Por: Caroline | 20 Dezembro 2013
Mesmo que há anos a indústria trabalhe com fenômenos relacionados ao plasma, como a reação de gases e a descarga elétrica que acende nossas luzes e dão cor às nossas televisões, por exemplo, este é um ramo no qual ainda há muito a ser descoberto. É o que nos contou, em entrevista, o doutor em física pela Universidade de Buenos Aires (UBA), Fernando Minotti.
A entrevista é de Leonardo Moledo, publicada por Página/12, 18-12-2013. A tradução é do Cepat.
Fonte: http://goo.gl/5TFY2i |
Eis a entrevista.
Conte-me com o que trabalha.
Quando terminei meu pós-doutorado, voltei à Argentina e comecei a trabalhar com fluídos, plasmas e aplicações industriais, médicas e biológicas...
O que é um plasma?
É um gás que se aquece muito, de modo que se ioniza e começa a ter interações com partículas carregadas (elétrons e íons positivos). É um gás com uma dinâmica muito interessante, pois apresenta forças eletromagnéticas. E a maior parte do universo é formada de plasma (com exceção da Terra).
E em Júpiter...
Não, em Júpiter também não. Em temperaturas relativamente baixas, que são necessárias para as formas de vidas que conhecemos, o plasma não se desenvolve. Para ionizar um gás necessita-se de temperaturas ou densidades muito baixas, de maneira que quase não há plasma. As partículas de gás não têm tempo de se recombinar. A presença de partículas ionizadas (elétrons, prótons) se dá no espaço, por exemplo.
Ou seja, o universo é um plasma.
Estão em estado de plasma 99,99% da matéria visível do universo: o Sol, as estrelas, a matéria interestelar...
Exceto pequenas ilhas como a Terra.
Claro.
De quais temperaturas estamos falando?
Para começarem as ionizações, acima dos dez mil graus. Este é o limite.
Mas, a superfície do Sol está em seis mil graus...
Sim, mas entram em jogo outros fatores como, por exemplo, a densidade. Por outro lado, o interior do sol está em milhões de graus.
E o que o senhor faz com isso?
Em muitas aplicações industriais, trabalha-se com o gás nestas condições. Nós tentamos compreender esta dinâmica para saber como poderemos evoluir.
As telas de plasma?
Bom, aí o que há são pequenas cavidades que estão com um gás em baixa pressão, com descargas que produzem justamente um plasma muito pequenininho, que produz luz. E, de acordo com o material, são produzidas diferentes cores.
Acrescentemos que ionizar é carregar.
Claro, tirar ou incluir um elétron, de maneira tal que fique neutro. É apenas um exemplo, mas também está nos tubos fluorescentes, por exemplo. O gás que está dentro, está levemente ionizado. É um plasma de elétrons muito aquecido, que gera reações que emitem luz. Em geral, quase todo o processo industrial minimamente desenvolvido inclui um plasma.
Não apenas no universo, mas também na indústria.
Na indústria temos que ter energia para conseguir um plasma, no universo não é preciso.
Conte-me o que o senhor faz especificamente.
Todos esses projetos que são desenvolvidos para a indústria têm uma dinâmica muito complicada, porque o plasma é complicado; há muitas interações, deve-se saber como se gera a descarga elétrica que o produz. Tudo isso é muito complexo e não é de amplo conhecimento, por mais que haja fenômenos relativamente comuns, que são usados há centenas de anos (uma descarga elétrica, uma faísca). É um ramo no qual ainda estão descobrindo coisas.
Por exemplo?
A forma pela qual alguns tipos de gases reagem com a corrente. Se o oxigênio é carregado negativamente, os portadores de carga, ao invés de serem leves, ficam pesados e então ocorre um processo completamente diferente. Se o portador é positivo, são átomos que perderam elétrons e dessa forma ficam pesados. Quando são negativos, são leves, fáceis de mover, a menos que ganhem algum material eletronegativo, que são os que tiram o oxigênio, os portadores terminam, diferentemente dos elétrons, mais pesados. É uma dinâmica muito diferente, visto que não se movimenta como um elétron.
E, então, o que acontece?
A baixa da condutividade elétrica, por exemplo.
