou de um trabalho. Um honesto dia de trabalho retribuído".
Os críticos da iniciativa, ao contrário, deploraram as diferenças que separam os sem-teto necessitados e seus clientes: geeks totalmente absorvidos pela rede. Adam Hanft, executivo-chefe da Hanft Projects, uma agência de consultoria de marketing, afirmou que, embora tenha nascido de boas intenções, a iniciativa parece ter ignorado totalmente essas diferenças. "Já existe uma sensação generalizada de que a comunidade da Internet já está muito absurdamente tomada por si mesma a ponto de não se dar conta de que existe um mundo para além da rede", acrescentou.
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Sem-teto como antenas wi-fi: a iniciativa que divide os EUA - Instituto Humanitas Unisinos - IHU