Um cientista é uma pessoa que não sabe algo e que tenta respondê-lo.
Elabora, a partir das poucas coisas que sabe, algumas hipóteses.
E o que é o que o senhor não sabe e está tentando investigar?
Por exemplo, agora começamos a estudar alguns propulsores de plasma para satélites. Há pouco tempo entrou em órbita o Capitão Beto, o nano satélite argentino. As pessoas que colocaram o satélite em órbita entraram em contato conosco para desenvolvermos dois propulsores para este satélite de plasma. Faz-se uma descarga elétrica, que sublima ou evapora o material isolante, que é expulso do propulsor, que passa então a gerar pequenos impulsos, ou descargas que, quando acumuladas no tempo são capazes de dar impulso ao satélite. Agora, buscamos qual é a melhor maneira de construir estes propulsores, com todas as limitações que possamos ter (a pouca potência dos pequenos satélites, por exemplo). Há muitas condições, muitas restrições, nas quais se deve esquentar, evaporar e acelerar o material, com muita pouca potência disponível. Vemo-nos obrigados a estudar todos os processos microscópicos, em saber como uma descarga elétrica gera certos produtos que, junto à radiação ultravioleta, evaporam o material isolante; assim como sobre a forma que o plasma interage com uma corrente eletromagnética.
O que acontece?
Essencialmente, colocam-se eletrodos com uma grande diferença de potência. Através de vários mecanismos, um elétron pode ser emitido de algum eletrodo e esse elétron, em seu movimento no gás, caso um campo elétrico não seja suficientemente intenso, é acelerado e ganha energia suficiente para que possa ionizar as moléculas de gás. E, por sua vez, pode gerar novos elétrons, uma espécie de reação em cadeia. Se entre as colisões o campo elétrico for suficientemente alto, de maneira que possa acelerar o novo elétron, ele pode então se sustentar e gerar uma quantidade de portadores de carga que conduzem a uma descarga elétrica, de um lado para o outro.
Então, esta seria uma descarga elétrica, e não uma onda eletromagnética.
Não, é uma cascata de ionização.
Leva-se a eletricidade “na mão”.
Claro.
É um proletariado elétrico. Agora... quando você diz que 99,99% da matéria visível é plasma, isto é algo que pouca gente sabe. Quando diz que toda a indústria mais avançada utiliza o plasma, não compreendi muito bem. Por exemplo: a indústria do automóvel. Não entendo como poderia usar o plasma.
Não conheço este caso em particular, mas suponho que use o plasma. Ele é muito usado para o tratamento de superfícies, para mudar propriedade (endurecê-las, torná-las mais resistentes ao desgaste). Ali são depositadas películas muito duras, que se grudam no material e o endurecem.
E na computação?
Aí é especial, para os circuitos integrados, por exemplo. As pastilhas de silício têm descargas, têm plasma.
E como é tratada a questão da temperatura?
O que acontece é que estas são coisas que se fazem em baixa pressão e que, ao estarem separados, torna-se mais difícil aos componentes se recombinarem. É o que eu dizia sobre o que acontece no espaço: não necessariamente a temperatura tem que ser alta, os materiais podem estar separados.
A temperatura é muito baixa na poeira interestelar.
O problema é que ali não há equilíbrio termodinâmico, então não é muito fácil falar de temperaturas. Pode ser que haja elétrons, partículas soltas com muita energia e que, neste sentido, estão quentes. Mas, como não interagem com outra coisa, não têm como intercambiar, esquentar ou esfriá-los. Por isso, é mais difícil falar sobre temperatura.
É preciso alcançar uma partícula para que haja plasma?
O plasma é uma substância que requer um comportamento coletivo; necessita-se de muitas partículas para chamá-lo de plasma. Caso sejam partículas soltas, não há problema. Como interagem através de campos eletromagnéticos, é no espaço que se dão os fenômenos coletivos.
Somos “plasmadependentes”?
Hoje em dia, acredito que sim, pois grande parte da nossa tecnologia, inclusive na medicina, necessita de plasma. E está se pesquisando muito para continuarmos avançando.
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“O universo é um plasma”, afirma o físico Fernando Minotti. - Instituto Humanitas Unisinos - IHU